A Igreja da Exaltação da Santa Cruz na primeira metade do século XX |
A
prosa com a Dona Gertrudes estava em vias de realização há um certo tempo,
quando fui convidado por seu neto Rogério Estevenel para um almoço com o
pessoal da Folia do Divino. Trata-se de uma ocasião única, quando essa mulher caiçara
de memória tão privilegiada recebe os devotos e a Bandeira em sua moradia
(localizada bem próxima do Rio Grande de Ubatuba, no final da Rua Ponciano
Eugênio Duarte), oferecendo a comidoria bem caiçara. É a perpetuação de alguns
sinais da devoção católica e da hospitalidade da cultura local.
A conversa foi muito facilitada pelo fato de eu ter um conhecimento prévio dos
lugares e de muitas pessoas da área original da Dona Gertrudes. Afinal, eu vivi
e convivi entre o Perequê-mirim, Enseada e a Toninhas, num tempo onde os novos
colonizadores ainda eram pontuados e respeitavam os humildes nativos. “O espaço
era nosso; o tempo era o nosso patrão”. Por isso que, imediatamente eu viajava pelos lugares
e via as pessoas com as lembranças da narradora querida.
“Eu
nasci na Praia das Toninhas, num tempo que tinha muita gente morando. Era uma
parentada só. A nossa vida era na roça, plantando de tudo, fazendo farinha de
mandioca. Havia roça pelos morros. A nossa era no morro da Praia Grande, onde
as posses eram dos Diogo, dos Velloso e dos Ferreira. Só que já no meu tempo
nenhum deles morava lá. A maioria dos eitos cultivados ficavam na parte do fora
do morro das Toninhas, onde tem as prainhas da Maria Godói, da Xandra, da
Pixirica e do Tapiá. São as Praias de Fora. A gente trazia aquela carga de
mandioca e fazia a farinhada na casa do João do Gusto, com casa no canto
esquerdo da Toninhas. Tinha o João do Gusto (que era o pai da Vitalina), o
Antonio do Gusto (que casou com a Geraldina, filha do velho Cristóvão, cuja
filha é a Celeste [mãe do Élvio Damásio e das meninas].
O meu pai,
Cristóvão Cabral Barbosa, filho de João
Cabral e da escrava Gertrudes, carinhosamente chamada por “Tia Inhá” era muito
trabalhador. A minha mãe, Benedita Francisca do Nascimento tinha muita
disposição para tudo. Para ter uma ideia disso, quando ela vinha sozinha para a
cidade, levava uma hora a pé. Ela era ligeira. Só que quando trazia a gente, aí
demorava mais porque as crianças eram mais vagarosas.
Por ser muito
devota, a minha mãe, juntamente com mais gente que morava nas Toninhas, não
perdia as festas na cidade, sobretudo aquelas da Igreja. Participava das
procissões, das missas...Tinha muitas vezes que a gente saía da cidade já perto
da meia-noite. Todo mundo ia caminhando: passava pelo jundu, pelos ranchos de
canoas e pelos terreiros das casas que existiam desde o lugar que hoje é em
frente ao campo de aviação [aeroporto] até a Barra da Lagoa. Indo pelas Praia
do Itaguá, passando pelo Acaraú, em frente ao armazém do Tenório [onde hoje tem
um posto de gasolina, na margem do Rio Acaraú], rompendo a Praia Grande e
subindo o morro, a gente já estava em casa. No dia seguinte, caso tivesse
alguma festa, ninguém tinha preguiça de repetir o mesmo percurso. Quantos
bailes eu aproveitei naquele tempo! No Perequê-mirim, era na casa dos Campistas
que eu mais me divertia”.
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