terça-feira, 31 de julho de 2018

QUANTA HONRA! PARTICIPE!

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         É com imensa satisfação que convido meus leitores e amigos a participarem dos concursos abertos, sobretudo o de crônicas que leva o meu nome! Sou muito grato às pessoas que me julgaram merecedor desta honraria (de estar em companhia da Idalina, Washington de Oliveira e Tia Helô). Grande abraço. Até o dia da premiação, amigos!

UMA PROMESSA

Eu, Josefina e o compadre Manezinho (Arquivo JRS)


               Ainda bem que levei meu filho para visitar os Mariano! Que honra poder ter como compadres o Mané e a Paulina! Quanto orgulho eu carrego por ter a amizade da batalhadora Josefina!

               Conheci todo esse pessoal em 1980, ao chegar ao bairro da Estufa, em Ubatuba.  Logo fui sabendo que os Mariano estavam na fundação da capela local. Foi o velho Manoel Mariano Lopes, caiçara paratiano, quem construiu a humilde casa de oração, a pedido do Frei Vitório Valentini, no final da década de 1950, conforme escutei um dia do saudoso Luís Albado. A motivação, de acordo com a Josefina,  veio de uma graça recebida, de um milagre.

               “Quem me contou a história, Zezinho, foi a própria dona que patrocinou a construção. Ela era da cidade de São Paulo. Tudo começou com um filho doente, quando apelou para que São Benedito intervisse na cura do menino que tinha pneumonia. Depois de passar por muitos médicos, de já estar desenganado, estando num leito de hospital, com muita febre e dores, ele recebeu a visita de um homem que chegou conversando, escutando seus lamentos e tentando animá-lo. Por fim, ao se despedir, impôs-lhe as mãos na cabeça por um pouco de tempo. Na hora a febre passou, o enfermo já não sentiu mais nada de dor. Logo começou a correr pelo quarto, brincando com algumas coisas que havia por ali, causando muito espanto na mãe quando chegou no horário da visita. Veio o médico, examinou a criança, ficou muito admirado; atestou que não havia mais nada da doença e que podia ir para casa. Ela chorou de tanta alegria e logo  se lembrou da promessa feita a São Benedito, procurando ocasião para cumpri-la.
               Essa devota mulher, moradora da capital, era proprietária de uma casa de veraneio na praia do Itaguá. Numa ocasião, tempo depois da cura do menino, estando de passeio por aqui, foi à missa na igreja matriz e levou junto o filho. Assim que entraram no templo, olhando para o lado esquerdo, onde estava o altar lateral, o pequeno gritou: ‘Ali, mãe! Foi aquele homem que me visitou no hospital, que pôs a mão na minha cabeça e acabou com a doença!’. No mesmo instante a mãe reconheceu São Benedito e se emocionou demais avistando o enfeitado altar do santo negro. Agora faltava cumprir a promessa (que era de construir uma capela e dar uma imagem do santo, onde seria o padroeiro). Após a missa, procurou o pároco e explicou toda a história. Frei Vitório a escutou e logo pensou na Estufa, um bairro próximo que ainda não tinha capela. Prometeu conversar com o prefeito, pedindo uma área. Sendo atendido, aguardou o retorno daquela caridosa senhora que imediatamente forneceu as condições materiais para a edificação. O frei conhecia o meu finado pai e tinha muita confiança na sua responsabilidade de bom católico, na sua boa vontade e em seu trabalho caprichoso de pedreiro. Prontamente ele aceitou a missão. Não demorou muito para a capela ficar pronta. Por fim, chegou a tão esperada imagem de São Benedito, tão pretinho como o meu saudoso pai. Uma missa solene marcou a inauguração da nossa capela. Esta história eu escutei daquela senhora bem em seguida desse evento, logo depois. Aquela capelinha cresceu até ser a Igreja de São Benedito que temos hoje, que acolhe tanta gente boa. Ah! Se meu pai fosse vivo ainda! Quanta saudade eu tenho dele!”.

               Agradeço à Josefina, ao compadre Mané Mariano e à comadre Paulina pela oportunidade de escutar mais uma vez a narrativa que é parte da memória do bairro da Estufa. Foi bom rever mais uma vez essa caiçarada, de passar mais um tempo na companhia deles numa prosa de dar prazer!


domingo, 29 de julho de 2018

VIVER BEM

Estevan e Clóvis (Arquivo JRS)

Jovens no Festival de Campos do Jordão (Arquivo JRS)

Escritor na FLIP (Arquivo JRS)
Em prosa com os Mariano (Arquivo JRS)


               Estamos nos últimos dias das férias, já se preparando para reencontrar os colegas que partilham conosco as nossas tarefas, os nossos êxitos e os insucessos em nossas funções. Até logo, amigos! Por isso, as atividades de lazer e cultura serão sempre bem-vindas. Na verdade, é necessário persegui-las, aproveitá-las ao máximo, pois são elas que repõem nossas energias e dão outros referenciais para viver bem.

               Julho foi um período de muitos eventos. Ainda bem! A minha família adora tudo isto: festival de inverno, festa da truta, fandango na praça, festa da tainha, festa julina, festa literária de Paraty etc. etc. Faz parte da nossa formação tudo isso. “Não é nenhum sacrifício, né?”. É  isto mesmo! E porque não dizer do encontro com Josefina e com o compadre Mané Mariano! (Logo eu conto a história deles). E ainda hoje tivemos tempo de pedalar com o filho e o irmão pelos caminhos da Ponta Grossa, no território dos Paru, uns caiçaras que estimo demais! Constatamos o desbarrancamento num trecho da trilha da Torre. Agora complicou o acesso! Hoje, por limite do tempo, decidimos adiar uma subida para daqui a quinze dias. Vamos que vamos, mano!

sexta-feira, 27 de julho de 2018

FESTA JULINA

Fogueira em decoração (Arquivo JRS)
Nossa fogueira (Arquivo JRS)



            A cada ano, desde que nos casamos, se tornou um costume comemorar as festas juninas em nosso espaço, na nossa casa. A partir do momento que as moçada foi cursar a faculdade em outras cidades, longe daqui, o festejo ocorre no mês de julho, quando todos estão em férias. É um prazer reencontrá-los, registrar novos momentos com histórias, novidades, doces, salgados e fogueira. De uns anos para cá, temos o prazer de ter conosco o tio Neco. Desta vez ele trouxe um doce de mamão, do jeito que aprendeu da vovó.
             A festa é ocasião de se alegrar com mais gente, de reunir o maior número de familiares; de ver como vamos envelhecendo no prazer de testemunhar a evolução de nossos filhos e dos sobrinhos; de notar neles o carinho existente. É lógico que nem sempre dá para contar com todos, mas temos certeza que eles sempre saberão que estamos torcendo por suas realizações e sempre dispostos a acolhê-los.

domingo, 22 de julho de 2018

GANSO NO ANZOL



 
Ganso no anzol (Arte Estevan)


               O agora saudoso João Barreto era craque em causos. Por isso, foi um dos colaboradores na tese de mestrado da Gláucia [Ente causos e contos: gêneros discursivos da tradição oral numa perspectiva transversal para trabalhar a oralidade, a escrita e a construção da subjetividade na interface entre a escola e a cultura popular – Unitau, 2007]. Hoje vamos conhecer mais um dos nossos causos, da nossa Ubatuba. O desenho, arte do Estevan, foi também no capricho, né?!?

               Aqui em Ubatuba sempre existiu bons pescadores. O Seo José Vieira, o famoso Zé Capão, que até inspirou a estátua na rodovia, na entrada da cidade, era um desses que, além do talento natural, conhecia os melhores pontos de pesca dessas costeiras todas. Porém, pescar no cais do porto (Caisão) tinha a preferência. O motivo era que, por ser um lugar onde desembarcava muita sardinha, sempre caía algumas que engodavam os cardumes e atraía mais peixes para aquele lugar. Por isso que ali dava muito robalo, caçonete, pirajica, sargo e tantos outros. Por ali também sempre tinha polvo.  Até mero tinha por lá. Numa época assim, em mês de agosto, num dia de muita neblina no mar, quando só se enxerga poucos metros adiante do nariz, lá se foi Zé Capão com a Dona Sebastiana, pescar robalinhos lá pras bandas do cais. O casal sempre pescava junto.
               Como todo mundo sabe, o Zé Capão tinha as melhores linhas, dessas que aguentam peixes graúdos. Também não era de economizar em anzol encastroado. Por isso levou uma das mais fortes, de mil metros de comprimento. Era pra pescar longe, pra garantir peixe grande. O homem não era brincadeira não! Era costume dele ir pescar robalo com isca de parati vivo. Deu sorte de passar pela rede do Fifo e aproveitou para pegar alguns que se debatiam. Acho que eu disse que o dia estava encoberto de tal modo que mal se enxergava a ponta do nariz. Zé Capão chegou em cima do cais, iscou um parati bem graúdo no anzol, pediu pra mulher se abaixar um pouco, deu um giro de mais da metade do corpo e, parecendo pião de carrapeta, rodou por uns dez minutos para, com toda a força que Deus lhe deu, arremessar os mil metros de linha água afora. E já foi dizendo:
- Pega aí um bitelo, de dezoito quilos pra lá. Vamos ver se o velho tá bom.
               Não demorou muito e o bichão botou a boca. Zé Capão deu a ferrada, firmou a linhada na mão e disse se rindo:
- Mulher, é do jeito que eu queria! Agora você vai ver como eu continuo em forma, inteiro ainda!
               Aí começou a briga. Puxa que puxa, com o homem se esforçando até saltar as veias do pescoço. E aí a surpresa: o bicho bambeou na linhada, aboiou, bateu asas e voou. O que aconteceu? Zé Capão tinha ferrado o ganso do Jaca Vigneron que estava mariscando na praia do Itaguá, indo na direção da barra do Acaraú, bem longe dali. Na verdade, ele arremessou com muita força a linha. Foi com tanta força que, lá do cais, o anzol veio cair na praia do Itaguá. Ganso, assim como pato, é bicho guloso, criação que come de quase tudo. Ao ver aquele peixe nobre no anzol que caiu na areia, ainda se debatendo, não pensou duas vezes. E deu no que deu. Depois de passado alguns dias, até tendo se esquecido do pirão que fez do ganso, o velho pescador deu de encontro com o Jaca que trazia uma lata de milho, ia até a praia, estava à procura do ganso.
- Seo Zé Vieira, você viu um ganso por aí? Já tem uns dias que ele não aparece em casa nem pra comer.
- Imagine, Seo Jaca, se eu tivesse botado reparo nele, eu logo diria pro senhor. Mas não se preocupe não porque assim que eu ver o bicho eu aviso sim. É um dos grandes, bem branco, né?
- Isso mesmo! Disso eu não duvido, seo Zé. Isso, se não foi algum bicho que comeu, é safadeza de alguém. O Olâmpio e o Fifo, que sempre andam por aqui, são desse feitio, arteiros. Até  podem ter comido o meu ganso. Ah, se eu souber de alguma coisa assim!

sábado, 21 de julho de 2018

JOÃO BARRETO

Eu e João (Arquivo JRS)


               João Barreto, filho do Cândido e da Maria, faleceu ontem. Desde criança aprendi a chamar este meu primo de João do Cáindo, conforme  era o costume da praia da Fortaleza. Quando jovem, era um excelente nadador, gostava sempre de pescar com o pai. Era humilde, mas tinha uma presença elevada e contagiante. Gostava de cantar e nunca dispensava uma festa. Mais tarde se firmou no comércio, com um bar na Rampa (área do mercado de peixe na cidade). Há poucos dias tive o prazer de lhe fazer uma visita em sua nova moradia, de conversar sobre as nossas coisas de caiçaras. Ainda tomei um café com a Maria e as meninas (Luciana e Marina). Nos despedimos emocionados, pois recordamos de muitas coisas e pessoas boas.

               O João era talentoso para poesias e histórias. Creio que a família tem um acervo interessante nesse aspecto, um legado a ser conhecido desse caiçara tão genuíno. Em vida publicou, sob coordenação do Carlos Rizzo, uma coletânea de palavras nossas sob o título O falar caiçara.

Capa do livro (Arquivo JRS)

               Na prosa do João, nunca se sentava só um cadinho, nem tomava um café intirume. Ao menos um cuí do que a Maria trazia na cuia a gente tinha de provar: de vez em quando era pixé, ou bentrecha de cação, mas o costumeiro era biju. Era pra comer porque o tempo de goderar já passou. “Agora pirão é moda, né Zezinho? Foi-se o tempo onde tínhamos de mariscar, de armar mundéu e de largar o tresmalho quase todo dia, de esperar que o espia sinalizasse da ponta para desgrudar as canoas do lagamar. E o tempo do corte de banana, quando os cachos eram trazidos para o embarque, você se lembra? E das nossas farinhadas?”. Me lembro sim, João. Creio que a nossa geração não deve se esquecer dessas coisas. E você, com suas prosas e seus escritos vai continuar contribuindo com o nosso ser caiçara; elas serão a sua imortalidade, a sua memória que cultivaremos. Tenho certeza! Passou uns dias...Quando eu me precatei, o João tinha deixado a camarinha e já estava na sala, onde o manacá se misturava com o jasmim e deixava tudo perfumado.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

A CULPADA É A TAINHA

Brasão de Ubatuba  - alusão ao antigo tratado com os tamoios (Arquivo JRS)


               É sempre assim! Chega esta época, meados do ano, daqui e dali vem um cheiro conhecido. “Lógico que é tainha, meu filho! Logo nós vamos comer uma bitela bem assada, no capricho do fogo baixo”.
               A tainha, esse peixe migratório, que busca águas mais quentes, nos rios da zona tropical para desovar, está estreitamente ligada à cultura caiçara. Vem dos índios a perseguição às coitadas. De acordo com o alemão Hans Staden, que aqui esteve prisioneiro dos tupinambás no século XVI, em pelo menos duas ocasiões os tupinambás e tupiniquins se encontravam para as escaramuças que rendiam algumas mortes e prisioneiros a serem sagradamente degustados. Numa primeira vez eram os cardumes que adentravam aos rios da Baixada Santista; depois, no segundo semestre do calendário cristão, a motivação era o abati (milho) que resultava na beberagem devidamente caprichada pelas mulheres. O amigo Tãozinho da Paciência assim explicava:

               “De acordo com os mais velhos, de muitos que já estão em ossos brancos, os índios iam de cara e coragem, com uns cacetes de patieiro que davam medo. Quebravam muito, davam peadas a torto e a direito. No fim, traziam suas tainhas, mas... quase todos estavam marcados pelas bordoadas. Não sei se valia a pena. Mas que uma briga de vez em quando é bom isso eu garanto. Até bem pouco tempo, a gente da praia se encontrava com os do sertão para umas brigas dessas. E olha que não tinha nenhuma tainha na jogada! Era só pelo prazer de dar umas peadas, de ser acertado, mas também carimbar uns tapas pelos cornos. Sempre ficava alguma coisa para acertar na próxima ocasião (que não podia ser muito espaçada), viu?!?”.

               Então, podemos definir os combates como uma diversão que não podia faltar. Tinham motivos. “Mas quando não tem a gente arranja” - dizia o Tãozinho  - “porque a gente é descendente desses índios briguentos, né?!?”.

               Pior ainda foi quando os tupiniquins se aliaram aos portugueses na guerra contra os tamoios. E nosso caiçara do Canto da Paciência dramatizava: “Ah é! Quer dizer que vocês perdem nas brigas da tainha e do milho e vão pedir ajuda aos perós? É por isso que eu digo, Zezinho, que essa tal de Confederação dos Tamoios teve começo lá atrás, na briga pelas tainhas. A tainha é culpada”.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

OLHAR DO HOSPÍCIO

Mapa de Ubatuba  por volta de 1870 (Arquivo Ubatuba)


Canoas na beira do rio por volta de 1950 (Arquivo Ubatuba)

               A Ilha de Villegagnon, no Rio de Janeiro, foi fundada em 1555 pelo almirante Nícolas Durand de Villegagnon. Antes era conhecida dos indígenas por Serigipe. Os portugueses a chamavam de Ilha das Palmeiras. Desde 1938, ela abriga a Escola Naval. Esta informação é para entender parte do que escreveu o escritor Lima Barreto, quando estava recluso no hospício, no começo do século XX, em janeiro de 1914, por ocasião do aniversário da cidade.  Este brasileiro, que morreu aos 41 anos (1881-1922), nos deixou um importante legado de crônicas, ensaios e críticas literárias. Hoje, ele nos ajuda a conhecer o nosso contexto histórico, a contribuição indígena no nosso ser caiçara.

               “Vejo passar por Villegagnon, através das grades do salão. Villegagnon ainda tem muros, mas não lhe vejo as palmeiras. Acode-me pensar na fundação do Rio de Janeiro, que a data comemora. Nesta enseada [na Baía da Guanabara] houve, segundo a história, um combate com os franceses – o das canoas. Olho-a, está um tanto crespa, e as águas são turvas e dão ao olhar a impressão de que estão mais povoadas do que as outras. Há pescadores em faina. Canoas ainda! Heranças dos índios! O remo também vem deles! Quantas coisas dos seus usos e costumes eles nos legaram? Muitas! A farinha de mandioca, do milho, certas tuberosas, nomes de rios e lugares, muitos, adequados e expressivos”.

               Bem lembrado! As denominações indígenas são tão adequadas que, mesmo forçando modificações, nem sempre estas se estabeleceram. Vejamos o exemplo do nome da nossa cidade (Ubatuba – significando muitas ubás). Até hoje, enquanto a civilidade local ainda permite, vemos nas margens do Rio Ubatuba, hoje mais conhecido como Rio Grande de Ubatuba, uma espécie de cana silvestre, já chamada de ubá pelos tupinambás que viviam nesta terra. Famosa eram as flechas de ubá, a parte inflorescente que servia aos índios como hastes portadoras de pontas agudas a serem atiradas por seus arcos.  Aos caiçaras serviam, sobretudo, à confecção de gaiolas. Foi próximo à boca da barra deste rio que, em 1637, se deu a fundação da Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba. Após um certo tempo... faz uma lei, decreta outra... somente a herança indígena restou. O resto, a parte forçada pela cristandade, desapareceu. Ficou apenas Ubatuba!
               É isto! Os nomes têm uma íntima relação com aquilo que se quer dizer. Eu chamaria isto de espiritualidade! Não há porque recorrer às palavras que são modas, denotando simplesmente falta de gosto e de autonomia étnico-cultural.

terça-feira, 10 de julho de 2018

DISSERTAÇÃO DE TICO-TICO

Tico-tico (Imagem da internet)


               Não sei dizer de onde o finado Santinho Barreto, irmão do também finado Tião Honório, ainda quando morava na praia da Enseada, em Ubatuba, tirou esta expressão: “Dissertação de tico-tico”.
               Tico-tico é um passarinho que, no meu tempo de criança, abundava nessas paragens. O seu canto é muito bonito; a sua penugem até se confunde com a do pardal, mas tem um topete que o distingue. Apesar de cantar bonito, não era costume dos caiçaras manter tico-tico engaiolado. Isto eu só vi na cidade do Rio de Janeiro, nos seus subúrbios. O oposto, nesta terra de caiçaras, perseguidos eram os coleirinhos, os sabiás, os pintassilgos, os curiós, os canários etc. Mas na minha casa nunca tivemos esse hábito. Passarinho vivia livre, cantava para nós à vontade.
               Hoje quase não se avista mais tico-tico. Desconfio que os pardais e chupins são os responsáveis pelo sumiço. O canto do tico-tico parece uma falação melodiosa. Você já ouviu? Pode ser por isso que, escutando o Celino “Carioca” esbravejar constantemente contra os desmandos da ditadura no meado da década de 1970, o Santinho, um caiçara que adorava pescar garoupa nas costeiras mais próximas, assim se expressou: “Cuidado, Selino! A sua fala pode ser levada a sério por gente que não é caiçara. A coisa pode ficar feia para o seu lado. Esse assunto atrai gente perigosa, não é dissertação de tico-tico”.
               A advertência do Santinho eu presenciei no campinho da Enseada, do lado oposto do rio, onde se localizava o Bar dos Inocentes. Há muito tempo esses locais (bar e campinho) não existem mais, pois as casas de veraneio e prédios tomaram-lhes seus espaços. Mas era ali o nosso campinho, perto da rodovia, defronte da casa do Onofre Socca, um funcionário do D.E.R (Departamento de Estrada de Rodagem) e pioneiro na abertura da SP-55, a estrada que liga Ubatuba a Caraguatatuba desde a segunda metade da década de 1950.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

PELA LENTE DO AMOR

Fotografia Exposição Rio de Janeiro


               De vez em quando uma pérola quase que passa sem ser percebida. Assim foi com o texto Pela lente do amor, escrito por Simonetta Persichetti, na revista ARTE!Brasileiros, de outubro de 2015. O assunto é Cláudia Andujar,     já apresentada por mim em A menina Nini (em 07/10/2016, e nas duas postagens posteriores a esta data), mas... saber mais nunca é demais, não é mesmo?

               Cláudia Andujar nasceu na Suiça em 1931, cresceu entre a Romênia e a Hungria. Depois, fugindo do nazismo foi para em Nova York, onde se interessou pela pintura. Em 1955, decidiu transferir-se para o Brasil para encontrar a mãe e daí fixar residência e descobrir a fotografia. “A câmera fotográfica foi para mim a forma de conhecer e me aproximar das pessoas no Brasil. Eu não falava português, e a fotografia me ajudou muito”.

               Na mostra Cláudia Andujar: No lugar do Outro, ocorrida em 2015, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, resultado de uma pesquisa em seu acervo, com quase dez mil fotografias, há uma divisão em quatro núcleos. O que interessa para nós, caiçaras de Ubatuba, é a fase entre 1962 e 1964, onde a fotógrafa registrou o cotidiano de quatro famílias de contextos muito distintos: uma baiana, dona de uma próspera fazenda de cacau; uma da classe média paulista; uma de pescadores caiçaras, isoladas em uma praia de Ubatuba (SP); e uma quarta família, mineira e religiosa. A intenção era entender como viviam os brasileiros, almejando publicar o trabalho em uma revista, mas o perfil diverso do conjunto não interessou à publicação.
              
Menina de Ubatuba - Imagem: Cláudia Andujar.
            Foi a arte que me despertou para esta minha tarefa. A partir da sensibilidade de uma estrangeira que passava com uma câmara fotográfica pelo mesmo caminho onde se encontrava a Nini, a imagem ficou registrada, foi para outras partes do mundo e despertou a atenção de um pesquisador. E, graças à sensibilidade da amiga Mary, ela chegou até as minhas mãos.

               Nini, onde estás? No Study Collection (coleção de estudo), “um acervo destinado a trabalhos de pesquisas, mas não necessariamente para exposição”. Tinhas sido vendida entre 1962 e 1966. Lá, no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova York, estavas perdida. Dentre tantas coisas, te esqueceram. Museu é assim mesmo, né? Até a fotógrafa, de acordo com o jornal, falou: “Não me lembro bem”. Ainda bem que nós nunca te esquecemos!

               Olha só como essa caiçarinha, filha da tia Thereza Lopes, viajou! Valeu, né Nini?



quarta-feira, 4 de julho de 2018

MODA QUE FAZ GOSTO

Folhas nos caminhos (Arquivo JRS)

Orquestra Jovem do Estado de São Paulo - 2018 (Arquivo JRS)

Orquestra Jovem do Estado de São Paulo - 2018 (Arquivo JRS)


               Partindo da certeza de que não existe cultura sem educação, resta aos genitores oferecer aos filhos as oportunidades de vivenciar os aspectos culturais que alavancam a evolução dos mesmos, que vão tecendo a trama da existência. E estes jovens também vão permitindo a nós outras releituras do mundo. Mas... “Pai e mãe são os primeiros professores”. Isso se consegue por experiências, boas leituras e transmissão oral. Desse modo, com tais estratégias, danças, músicas, remédios, canoas, vestimentas, histórias, filosofias, ciências, técnicas etc. vão realizando nossas necessidades, nossos desejos. E a cultura se perpetua e se refaz. Nesse tecer, cada ser humano tem a sua importância. É por isso que lamento quando alguém se envereda por um vício que lhe diminui o seu protagonismo neste fazer cultural. “Coitado daquela criança que o pai lhe segura a mão de um lado e com a outra tosse com um cigarro de erva. Coitado também desse pai! Coitados também daqueles que amanhecem na minha calçada tomando uma bebida que se diz ser vinho, deixando por ali as embalagens plásticas. É a diversão deles. É o sentido da vida deles”.

               Eu, devido a muitos limites e falta de clareza, tenho certeza que deixei de ter a vivência de valiosos aspectos culturais. Mas essa privação não apagou o desejo de buscar oportunidades para futuras realizações, agora incluindo minha esposa, minha filha e meu filho. E pelo caminho vamos conhecendo pessoas que são incluídas nessa nossa família, querendo que convivam com a gente nessas vivências que existem desde sempre, mas que estávamos impedidos de desfrutá-las. É por isso que dou a conhecer lugares e eventos que me fazem muito bem. Meus verdadeiros amigos acompanham essas minhas aventuras! Oxalá eles cavem essas boas oportunidades!

               No último domingo, em Campos do Jordão, eu, minha esposa e duas amigas nos maravilhamos com as apresentações do dia. Fizemos um "bate e volta".  Bem cedo, na Capela do Palácio, o espetáculo foi com o Quinteto Zephyros; depois, só de passagem, na Praça do Capivari, quem atraiu a nossa atenção foi o Coro Infantil da OSESP. Agora, o deslumbramento maior foi às 16:30 horas, no Auditório Cláudio Santoro, onde a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, com quase uma centena de componentes, nos embalou por uma hora. Diria o tio Maneco Armiro numa ocasião assim: "Isto é moda que faz gosto! Que beleza!". Olhando cada rosto daqueles, eu pensava nos adolescentes do Ensino Médio. Estavam nesta faixa, passariam um mês estudando música, tendo experiências incríveis neste aspecto da cultura humana. Certamente nunca mais esquecerão disso. Um dos integrantes da primeira apresentação da manhã, do quinteto já mencionado, assim se expressou: “Foi em 1977 que eu, bem jovem ainda, tive a primeira oportunidade de vir a Campos do Jordão, de me aprofundar na cultura musical e de escolher isso para a minha vida. Hoje, assim como quase todos deste grupo, dou aulas na USP. É uma experiência incrível! Desejo a todos um feliz Festival de Inverno!”. 
         Assim, pensando na minha Maria Eugênia e no meu Estevan, vou plantado, admirando cada flor, cada folha e cada ser que dão sentido ao nosso jardim.