A lagoa está cheia (Arquivo JRS) |
A
saudosa Dona Josefa, benzedeira do
Itaguá, gostava muito de mim. Eu também a adorava. Só que ela dizia que não
gostava do “pessoal do sul”. Era um
sentimento com certa carga preconceituosa, mesmo que ingênuo. Afinal, a minha
origem é no sul: eu nasci na Praia do
Sapê.
“Pessoal
do sul”, “gente do sul” era todo mundo que nascia desde o Saco da Ribeira até a
divisa com o município vizinho (Caraguatatuba). A fama era de gostar de
encrenca, de criar intrigas por pouca coisa, de falar muito, de fazer mexericos
etc. Assim, muita gente não queria que filho ou filha se casasse com gente do
sul. Hoje em dia ninguém imagina que no passado havia essa forma de discriminação.
A estimada Dona Maria, “gente do sul”, casada com o filho da Dona Josefa,
desabafava: “Ela fala da gente do sul, que é isso que é aquilo, mas quem está
sempre com ela correndo pra uma coisa e pra outra sou eu que nasci no sul, na
Praia Dura”. Na realidade, nós já sabemos que não é só o lugar que faz as pessoas. Esta introdução é só para estimular mais gente a
conhecer o lado sul do nosso município de Ubatuba.
No
último final de semana, juntamente com o Estevan, Régis, Mirtes e Zé Roberto,
eu fui até a Praia da Lagoa, cuja lagoa agora está num dos pontos mais altos em
seu nível de água. É assim: as ondas fortes fecham com muita areia a saída das
águas (“fecha a barra”) dos rios da região, possibilitando a formação de uma
linda lagoa de milhares de anos. É onde temos um ambiente inigualável: uma restinga
com animais e vegetais com características únicas e um mangue soberbo, onde
tantos peixes e ostras se criam. Ah! Nesse meio está a ruína de uma grande
fazenda de escravos do século XIX. Só precisa tomar cuidado, prestar bem atenção.
Dessa vez, bem aos nossos pés estava uma cobra dormindo tranquilamente. A
alerta veio do primo Zé Roberto: “Olha ali, perto daquele mato: é jaracuçu do
preto”. Pra quem não sabe, é uma das cobras mais venenosas da nossa mata.
Apesar
de notar que a área está sendo desfrutada por esportistas, por trilheiros, por
turistas ocasionais e pescadores, também tenho de denunciar a feiura que está o
jundu da Praia da Ponta Aguda, onde parece estar se formando uma favela. Muitas das árvores do acesso que ofereciam
sombras para as antigas moradias dos caiçaras foram derrubadas. Até uma casa
foi construída sobre a bica d’água que antigamente servia ao uso da saudosa Dona Paulina, mãe de Acássio, e de outras famílias caiçaras tão tristemente
enxotadas na década de 1980 pelo jagunço "Zé Palmeira". Me parece que na Praia da
Lagoa as coisas seguem pelo mesmo caminho. As notícias da Praia do Simão também
não são nada animadoras. Somente um outro estatuto em determinados espaços, tal
como sonhou o finado Silvário com a Reserva Caiçara Tradicional, poderá redefinir
a futuro desse território, das terras da “gente do sul”.
Para
que o amigo Pedro Caetano e outros reflitam comigo: a criação de micro espaços vitais
da cultura caiçara poderá ser a chave principal desse momento histórico. Isso
vale, inclusive, para a luta de vocês na Praia da Mococa. É o que pode fortalecer
a nossa luta.
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