quinta-feira, 17 de agosto de 2017

É, MAS NÃO É!


Mandioquinha e mandioca:(imagens da internet).

                Meu avô, assim como outros caiçaras, de vez em quando precisava contratar mão de obra extra porque o trabalho aumentava, e, ele e os filhos não davam conta de tudo, correndo o risco de perder prazo no corte da banana, de ver o mato comprometer  o rendimento do mandiocal etc. Geralmente se contratava os “caipiras de serra acima”,  trabalhadores temporários de distritos nos municípios vizinhos (São Luiz do Paraitinga, Natividade da Serra e Redenção da Serra). A Serra do Mar, desde tempos remotos, é repleta de trilhas que sempre facilitaram esse intercâmbio  entre caiçaras e caipiras. A movimentação de mercadorias entre as duas regiões (alto da serra e litoral) sempre existiu desde a chegada dos primeiros colonos portugueses: traziam queijo, levavam peixe seco, voltavam com farinha de milho, retornavam com cachaça, depois a carga se segurando  na descida era de carne seca, ou a subida íngreme estava sobrecarregada com produtos provenientes da Europa. Só sei dizer, conforme dizia o vovô  Zé Armiro: “Tinha gente que até tropa de burros usava para suas cargas”. Os mais velhos citavam a "tropa branca" que se destacava no verde da mata, carregada de chapéus, da fábrica que estava nas imediações de Catuçaba, na margem do Rio do Chapéu.
                Seo Zé Sibi (nem sei se é assim que se escreve) era um desses camaradas do vovô. Trabalhava muito, apesar de seu corpo frágil. “Magrelo que dava dó”. Detalhe: esses trabalhadores eram acomodados na casa de quem os contratavam, como se fossem mais um membro da família. Almoçavam da mesma comida, dormiam sob o mesmo teto e participavam das rodas de conversas, das prosas em família. Numa ocasião, outro caipira desceu com o Seo Zé, para uma empreitada num novo eito de mandioca. Era Tonico do Totonho. Não me lembro do sobrenome, nem de que família era. Porém, do seu lugar eu não me esqueço: “Sou de um lugar conhecido por Rio Abaixo, perto da cidade de São Luiz”. Mais tarde, no corte de banana, no verão, ele novamente estava como camarada do vovô. Trouxe uma novidade: “Conhecem esta raiz?”. Parecia uma mandioca, mas era de casca branca e bem menor. Ninguém conhecia. “Alguns chamam de batata-salsa, mas é mais conhecida como mandioquinha. Minha mãe costuma cozinhar com carne, de preferência costela de boi. Fica uma delícia”. Acho que era mesmo, porque pouca coisa não combina, não dá um ótimo cozido  com carne de boi.

                Quem conhece bem o espírito caiçara já imagina as brincadeiras, as troças a partir da tal mandioquinha.  Só sei dizer que, de tanta caçoada, o Tonico até abandonou a empreitada e retornou à sua gente, ao seu lugar. A tal mandioquinha virou farra, sempre tinha alguém puxando ocasião para gostosas risadas. Ainda hoje me lembro de alguns dizeres da minha gente: “O João Grande falou que, de agora em diante, ele só deseja mandioquinha”, “Zetinho diz que mandioquinha tem o tamanho ideal para a prensa dele”, “A viúva Esmeralda agora suspira por uma mandioquinha”,  “Zé Mascate foi pra Santos, se tratar da pneumonia, só volta daqui a três meses. Adivinhem quem vai consolar a mulher nesta safra?”, “Vai mandioquinha aí?”.  E por ai ia a criatividade dos sarristas. Teve gente que até tentou cultivar a novidade, a mandioquinha, mas “a moda não pegou”.  Sabe porquê? Eu digo que a vovó acertou: “É o costume de sempre plantar a mandioca que dá farinha. Essa outra é, mas não é. Só o nome se parece. Também, né, aqui não se cria boi!”.

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