(Grupo de congada do sertão do Puruba - Foto: Júlio 2010) |
Hoje, pensando na “minoria” negra que está celebrando a sua negritude, na importância dessa consciência para a nossa identidade de brasileiros, sinto a necessidade de lembrar que o brasileiro é um caldo cultural e deve muito disso também aos pobres negociados um dia na distante África, de onde veio a grande força de trabalho do ciclo canavieiro, do período aurífero etc. Foi elemento importante também na definição do ser caiçara, do morador quase primitivo deste chão por nome de Ubatuba. Infelizmente, muitos “desejam subir ou pensam que já escalaram um milímetro do solado”, se acham superior (no quê?) e negam as suas raízes. Eu posso afirmar que, no pouco que conheço dos meus ascendentes, por parte do João da Barra, um bisavô materno, nascido de escrava na praia do Lázaro, um dos meus pés se sustenta no “povo das senzalas”.
Nunca é demais lembrar: em todo o Brasil, a começar pelas terras da costa, os indígenas foram escravizados, perseguidos ou mortos, o território ficou disponível aos invasores europeus, mais especificamente aos lusitanos. Não se pode deixar de considerar um detalhe: foram os pobres, os banidos da sociedade portuguesa do século XV, XVI e seguintes, sobretudo degredados deixados à própria sorte na terra distante, mas posse lusitana do Além Mar, que garantiram as “posses de Portugal” e que hoje é o nosso país. Ou seja, dos conflitos e convivências com os primeiros donos e com os trazidos como cativos, nasceu o Brasil.
Resumindo: é sempre a mesma coisa, ou seja, uns poucos lucram sobre as costas dos muitos que depois são deixados “a roer os ossos”. Dessa vida atribulada, largados como se as vidas deles só valessem enquanto estivessem dando lucros a terceiros, os pobres tiveram de se agarrar aos saberes dos que aqui já moravam (índios), aproveitar as contribuições dos escravizados africanos e exercer ao extremo a criatividade. Assim nasceu a cultura caiçara.
Poderia se dizer que, os desafortunados dos meus ascendentes (indígenas, europeus pobres e africanos), ao se agarrarem nas chances para manterem a vida, fizeram a experiência não da perda de si, mas do reencontro da verdadeira identidade, encontrada principalmente nas condições mais exigentes, onde a necessidade é mãe da criatividade?
O que resultou disso está por aí: congadas, jongos, capoeira, dança de moçambique, rezas, pratos deliciosos...arte de todo quanto é tipo.
Muito bom, Zé!
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