A MELHOR FORÇA (II)
Nos idos da década de 1960, numa tranquila tarde, pescando com o meu tio Chico Félix no Porto do Eixo, entre as praias do Sapê e da Lagoinha, avistei alguém vindo da direção do Pontal.
- É o Agostinho. Disse o titio. E continuou:
- Sabe que o João Pimenta (“o incréu”) me explicou um monte de coisas a respeito de um santo por nome de Agostinho? Disse que muito antigamente não existia a religião católica. Mas depois que ela foi criada, esse tal de Agostinho foi um homem esperto que ajudou a convencer pessoas a se tornarem seguidoras dessa doutrina, a deixarem pra lá o paganismo.
Depois de tentar me ensinar a respeito dos pagãos, deu prosseguimento à prosa o destemido canoeiro-pescador, o meu parente mais aproximado das feições dos antigos tupinambás:
- Conforme o Pimenta, esse Agostinho era um safado, gostava de orgias, mas depois se arrependeu; até morreu como bispo numa cidade importante. Que coisa, hein?! Para superar as coisas erradas, ele ensinou que o espírito é mais importante que o corpo. Foi quando começou a se preocupar mais com as coisas do outro mundo do que com as coisas deste mundo. Veja o Agostinho que vem ali: se não tivesse disposição para defender o seu pedaço de chão, já estaria com a filharada morando dentro de algum rancho do jundu. Sabe quem ganha com isso de se preocupar com outro mundo? Só os ricos, os aproveitadores!
- Será mesmo, tio Chico?
- Pode ser. Não sei. Tenho quase certeza. Só sei que o Agostinho que tá vindo ali, assim como nós, tem de se preocupar em cuidar do corpo, senão... A propósito, esse nome - Agostinho - não lembra lembra a brincadeira “Lembrança de quê?”.
Assim a gente brincava: um dizia um nome de alguma coisa, de alguém, de uma planta...E os outros faziam uma relação. Exemplo: “-café torrado - biju na cuia”; “-pena de pato - cheiro de pó molhado”; “-goma na gamela - suor de gente grande”; “-tarumã em flor - moças cheirosas nas festas”. De vez em quando vinha uma mais pesada: “-Mané Bento estirado na sombra - gambá atordoada no terreiro”; “-Bem-te-vi bravo no abricoeiro - Dito Paratiano quando alguém esconde a viola”; “-Cachorro peludo do Antonio Pernambuco - Nelsinho Caipira, o bicho do mato”; "-Bidico na totoa de patieiro - Lodônio embarcado na canoa Rosinha"...
Hoje, depois de tantas décadas, recordo desses momentos ao passar na Praia da Lagoinha e ver que o saudoso Agostinho, homem que brigou contra grileiros de terras, agora nomeia uma escola, bem na beira da rodovia. Faz-me lembrar do Belinho quando disse: "a melhor força é aquela que não carece de ser usada".
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