terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

ARTE EM TUDO

Bispo e suas obras (Arquivo JRS)



               Em 1986, quando eu construía um trenzinho de tubulão na Creche Francisquinho, avistei um operário da companhia de água fazendo um reparo próximo do portão da creche. Por acaso passei bem perto dele e notei que era uma figura bem singular, dessas que a gente avista só de vez e nunca. Tinha cabelo rastafari por debaixo do capacete. A barba no mesmo estilo tinha umas porcas e arruelas enfeitando. Na ocasião pensei: “Eis aí um negro bem diferente”. Puxei conversa, somente um dedo de prosa porque ambos estavam em serviço. Um olhar manso, curioso, de muita profundidade, num corpo forte que parecia nem fazer força com o peso da picareta. Nome: Fernando Bispo, apaixonado por Ubatuba, natural da capital paulista, criado em Taubaté e vivido em tantas cidades deste Brasil.

               Mais tarde, no ano 2000, eu e Bispo nos encontramos novamente na Escola Cooperativa. Ele era o “Faz tudo” do estabelecimento, mas sempre arranjava um tempo para puxar assuntos filosóficos. Nas artes ele seguia o seu natural: inventando, criando, apresentando peças de teatro dentro de caixa de madeira, onde apenas uma pessoa por vez podia apreciar etc. Todos se encantavam com a figura do Bispo e as suas artes, as suas reflexões e os seus questionamentos.

               “O mundo gira, a Lusitana roda”: é o dizer. Assim, no final do ano passado, ao assistir um show, notei um pintor se empenhando num quadro na lateral do palco. (Ao final foi sorteado entre os presentes). Era o Bispo. Que prazer rever! Que figura! Conversamos rapidamente, me informei do lugar onde estava morando para uma visita. Agora, neste Carnaval, eu fui visitar o casal Fernando Bispo e Maria Nazaré. Encontrei o danado entre obras de arte e outros materiais recolhidos em suas andanças: fazia uma classificação (mola com mola, parafuso com parafuso, arruela com arruela, arame com arame...). Após os abraços e primeiras prosas, logo ele foi me apresentando as obras mais próximas, os jogos, as ideias que se mantém naquela cabeça fervilhante.

               Eu definiria o Fernando Bispo como um artista dos materiais rejeitados. Afinal, nada se perde na sua concepção de mundo, onde a finalidade última (do homem se encontrar consigo mesmo) é conduzida pela arte. Eu garanto que muitas prosas e aprendizados vêm por aí.

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