Restos de cerâmica caiçara (Fotos: Peter, o alemão) |
Na minha infância, tanto do lado materno quanto por parte de pai, eu sempre escutei sobre a quantidade de pinga que se fabricava em Ubatuba. Por isso achava normal que, quase todos os adultos, antes do almoço, dessem uma “bicadinha na mardita”. Fazia parte da cultura. Aprendi que os meus avós trabalharam em alambiques nas praias do Pulso, da Fortaleza, no canto da Praia Dura e por aí vai. Canoas de voga sendo carregadas com pipas de aguardente estavam em suas memórias. Tudo isso nos remete à cultura da cana-de-açúcar, ao tempo em que Portugal levava dessa terra chamada Brasil os seus lucros. Nos ajuda a entender a prosperidade da Europa. Ao se encantar pelas coisas belas do Velho Mundo, pense em quanto daquilo se fez com o suor dos escravos e de nossos antigos caiçaras.
Mas quando começou essa exploração açucareira em Ubatuba?
Procurando respostas, encontrei o texto da professora Maria Luiza Marcílio (Caiçara: terra e população). Está assim:
A cana-de-açúcar foi plantada em Ubatuba, mais intensamente a partir de 1770 e com sucesso.Só que os parcos recursos de seus habitantes permitiram apenas a produção de pipas de aguardente, enquanto o açúcar, o produto nobre, era fabricado em pequena quantidade. Grandes eram os investimentos para a instalação de engenhos de açúcar. Eram bem menores para a montagem de engenhocas e alambiques domésticos para o fabrico de pinga. E nesta, Ubatuba, como todo litoral norte paulista, acabou por se tornar um produtor de excelente caninha, de crescente demanda fora da vila.
Assim, o município, na virada do século (1798), produzia cerca de 28 pipas de aguardente e apenas 171 arrobas de açúcar branco e 20 de mascavo.
Em 1802, os mapas de produção revelam a existência de 14 fazendeiros plantadores de cana e produtores de aguardente. Só um deles, o ajudante Domingos dos Santos, produzia açúcar (assim mesmo muito pouco: 20 arrobas), além de duas pipas de pinga. Os demais fazem, em seus alambiques domésticos, alguma aguardente, quase toda para vender para fora da vila. Deles, só João Vilella possuía então um número considerável de escravos: 45 ao todo. Segui-se o capitão Jozé Barbosa da Silva, com menos da metade: 19 escravos. Os fazendeiros restantes possuíam entre 2 a 14 escravos.
Em 1825, Ubatuba tinha um engenho de açúcar de modestas proporções, com 36 escravos e o número de engenhocas de aguardente baixara para 8: “todas em decadência, mudando a Agricultura para Farinha e Caffé”. Em compensação, a vila já podia exportar café tratado no local, e não apenas em casca como nos anos anteriores, pois nela já havia “três fábricas de socar café construídas em dois annos”. [...]
Poucos anos mais tarde, em 1861, declara a Câmara local: “Somente existem 17 engenhos de canna que fabricão unicamente aguardente, únicas fábricas existentes, assim como 2 olarias de fazer tijolos”. A lavoura achava-se “decadente pela falta de braços, indo a população do município em cerca de 10 a 12 mil almas”. Era o fim do efêmero momento em que Ubatuba se ligara ao grande comércio exportador.
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