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Olhando o mar - Arte: Estevan |
Canoa Emborcada é o novo livro de Santiago Bernardes. Está pronto? Não! Está chegando! Aqui segue umas linhas inspiradas no mar, na mata, nas vivências e nas lutas das Comunidades Tradicionais do nosso chão caiçara, do nosso litoral norte de São Paulo. Parabéns, irmão!
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Remo esculpido - Autor: Mestre Bigode |
O pescador colocou o balaio no ombro, olhou
uma última vez para a canoa Corre Mundo e caminhou para casa como sempre fazia,
mas levava algo além dos poucos peixes no ombro, parecia um peso maior além do
peso do balaio, mas um peso por dentro, fatigando o ser, angustiando e
anuviando o pensar. Não sabia definir essa sensação estranha, como se tivesse
um bolo de farinha seca enroscado da garganta. Chegou em casa, colocou o balaio
no chão, preparou a bancada de limpar peixe, do lado de fora e puxou de um gole
de água da garrafa para ver se desembolava a garganta e num segundo foi como se
sentisse gosto de água salgada, como se bebesse da água do mar, igual a um dia
na infância quando pulou da canoa do pai voltando para a praia achando que já
dava pé e afundou engolindo um bocado de mar. Mas não desesperou, na terra onde
se aprende a nadar antes de se aprender a andar criança é peixe, tantas vezes
já mergulhara naquelas águas, mas teve uma sensação diferente dessa vez, como
se o tempo embaixo d’água fosse outro, mais lento, ou até mesmo ausente,
debaixo d’água tudo era mais claro, mais bonito, mais azul, mais vivo, abriu os
olhos e viu o casco da canoa por baixo, os remos movendo-se como em câmera
lenta, o fundo de areia, peixes passando
e olhando-o curiosamente, com o gole de mar na barriga sentiu-se pequeno dentro
do mar e o mar imenso dentro dele. Deu um giro e subiu à tona, agarrando-se à
borda da canoa. Os pescadores riam. Aquele gosto de mar engolido sem querer
voltou no instante do gole d’água da garrafa pouco antes de limpar os
peixes. Um segundo na vida pode ser uma
eternidade, ainda mais se for no mar, onde os naufrágios rondam os homens que
remam como as tintureiras que espreitam o tombo da canoa para comer tudo que
veem pela frente, pescadores há que perderam mão, braço, perna na boca do
monstro e que foram inteiros devorados.
Contam-se histórias do antigo presídio de uma
ilha onde uma ponta da costeira se aproximava da ponta do continente formando
um boqueirão de uns quinhentos metros, ali antigamente o espia ficava a avistar
os cardumes. Quando expulsaram os nativos da ilha para construírem o presídio
passaram a cevar as tintureiras com restos de carnes para que criassem o hábito
de rondar sempre por ali e assim se algum preso se aventurasse a tentar fugir a
nado para a costa viraria comida de tubarão. Mas um dia estourou uma rebelião e
um soldado se jogou naquelas águas para pedir ajuda em terra, conseguiu
atravessar ileso e virou lenda.
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