terça-feira, 22 de agosto de 2017

O CARÁ DO ARGELO


Final da colheita dos carás (Arquivo JRS)

               Inverno, para nós caiçaras, tem um gosto especial por diversos motivos (tainha, festa junina, fandango, festa do Divino...), mas o que importa hoje é falar dos carás: roxo e moela. Fomos criados aguardando esta época do ano. Portanto, além dos sabores em si, da sustância desses frutos da terra, tem ainda a reminiscência dos momentos em família, da disputa em coletar pelas matas essas iguarias.
               O cará moela dá nas tralhas pelos galhos das árvores; o cará roxo dá na terra, necessitando cavoucar com cuidado a cepa, de onde saem suas tralhas. É lá que se encontra a grande preciosidade!  Ambos têm tralhas que se espalham nos galhos altos das árvores. O sinal que está no ponto de colheita é quando as tralhas começam a secar nos muitos pontos, pelas matas. Os nossos olhos foram acostumados, marcam os lugares nas antigas tigueras, onde se encontram essas inconfundíveis tralhas. A gente fica na espreita.  Seus lugares, suas localizações são conhecidas. Na verdade, uns passam aos outros essas localizações, pois sempre houve partilha nas coletas. É por isso que o Antunes não me deixa esquecer: “Já não é tempo de ir à estrada da Lagoa, no Morro do Cará?”. A vovó Eugênia, nessa época recomendava: “Quem for à Pedra da Igreja tem que esticar a pena até o Morro do Tatu para trazer cará”. Na casa da vovó Martinha era moleza, as tralhas cobriam uma frondosa aroeira na porta da cozinha.
               Quando a panela de cará estava na mesa, a vovó nos chamava para o café. Nunca faltava alguém que perguntava rindo: “É o cará do Argelo?”. Ah! Quem não imagina de que se trata, considerando nossas raízes culturais?

               Neste final de semana, conforme atestam as fotografias, cheguei ao derradeiro momento desta safra no meu reduzido quintal. Agora é só replantar a miuçalha que nos saciará no próximo inverno. Aos de fora digo que conhecer, mesmo parcialmente, é importante para respeitar a cultura local e ajudar a preservar esta terra que tudo dá. E viva o cará do Argelo!

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