Mestre Orlando, de óculos escuros, na capela da Marafunda (Arquivo Luzia) |
Olha o tangará no fandango! (Arte Estevan) |
Eu
tive o privilégio de conviver, de ter conhecido caiçaras de muita garra, bem
verdadeiros, bondosos, prestativos, de uma gentileza sem tamanho e com a alma
bem aberta (daquelas que, ao bater o olho, você enxerga desde a porta da rua
até o fundo do quintal, conforme o Velho Machado se expressou). Tia Maria
Mesquita, vovó Eugênia, vovô Estevan, tio Genésio, mestre Orlando e tantos
outros eram assim. Mas também tem muita gente que precisa se esconder de si
mesma para conseguir ir levando a vida. Geralmente tais atitudes forjam uma
outra alma, conforme ensinava o saudoso tio Tonico. “A vida é assim, cheia de
obrigações que a gente se acha no dever de cumpri-las, por mais vontade de
tenha de as infringir deslavadamente”. Quase sempre essa aparência a ser
mantida resulta em doenças. “Não ser você como teria de ser, alma falsa em vez
de alma verdadeira, pode causar doença de cabeça”, ensinavam os antigos.
Os
momentos de aprender, de continuar alimentando esta herança cultural, típica
deste chão onde a interdependência com a natureza resultou em tantos caiçaras
dignos de relembrar, de querer reencontros e convivências, faz-me pensar em
outros lugares, em situações que muitos dos mais novos nem conseguem imaginar.
Agora, por exemplo, me vejo nas beiras dos rios, onde havia as pedras de bater
roupas. Ali as mulheres, preocupadas com o asseio, esfregavam as peças do
vestuário, quaravam, conversavam de tudo e voltavam com suas cargas para secar
em varais no terreiro de casa. Era ali também que as panelas eram areadas e os peixes eram consertados (limpados). Quantas coisas eu aprendi escutando as prosas da
mamãe com as outras caiçaras! Elas acordavam a minha curiosidade e os meus
sentimentos. Creio que posso chamar isso de beleza moral. Hoje, prevendo que
irei encontrar pessoas amigas que trabalharão comigo por mais um período, me
disponho a abraçá-las com a alma bem aberta.
Mestre
Orlando, do Prumirim, numa ocasião, no ano de 1992, no antigo Hotel Balmoral,
onde aconteciam as palestras sobre a cultura popular, falava das danças
caiçaras. Explicava a importância das manifestações culturais (xiba, folia de
reis, rezas, benzimentos etc.) para a vida da comunidade. Ele, na sua
simplicidade, nos deu uma aula, uma lição de vida inesquecível. Por fim, por
ter uma alma aberta, conforme conclui, ele arrematou: “Eu faço tudo isso sem
nenhum orgulho, de querer dizer que eu sou o bom. No meu lugar, lá onde mora a
minha gente, tem gente que faz muito mais e melhor do que eu, sem querer dizer que é melhor que ninguém, só pelo prazer, pela satisfação. Todo mundo vive disso, sem nenhuma vaidade, porque
vaidade é um princípio de corrupção”. Ah, Mestre Orlando! Nosso saudoso Orlando
do Prumirim: que alma aberta!
No
próximo fim de semana, dia 4, quando o
pessoal do Fandango Caiçara estiver na cantoria, animando o bate pé da turma e
comemorando o aniversário do nosso Estevan, eu me recordarei do saudoso mestre,
que se empolgava com as evoluções da xiba e varava as madrugadas na maior animação.
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