Bispo e suas obras (Arquivo JRS) |
Em
1986, quando eu construía um trenzinho de tubulão na Creche Francisquinho,
avistei um operário da companhia de água fazendo um reparo próximo do portão da
creche. Por acaso passei bem perto dele e notei que era uma figura bem
singular, dessas que a gente avista só de vez e nunca. Tinha cabelo rastafari por
debaixo do capacete. A barba no mesmo estilo tinha umas porcas e arruelas
enfeitando. Na ocasião pensei: “Eis aí um negro bem diferente”. Puxei conversa,
somente um dedo de prosa porque ambos estavam em serviço. Um olhar manso, curioso,
de muita profundidade, num corpo forte que parecia nem fazer força com o peso
da picareta. Nome: Fernando Bispo, apaixonado por Ubatuba, natural da capital paulista, criado em
Taubaté e vivido em tantas cidades deste Brasil.
Mais
tarde, no ano 2000, eu e Bispo nos encontramos novamente na Escola Cooperativa.
Ele era o “Faz tudo” do estabelecimento, mas sempre arranjava um tempo para puxar assuntos
filosóficos. Nas artes ele seguia o seu natural: inventando, criando,
apresentando peças de teatro dentro de caixa de madeira, onde apenas uma pessoa
por vez podia apreciar etc. Todos se encantavam com a figura do Bispo e as suas
artes, as suas reflexões e os seus questionamentos.
“O
mundo gira, a Lusitana roda”: é o dizer. Assim, no final do ano passado, ao assistir um
show, notei um pintor se empenhando num quadro na lateral do palco. (Ao final
foi sorteado entre os presentes). Era o Bispo. Que prazer rever! Que figura! Conversamos
rapidamente, me informei do lugar onde estava morando para uma visita.
Agora, neste Carnaval, eu fui visitar o casal Fernando Bispo e Maria Nazaré.
Encontrei o danado entre obras de arte e outros materiais recolhidos em suas
andanças: fazia uma classificação (mola com mola, parafuso com parafuso,
arruela com arruela, arame com arame...). Após os abraços e primeiras prosas,
logo ele foi me apresentando as obras mais próximas, os jogos, as ideias que se
mantém naquela cabeça fervilhante.
Eu
definiria o Fernando Bispo como um artista dos materiais rejeitados. Afinal,
nada se perde na sua concepção de mundo, onde a finalidade última (do homem se encontrar
consigo mesmo) é conduzida pela arte. Eu garanto que muitas prosas e aprendizados
vêm por aí.
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