Mandioquinha e mandioca:(imagens da internet). |
Meu avô, assim como outros
caiçaras, de vez em quando precisava contratar mão de obra extra porque o
trabalho aumentava, e, ele e os filhos não davam conta de tudo, correndo o risco
de perder prazo no corte da banana, de ver o mato comprometer o rendimento do mandiocal etc. Geralmente se
contratava os “caipiras de serra acima”, trabalhadores temporários de distritos nos municípios
vizinhos (São Luiz do Paraitinga, Natividade da Serra e Redenção da Serra). A
Serra do Mar, desde tempos remotos, é repleta de trilhas que sempre facilitaram
esse intercâmbio entre caiçaras e caipiras.
A movimentação de mercadorias entre as duas regiões (alto da serra e litoral)
sempre existiu desde a chegada dos primeiros colonos portugueses: traziam
queijo, levavam peixe seco, voltavam com farinha de milho, retornavam com
cachaça, depois a carga se segurando na
descida era de carne seca, ou a subida íngreme estava sobrecarregada com produtos
provenientes da Europa. Só sei dizer, conforme dizia o vovô Zé Armiro: “Tinha gente que até tropa de
burros usava para suas cargas”. Os mais velhos citavam a "tropa branca" que se destacava
no verde da mata, carregada de chapéus, da fábrica que estava nas imediações de
Catuçaba, na margem do Rio do Chapéu.
Seo Zé Sibi (nem sei se é assim
que se escreve) era um desses camaradas do vovô. Trabalhava muito, apesar de
seu corpo frágil. “Magrelo que dava dó”. Detalhe: esses trabalhadores eram
acomodados na casa de quem os contratavam, como se fossem mais um membro da
família. Almoçavam da mesma comida, dormiam sob o mesmo teto e participavam das
rodas de conversas, das prosas em família. Numa ocasião, outro caipira desceu
com o Seo Zé, para uma empreitada num novo eito de mandioca. Era Tonico do
Totonho. Não me lembro do sobrenome, nem de que família era. Porém, do seu
lugar eu não me esqueço: “Sou de um lugar conhecido por Rio Abaixo, perto da
cidade de São Luiz”. Mais tarde, no corte de banana, no verão, ele novamente
estava como camarada do vovô. Trouxe uma novidade: “Conhecem esta raiz?”.
Parecia uma mandioca, mas era de casca branca e bem menor. Ninguém conhecia. “Alguns
chamam de batata-salsa, mas é mais conhecida como mandioquinha. Minha mãe
costuma cozinhar com carne, de preferência costela de boi. Fica uma delícia”.
Acho que era mesmo, porque pouca coisa não combina, não dá um ótimo cozido com carne de boi.
Quem conhece bem o espírito caiçara
já imagina as brincadeiras, as troças a partir da tal mandioquinha. Só sei dizer que, de tanta caçoada, o Tonico
até abandonou a empreitada e retornou à sua gente, ao seu lugar. A tal
mandioquinha virou farra, sempre tinha alguém puxando ocasião para gostosas
risadas. Ainda hoje me lembro de alguns dizeres da minha gente: “O João Grande
falou que, de agora em diante, ele só deseja mandioquinha”, “Zetinho diz que
mandioquinha tem o tamanho ideal para a prensa dele”, “A viúva Esmeralda agora suspira
por uma mandioquinha”, “Zé Mascate foi
pra Santos, se tratar da pneumonia, só volta daqui a três meses. Adivinhem quem
vai consolar a mulher nesta safra?”, “Vai mandioquinha aí?”. E por ai ia a criatividade dos sarristas. Teve
gente que até tentou cultivar a novidade, a mandioquinha, mas “a moda não pegou”. Sabe porquê? Eu digo que a vovó acertou: “É o
costume de sempre plantar a mandioca que dá farinha. Essa outra é, mas não é.
Só o nome se parece. Também, né, aqui não se cria boi!”.
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