Dona Gertrudes: caiçara de prosa maravilhosa! (Arquivo JRS) |
“Você está com doze anos? Então deve ter
nascido em 1919, certo? Vinte e sete de dezembro, né? Pronto! Agora você já tem
registro e pode viajar para Santos!”. Foi assim que eu imaginei o tabelião
resolvendo a questão de Gertrudes Francisca do Nascimento, caiçara da Praia das
Toninhas, filha de Cristóvão Cabral Barbosa e de Benedita Francisca do
Nascimento. “Nesse tempo eu ainda era Nascimento. Não trazia o nome da família
do pai porque, naquela época, os filhos só eram registrados tendo o nome da descendência
materna. O nome que tenho hoje – Gertrudes Francisca Lopes – vem de quando eu
me casei com Benedito Lopes”. Neste dia (15/10/2014) passei uma tarde inesquecível, numa prosa maravilhosa com Dona Gertrudes e outras pessoas da nossa terra, da nossa cultura. Desde já agradeço ao Rogério Estevenel pela articulação do encontro. Valeu mesmo!
Dona
Gertrudes tem uma memória maravilhosa nos quase 95 anos. Oficialmente esta é a
sua idade, mas há controvérsias. Afinal, era já tinha vivido alguns anos
quando, ao precisar ir para Santos, descobriu que não tinha registro civil.
Após
tantas conversas com a caiçarada antiga de Ubatuba, é a primeira vez que me
deparo com uma narrativa de ida de mulher (adolescente, no caso) para a região
da Baixada Santista no começo do século XX, com intuito de ampliar as suas
possibilidades de sucesso. Aos homens isso era comum: iam trabalhar nos
bananais para terem uma renda garantida. Assim foi com meus avós, com o meu pai
e tantos outros. Muitos desses migrantes caiçaras nunca mais voltaram às terras
ubatubanas. A adolescente Gertrudes, por recomendação de padre João, foi
interna na A.L.A (Assistência ao Litoral de Anchieta), localizada na Rua
Conselheiro Nébias, na cidade de Santos. “Lá eu morei por cinco meses. Depois saí
e passei a trabalhar como doméstica. De vez em quando eu vinha passear em
Ubatuba, visitar a família, o meu pessoal. Viajei no Santense, no Valença, no
Ubatubinha, no São Paulo...Eram barcos que faziam as viagens costeando esses
lugares todos”.
O
padre Johannes Beil, o Padre João tão estimado pelos caiçaras da primeira parte
do século XX, desenvolveu a sua pastoral no litoral norte paulista até a eclosão
da Segunda Guerra Mundial, quando, devido ao contexto geopolítico, foi obrigado
a se retirar da zona costeira. Uma característica da sua atuação era contribuir
para a formação escolar e profissional da juventude caiçara. Por isso esteve à
frente da construção da escola de pesca na Ilhabela, na implantação de escolas
isoladas, no transporte marítimo motorizado para atender as praias mais
distantes etc. Porém, através da conversa com a Dona Gertrudes, fiquei sabendo
desse seu gesto mais radical: conduzir a outras possibilidades numa cidade
litorânea já mais desenvolvida. Creio até que esse exemplo de encaminhamento possa
ter sido o apelo para que as Cônegas de Santo Agostinho fundassem a A.L.A em
Ubatuba, na Rua Gastão Madeira, onde hoje está a Escola Olga Gil, a prefeitura
e adjacências, cujas religiosas (Glória, Nair, Laura, Sofia...) tive a honra de
conhecer e de apreciar os trabalhos. Quantas jovens tiveram suas oportunidades
a partir dali!?! Nesse momento desponta na minha memória alguns nomes queridos:
Neide, Bernadete, Izabel, Elisabeth, Verônica, Ângela, Nazareth...
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