Qualquer caiçara sabia fazer balaios (Arquivo JRS) |
Do alto da Praia da Fortaleza, quase na badeja, antes da Pedra da Igreja e do Morro da Anta, se avistava toda o largo que ficava entre a Ilha Anchieta e a Praia Dura. Foi onde meu pai escolheu para fazer a nossa casa, na mesma época em que o homem chegava na Lua. Em volta ficavam as roças de mandioca, canavial, bananal e muito mato fechado.
Da porta e da janela da casa, em dia de chuva, enquanto papai fazia balaios, a gente olhava o mar. Do terreiro, debaixo de uma frondosa aroeira, em dia de sol, a mesma visão nos extasiava. De vez em quando, ao longe, um navio passava desenrolando um cordão de fumaça preta. Canoeiros se teciam em qualquer dia, exceto quando o tempo estava “ruim”, com vagas espumantes desde a Lage Grande. “Aquele traquete branco é do Joaquim Silvino. O outro, vindo pelo Canto do Cambiá, é o Cândido”; “O tio Clemente está saindo agora para a Praia do Lázaro. Vai vender coco verde”.
Nosso vizinho mais perto era o Dário Barreto. Para alcançar a sua casa, bastava atravessar uma grota de bananeiras e depois um sapezal, onde olhos d’águas nos encantavam. Alguns anos mais tarde o Toninho Caipira nos superou, construindo no Morro do Tatu. “Que lugar longe, credo!”.
Naquela casa, “logo acabada graças ao pitirão”, nós ouvimos da mamãe muitas histórias. Parece que foi ontem esses bons momentos!
Num entardecer, olhando para as praias à nossa frente, ela nos indicou uma pequena faixa de areia que recebia os últimos raios do Sol:
- Lá fica a Toca da Serpente. É a Praia da Sununga. Agora não tem mais esse bicho lá; um padre, a poder de muita reza e benzimento, tocou ela para o mar afora. Nunca mais voltou. É caso verdadeiro; vem dos antigos. Um dia nós vamos lá ver. A toca chora até hoje porque viu muito sofrimentos.
Eu ficava imaginando a tal serpente. Não devia ser como cobra. A gente estava enjoado de ver tantas delas por ali, nos roçados... Logo resolvi isso: a tal serpente devia ser como o dragão do quadro de São Jorge que a tia Maria da Barra tinha no seu oratório. Agora sim! Era de meter medo!
- Mas conta melhor essa história, mamãe!
- Tá bom! Era só alguém se aproximar que o mar ficava bravo, enxotando qualquer um por mais valente que fosse. Só moça nova chegava e não acontecia nada. Parecia até que alguma coisa chamava elas para a toca que fica no canto da praia. E de lá nunca mais voltavam, deixando os familiares desconsolados pelas perdas. Muita gente perdeu filha naquele lugar. Dentro da toca, bem no fundo, tem um buraco que desce muito. Até hoje ninguém nunca teve coragem de chegar perto dele. Era de onde saía o bicho. Cruz-credo!
E eu me via com medo de sonhar de noite com coisa tão medonha. Porém, quem resiste a uma boa história?
- Conta mais! Conta o resto!
- Era como uma cobra gigante, gosmenta como uma lesma. De uma bocada já engolia uma moça. Depois sumia no buraco, fazendo por um bom tempo uns barulhos medonhos. Tem gente que diz que, nas noites de lua cheia, aquela imensidão nojenta rolava na areia da Sununga e provocava ondas de lamber o jundu. Desde antes do tempo dos índios já era assim. A sorte é que o nosso bom Deus enviou padres para esse lugar. Foi um deles, por nome de José de Anchieta, quem expulsou a serpente daquela toca. Graças a esse santo homem nenhuma moça nunca mais foi tocada nesse lugar.
- Só isso?!?
- Tem mais coisa sim, mas é história pra gente grande. O que eu vou contar pra vocês ninguém precisa saber, tá bom? Nem o pai de vocês, ouviram? A Maria Peres, que ainda é viva e mora perto da Sununga, já disse que aquela criatura era encantada: de vez em quando se transformava num homem bonito e visitava as moças nas madrugadas. As más línguas garantem que, ainda hoje, depois de tanto tempo, há nas imediações descendentes dessa criatura. Há quem jure aquilo ter sido praga de mãe. Eu acredito nisto!”.
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