quinta-feira, 30 de novembro de 2023

FANDANGO CAIÇARA

 


        

Gente que faz - Arquivo JRS

        17 de novembro de 2019. O dia amanheceu lindo, com uma claridade esfuziante. É dia de pitirão. A caiçarada e os novos caiçaras, adeptos da nossa cultura, foram convidados para o embarreamento do Rancho Caiçara, na praia do Perequê-açu. Bem-vindo, pessoal! 


        Cheguei cedo, mas o Rochinha e o Tião já começavam a transportar o barro, a ocupar o espaço de masseira. Logo foi chegando todo o nosso pessoal, homens, mulheres e crianças. Molhar barro, sovar bem com os pés, molhar, sovar de novo e perceber o ponto ideal para embarrear. É quando todo mundo mete a mão no barro para preencher os vãos do pau a pique. Que festa! As histórias e os causos não podem faltar em ocasião assim. No mesmo ritmo da odisseia do barro, algumas pessoas vão preparando o de comê. Até batata-doce foi assada junto com as carnes. A consertada era farta. Da minha parte, na garrafa de azeite, deixei a pinga com cambuci, em homenagem a um grande líder. A Roberto e Ostinho, recomendei ao partir: “Cuidem da ‘criança’, viu!”.


           Pitirão é o nome original de mutirão. A origem é tupinambá: pitirum; quando as pessoas se juntam para um adjutório, para um trabalho em comunhão. O pitirão que mais marcou a minha vida foi na nossa casa, no morro da Fortaleza. Lá, onde debaixo da aroeira do terreiro, nós avistávamos todo o mar da baía e de mais longe, onde os navios passavam soltando grossos rolos de fumaça. Naquele dia distante, veio gente até da praia Grande do Bonete, mostra da grande irmandade caiçara. Tal como se repetiu no Rancho Caiçara, logo a grande tarefa estava pronta. Antes mesmo do fim já tinha peixe assado, café, farinha e cachaça. E muitas histórias, lógico! 

      Hoje, quatro anos depois daquele dia do embarreamento, ao ler o anúncio da 6ª Festa do Fandango Caiçara, fico muito feliz que seja no Rancho Caiçara, cujo nome homenageia a saudosa Dona Antônia dos Santos Mariano. Ah! Tem muitas mãos envolvidas naquele espaço, naquela edificação! Parabéns a todas e todos que sustentam a cultura caiçara!

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

RIO ABAIXO

Chão de barro - Arquivo JRS


Um homem inútil dobra a esquina,

Tenta se vender como honesto.

Parece ter se esquecido das tantas maldades:

Destruiu árvores da nossa calçada,

Depositou lixo mais além, 

Saqueou áreas públicas,

Grilou terras, 

Sujou rios,

Se aproveitou da fé alheia, 

Deu calote em serviçais.


O inútil segue adiante.

Não assume as tantas maldades.


Agora anda lentamente, 

Mas é o mesmo de antigamente. 

domingo, 26 de novembro de 2023

PESCARIA EM ESPERA

Arte em casa - Arquivo JRS


"O cardume grande tá no ilhote".

"Passando o vento ele encosta".

"Só precisa paciência pra esperar ".

"A rede tá embarcada ".

"A canoa descansa no rolo ".

Eu madornava , mas escutava tudo.  Me arrastei até ali perto das duas da manhã. Dei de ombros quando ouvi o assobio de quem tava de espia.  Pulei ao toque do buzo (que era um velho chifre de boi). Só um dos camaradas não acordou.  O mestre da rede não se importou.  Disse correndo ao lagamar:

"Deixa esse porquera aí. Depressa, depressa".



sexta-feira, 24 de novembro de 2023

ARAUCÁRIAS E DINASTIAS

Araucárias na Barreira 


Na beira da estrada,

Na densa mata ao longe,

Lá estão as araucárias 

Pelos milhares de anos

Que esta Terra passa.

Perfiladas, dispersas,

Em grupos,  solitárias...

Erguem os braços ao céu, 

Acolhem e dão adeus.

Enquanto escrevo,

Penso nos meus.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

CORROMPIDOS

 


Um trabalho surgindo na telha - Arquivo JRS



       Segundo Aristóteles, um filósofo que fez muitas reflexões em Atenas há quase 2500 anos, “corrupção é uma mudança que vai de algo ao não-ser desse algo”. Pode ser: “absoluta quando vai da substância ao não-ser da substância, específica quando vai para a especificação oposta”.


      Escolhi o pensador acima para debater com um colega que reagiu ofendido porque eu afirmei que os pobres que continuam apoiando o reles ladrão de joias – para dizer o mínimo! – foram corrompidos. Genericamente falando, pratica a corrupção quem se aproveita de uma posição dominante para levar vantagem. Mas, conforme a definição primeira, é uma mudança que vai de algo ao não-ser desse algo.  Assim, pobres que abraçam ideais de ricos são corrompidos. Pobres que dependem do Sistema Único de Saúde, dos medicamentos da Farmácia Popular, dos direitos trabalhistas e das tantas conquistas sociais, mas que votam em candidatos que declaradamente são contra esses princípios são corrompidos. Trata-se do supliciado adulando, fomentando o seu algoz. Não importa sob que meios isso tudo aconteceu, mas a corrupção é notória. “Ah! Mas eles (pobres) foram persuadidos!”, exclamou o colega. Ser persuadido implica em acreditar que vai levar vantagem, lucrar alguma coisa, ser aceito num grupo etc., mesmo que não queiramos admitir. Vamos pelo emocional. Isto é o que geralmente ocorre, parecendo normal.

      Pois é. Atualmente, parece que há uma renúncia ao exercício pensante, à autonomia de pensamento. E volto ao pensador antigo escrevendo sobre a retórica, uma espécie de “metodologia do persuadir”. É assim que chega-se aos argumentos de que homens procuram convencer outros homens. Ela (retórica) não tem a função de ensinar em torno da verdade. Esta função é própria da filosofia, das ciências e artes. Mas por que ela faz tanto sucesso, “vira a cabeça de tanta gente”, acaba sendo prejudicial sobretudo aos pobres? É porque ela identifica e parte das estruturas fundamentais, cultiva os elementos que se apresentam aceitáveis para a maioria das pessoas.

     Entinema, um tipo de raciocínio retórico explícito na História da Filosofia, por Reale e Antiseri, “é um silogismo que parte de premissas prováveis (de convicções comuns e não de princípios primeiros), sendo conciso e não desenvolvido nas várias passagens”. Portanto, as convicções comuns podem ter nada de verdadeiro, mas apenas conterem ilusões. É pela emoção, pelos sentimentos que se torna fácil corromper as pessoas. Portanto, se nos vigiarmos, fica mais difícil de sermos corrompidos, pois a justa medida passa a ser a nossa referência ética. Os que vivem às custas do pobres temem isto: de que a justiça seja a mais importante das virtudes.  Bem nos lembra os autores citados de um provérbio antigo: “Na justiça está abarcada toda virtude”. Por isso que pensar é perigoso.


terça-feira, 21 de novembro de 2023

A CASA DA BENZEDEIRA

 

Casa da benzedeira - (Arquivo Joban)


Fabiano e Petiá: um adorável casal  - (Arquivo Joban)



      SOLAR DOS OLIVEIRAS OU PATRIMONIO HISTÓRICO DA PETIÁ

         Minha tia Petronília era muito amada, conhecida e admirada por todos os caiçaras que a procuravam para curar seus males onde a medicina da redondeza não conseguia ou não tinha. Era conhecida como D. Petiá, ela residia nessa casa linda que o tempo envelheceu, que será reformada. Esse patrimônio histórico é a segunda casa mais antiga do bairro, só perde para o antigo armazém do Maciel. Nesta casa muitos vinham com lágrimas nos olhos e com os corações esperançosos e saiam com sorrisos nos lábios. Dona Petiá, essa sensível caiçara que espalhou na vida filhos legítimos nascidos do seu ventre e filhos adotados nascidos do seu lindo coração, deixando em cada um de nós a saudades daquela que não mediu esforços para alegrar a todos nós, merece nossa eterna memória.


         O amigo João Batista Antunes (Joban) fez muito bem em registrar um pouco de seus familiares, de sua gente da Pedra Branca, na praia da Enseada. Nos alegra com a notícia da reforma por acontecer na casa da benzedeira.

      Dona Petiá era benzedeira muito estimada. Eu morava no bairro próximo, mas circulava muito além da vizinhança, enxergava a movimentação na Pedra Branca, onde até hoje mora o casal Joban/Andrea e tantos outros conhecidos da minha infância.

    Benzedeiras e benzedeiros se distribuíam por vários bairros/praias. No Sapê, a  tia Livina vivia atendendo a todos. Na Fortaleza, benzer era o trabalho da tia Aninha. No Corcovado, tio Francolino era o benzedor. No Itaguá, dona Josefa atendia desde a os parentes da Ponta Grossa até o centro da cidade. Na Estufa, Seo Manoel Mariano, nascido no Canto da Paciência, atendia em sua pobre casa os moradores do entorno. Na Sesmaria da Estufa, João Alexandre, natural do Sertão do Ubatumirim, era a referência.  (Até ganhou nome de escola municipal). Toda essa gente, essa caiçarada de outras gerações, sensível às dores dos pobres, além de benzer e rezar, também recomendava as ervas que conheciam. Corpos e almas eram aliviadas pela fé e pelos conhecimentos dos nossos antigos.

     Viva o sincretismo religioso da nossa gente!




segunda-feira, 20 de novembro de 2023

DOAR SANGUE

 

Imagem atualizada (Arquivo JRS)


       O amigo Ernesto me convidou para um encontro em torno do tema Doação de Sangue. Não pude comparecer, mas me senti na obrigação de dar a minha contribuição através de um texto, contando a minha história.  Espero que seja importante para motivar discussões, sobretudo agora em que tramita em Brasília um projeto que é favorável aos mercenários do sangue. 


      Meu nome é José Ronaldo dos Santos. Tenho sessenta e um anos.  Nasci em Ubatuba, na praia do Sapê.    Sou professor. Agora estou aposentado. No começo deste ano (2023) fui doar normalmente sangue no hemocentro de Taubaté. Durante o preenchimento da ficha que antecede a doação, a senhora que me atendeu perguntou há quantos anos eu era doador. “Sou doador desde 1982, quando um colega estava desesperado para conseguir sangue para a mãe internada. De  lá para cá eu nunca parei. Teve ano que eu doei até quatro vezes, mas a média é de duas vezes ao ano. Portanto, completou quarenta e um anos que sou doador”. Mediante o meu histórico, fui convidado para uma entrevista. Gravei um depoimento a ser divulgado em nível nacional para servir num trabalho de conscientização da importância de doar sangue, de ser doador.

     No início dessa carreira de doador de sangue, eu tinha a facilidade de me dirigir à Santa Casa de Ubatuba e ali mesmo me sentir realizado por tal ato. Quem me atendia era a enfermeira Cecília. Depois, por volta do ano 2000, o banco de sangue da  nossa cidade foi suprimida. Deve ter muitos motivos, mas nunca me explicaram. Tudo me faz crer que sangue se tornou quase um monopólio. De vez em quando havia uma campanha, mas era difícil ajustar o meu corre-corre com as datas. Até em Caraguatatuba eu me desloquei: doei nos bombeiros, no quartel da polícia etc., mas o mais comum foi doar em outras cidades mais distantes, quando precisava viajar para resolver outros negócios. Assim, doei em Santo André, no Hospital das Clínicas (na capital paulista), nos hemocentros de Juiz de Fora, de Taubaté, do hospital de São José dos Campos etc. Lamento muito porque, caso houvesse ainda um centro de doação em nossa cidade, os doadores e doadoras seriam muitos. Quando eu comecei era comum ter muita gente a cada oportunidade. Muitas amizades que tenho ainda são daquela época, quando estávamos na espera para deixar nossa contribuição. (Nota: quase todas as vezes eu doo espontaneamente, sem ter alguém específico para receber. Acredito que alguém vai se beneficiar do meu ato, do meu sangue. Fico sempre contente por essa mínima ação).

     Quando eu assisto na televisão campanhas para ser doador, denuncio que é uma mentira. Caso quisessem mesmo ter mais doadores, as cidades teriam seus bancos de sangue, não precisaríamos viajar para isso. Escrevi a responsáveis sobre isso, mas até hoje não me deram respostas. Logo estarei completando sessenta e dois anos, mas espero continuar doando até os sessenta e nove. Sei que é muito importante doar sangue, salvar vidas. Também é importante doar órgãos. Imagino que muitas vidas estão aí devido aos meus 450 ml que deixa o meu corpo em dez minutos duas ou três vezes ao ano. Eu me realizo doando sangue!

       

         Parabéns ao Ernesto pela cobertura jornalística. Parabéns a ao pessoal que participou do 2º Encontro Anual de Doadores de Sangue. São iniciativas assim que sensibilizam mais gente, nos fortalecem, nos unem na luta para não deixar que o sangue e seus derivados se tornem fontes de lucros para alguns, excluindo de essenciais tratamentos os pobres, desmotivando o importante ato de doar sangue. 


domingo, 19 de novembro de 2023

ARTELÃ

 

Erva baleeira no quintal de casa - Arquivo JRS


     O povo caiçara sempre cultivou no cisqueiro uma pequena horta, geralmente cercada por varas de bambu e pano de rede velha. Na horta dos caiçaras tinha de tudo um pouco: coentro, cebolinha, couve, tomate, ervas medicinais etc. Conforme os sintomas, logo chegava uma mãozada de ervas. “Vai lá, minino. Pega um tanto de artelã de bicha, do miúdo. Esse otro tá assim de lombriga. Se não cuidá, morre a quaquer hora. Você viu o que aconteceu com o Mané do Bagre: nunca queria tomá chá até que quase se foi de um ataque de bicha. Comeu uma jaca em jejum, deu um gorpe nas bicha, se enrolou tudo dentro dele. Morreu aquilo tudo ali mesmo. Tiveram de corrê pra Santa Casa; cortaram a barriga dele, tava tudo entupido. Ia morrê se não fosse o dotô De Luca”. Assim eu fui escutando histórias, vivendo experiências e aprendendo das ervas, das suas propriedades. Sei nomear um monte delas. Outro hortelã que era parte do nosso dia a dia era o hortelã gordo, que parece boldo. Suas folhas ásperas, graúdas, era muito apreciadas no tempero de carne cozida, sobretudo aves (galinha, pato, jacu...). Quem nunca comeu uma galinha ensopada condimentada com hortelã gordo? Vovô Armiro não comia se não tivesse um caldo desse fervendo para escaldar a farinha de mandioca. Dizia diante do prato fumegante: “Não sei como essa gente vive sem o prazer de um escardado deste a cada dia!”.


    Dias atrás, estando no espaço da propriedade da Sandra e Godói, umas plantinhas espontâneas do terreiro me chamaram a atenção. Fui explicando: “Esta é a erva de Santa Maria. Está carregada de sementes. Minha avó pegava banana madura, abria ao meio, enchia dessas sementes e assava no fogão à lenha. Depois a gente comia, servia para combater vermes. Era uma delícia! Essa outra, logo ali, é erva de bicho, dá muito em áreas úmidas. Usava-se nos banhos de assento, curava hemorroidas, ajudava na circulação sanguínea. Aquela que está na cerca é guaco. Quem nunca tomou um xarope daquele cipó? Ainda hoje, de vez em quando, a minha Gal faz uma panelada com guaco, gengibre, alho e açúcar. Num instante a tosse vai embora, o catarro sai do nosso corpo. Estão vendo aquela árvore? É carobinha, da roxa. Suas folhas eram usadas para curar feridas. Esse matinho que o Godói acabou de carpir é sete sangrias, um depurativo sanguíneo”.  Após uns instantes, a Sandra me perguntou: “Com quem você aprendeu tudo isso?”. “Com os mais velhos, com minhas avós, com meus pais. A gente não sobreviveria se não aprendesse as lições dos mais antigos, sobretudo aquela que veio dos indígenas. Por isso fico indignado quando vejo tantas perseguições às diversas etnias que ainda existem no território brasileiro. É isso um dos aspectos do fascismo. A miséria cultural grassa em nosso meio, entre meus parentes, inclusive caiçaras, descendentes do povo tupinambá. Continuam admirando um reles ladrão de joias - para dizer o mínimo". Para concluir: a Sandra  disse que fará uma estufa só com plantas medicinais. Eu me prontifiquei a ajudar no que puder. Os saberes dos antigos não podem morrer.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

RIBEIRÃO DO TEMPO

 

Casal de tangarás - Arte da prima Giovana


      Santiago, da janela, olhando o tempo, dedilha a viola, escreve e desfruta a natureza enquanto a panela está cozinhando uma das nossas iguarias. Nesse ambiente nasce Ribeirão do tempo. Escolhi os tangarás porque eles abundam pelas matas, simbolizam a nossa terra. Gratidão à Gi e ao Santi, nossos artistas. Abraços.

 

Cheiro de terra molhada

chuva que cai no quintal

quando vai findando a tarde

e o sol longe se vai

Bate no peito uma saudade

da velha vila rural

Canteiros de flores

que a mãe cuidava

e as roupas brancas no varal

parece que acenavam

um longo adeus aos barcos

No vento azul

que de mansinho

trazia a noite para o terreiro

onde a viola e o violeiro

cantavam o mundo

as histórias e os mistérios do sertão.

Café no fogão de lenha

paçoca no pilão.

A lembrança que incendeia

a fogueira e acende o lampião

Os dias passavam lentos

mas não tinha pressa não

Quando menos se apercebe

já passou um ribeirão

pelo arco da ponte

de tantos anos vividos

marcados no tic tac

do velho relógio

da estação

Mas nas águas da memória ficaram

A mãe e o pai.

Não volta mais

aquele sonho e aquele mundo

ficou pra trás.

Parece que um dia na infância

eu mergulhei no ribeirão do tempo

e ao sair

já não era mais menino e cresci

e ao redor cresceu o mundo também

e muitas vezes eu me perdi

na imensidão da vida e da ilusão

E as coisas que eu aprendi

não sei se é muito

não sei se é pouco

mas é o que tenho até aqui

Nesse caminho

eu traduzi toda distância, toda ausência, toda saudade

na melodia de uma cadência

na solidão da  viola

na beira do mar

terça-feira, 14 de novembro de 2023

PÉ NA ESTRADA








Flor no caminho - Arquivo JRS



         Mano Mingo nos faz relembrar da nossa capacidade de andar, conhecer pessoas e lugares; de guardar detalhes que ainda marcam nossa existência mesmo depois de tanto tempo. Andar é essencial, sobretudo quando o corpo começa a se recolher na jornada da vida.




A gente não parou mais

desde que nossos antepassados

nos longínquos planaltos da África

começaram a andar,

logo passaram a cavalgar, navegar,

pedalar e, por fim, voar,

cada vez mais rápido,

até ficar sem tempo de caminhar.


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

BASTA UM NADA

 

Gaivotas no lagamar (Arquivo JRS)

      “Jesus, filho de Maria (Aparecida), era semita tostado pelo sol do Oriente Médio. Era judeu."  denominação mais antiga era hebreu. Hebreu era a grande massa, trabalhadores e trabalhadoras do Egito que deixaram aquela terra para escaparem à servidão. Portanto, hebreu era uma mistura de povos explorados pelos egípcios. "Se é verdade o que se escreveu dele, duvido que o mesmo aprovaria as perseguições ao povo palestino (semita), às minorias que estão em romaria perpétua pelo Brasil e no mundo afora. Que tal darmos as mãos a tanta gente que nem tem a alegria de uma companhia em suas vias sacras?”. 

 

    Resolvi pegar um trecho já escrito para escrever o meu presente texto, a minha reflexão de hoje. Apresentei-o ao amigo Esaú durante uma prosa no ônibus entre Ubatuba e Caraguatatuba. Nós dois íamos a consulta médica. “É, meu amigo: tem de se cuidar se quisermos viver um pouco mais, ter mais saúde!”.


   Esaú é filho de evangélicos tradicionais; estudamos juntos na escola Capitão Deolindo, em Ubatuba.. Seus irmãos – todos! – carregam nomes bíblicos. Torcedor fanático do Santos Futebol Clube, o meu amigo, caiçara da gema, estava me contando da irmã católica de mente entupida pelos discursos de algumas lideranças que abraçaram a causa fascista. Afirmei a ele que não é apenas “privilégio” dele esse tipo de “cristão”. “Na minha família há muitos. Mais de 70% dos ubatubenses votaram no genocida. Você sabe bem disso”. Duvido que eu consiga encontrar alguma família que não esteja vivendo tal dilema. “Não vamos sofrer por isso, Esaú! O que devemos fazer é argumentar para reverter isso. As pessoas têm de entender que apenas os pobres sofrem com essas ideias fascistas. Eu apenas sinto muito por tantos caiçaras e tantos migrantes explorados serem o combustível dessa engrenagem diabólica”. É a nossa gente alienada (caiçaras e migrantes “cabeça-gorda”) que está apoiando as privatizações, a eliminação dos direitos trabalhistas e outros absurdos maiores. É essa gente “cabeça-gorda” que sustenta políticas genocidas no Brasil e no mundo. É toda essa gente indisposta a uma ginástica mental. Não querem entender que as guerras sustentam a indústria bélica no mundo, cujo principal fornecedor são os Estados Unidos. Agora, uma grande guerra se apronta no Oriente Médio. É preciso um pretexto forte para usar o arsenal nuclear e dissolver a organização decorrente do BRICS, um agrupamento de países que atua no cenário internacional para enfrentar a hegemonia dos Estados Unidos, sobretudo os seus monopólios que exploram as nações mundo afora.

    “Tem muita gente que lucra com essas ideias, Zé!”. “Eu sei que tem, Esaú! Você acha que a sua irmã quer pagar os direitos para a empregada dela? Você acredita que o seu cunhado paga os impostos que deveria pagar? Pode ter certeza que nós pagamos bem mais do que o dobro! Esses empresários, mesmo sendo nada diante das grandes fortunas, também almejam não pagar nada além de viverem às custas do suor dos outros. O seu cunhado, a sua irmã e tantos outros se acham superiores. Por isso abraçam ideias absurdas, se põem contra a grande massa de empobrecidos, têm raiva de gente como nós que não assinam tais princípios fascistas. E pode ter certeza que, em todas as tendências religiosas, pedagógicas etc., há gente lucrando com isso. Daí a razão de produzir narrativas alienadoras. E digo mais: essa gente, parentes nossos, foi corrompida!”.


   Tudo isso, toda a nossa prosa rodou muito em torno da alienação do nosso povo relacionada às questões ambientais, das condições impróprias de nossas praias, de nossos rios, de nossas vias de acessos, de nossas matas etc. Creio que a cultura, nas suas infinitas manifestações (dança, cinema, teatro, pintura, artesanato...), pode ser a mística de partida para fazer um reerguimento da nossa razão de viver, de desconstruir mentes alienadas. Basta um nada para mudar tudo. Valeu, amigo!