Erva baleeira no quintal de casa - Arquivo JRS |
O
povo caiçara sempre cultivou no cisqueiro uma pequena horta, geralmente cercada
por varas de bambu e pano de rede velha. Na horta dos caiçaras tinha de tudo um
pouco: coentro, cebolinha, couve, tomate, ervas medicinais etc. Conforme os sintomas, logo chegava
uma mãozada de ervas. “Vai lá, minino.
Pega um tanto de artelã de bicha, do miúdo. Esse otro tá assim de lombriga. Se
não cuidá, morre a quaquer hora. Você viu o que aconteceu com o Mané do Bagre:
nunca queria tomá chá até que quase se foi de um ataque de bicha. Comeu uma
jaca em jejum, deu um gorpe nas bicha, se enrolou tudo dentro dele. Morreu aquilo tudo ali mesmo. Tiveram de
corrê pra Santa Casa; cortaram a barriga dele, tava tudo entupido. Ia morrê se
não fosse o dotô De Luca”. Assim eu fui escutando histórias, vivendo
experiências e aprendendo das ervas, das suas propriedades. Sei nomear um monte
delas. Outro hortelã que era parte do nosso dia a dia era o hortelã gordo, que
parece boldo. Suas folhas ásperas, graúdas, era muito apreciadas no tempero de
carne cozida, sobretudo aves (galinha, pato, jacu...). Quem nunca comeu uma
galinha ensopada condimentada com hortelã gordo? Vovô Armiro não comia se não
tivesse um caldo desse fervendo para escaldar a farinha de mandioca. Dizia
diante do prato fumegante: “Não sei como
essa gente vive sem o prazer de um escardado deste a cada dia!”.
Dias
atrás, estando no espaço da propriedade da Sandra e Godói, umas plantinhas
espontâneas do terreiro me chamaram a atenção. Fui explicando: “Esta é a erva de Santa Maria. Está carregada de sementes. Minha avó
pegava banana madura, abria ao meio, enchia dessas sementes e assava no fogão à
lenha. Depois a gente comia, servia para combater vermes. Era uma delícia! Essa
outra, logo ali, é erva de bicho, dá muito em áreas úmidas. Usava-se nos
banhos de assento, curava hemorroidas, ajudava na circulação sanguínea. Aquela
que está na cerca é guaco. Quem nunca tomou um xarope daquele cipó? Ainda hoje,
de vez em quando, a minha Gal faz uma panelada com guaco, gengibre, alho e
açúcar. Num instante a tosse vai embora, o catarro sai do nosso corpo. Estão
vendo aquela árvore? É carobinha, da roxa. Suas folhas eram usadas para curar
feridas. Esse matinho que o Godói acabou de carpir é sete sangrias, um
depurativo sanguíneo”. Após uns
instantes, a Sandra me perguntou: “Com
quem você aprendeu tudo isso?”. “Com
os mais velhos, com minhas avós, com meus pais. A gente não sobreviveria se não
aprendesse as lições dos mais antigos, sobretudo aquela que veio dos indígenas. Por isso fico
indignado quando vejo tantas perseguições às diversas etnias que ainda existem
no território brasileiro. É isso um dos aspectos do fascismo. A miséria
cultural grassa em nosso meio, entre meus parentes, inclusive caiçaras,
descendentes do povo tupinambá. Continuam admirando um reles ladrão de joias - para dizer o mínimo". Para concluir: a Sandra disse que fará uma estufa
só com plantas medicinais. Eu me prontifiquei a ajudar no que puder. Os saberes
dos antigos não podem morrer.
Zé, em Iaçu, também se prefere o hortelã gordo para temperar a comida. Lá se chama hortelã grosso em oposição ao hortalã miúdo.
ResponderExcluirInfelizmente, entre os meus parentes também há numerosos adeptos do fascista inominável.
Pois é, Jorge. Eu noto que muita gente até se esqueceu desses temperos. Agora é cômodo usar os prontos, do mercado. Os fascistas da família me revolta demais.
ExcluirA mim também!
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