Cristal, a gata - Arquivo JRS |
Magali se deteve junto a mim para
perguntar sobre a gata Cristal: “Ela não
apareceu por aqui? Faz quase uma semana que está desaparecida. O meu filho,
coitado, está sofrendo muito. Ele é muito apegado a ela. Estou procurando por
toda a vizinhança há dias, mas nenhum sinal ainda”.
Cristal era uma gatinha muito mansa, daquelas que ao avistar a gente já
se deitava para receber umas coçadas na barriga. Em muitas manhãs ela amanhecia
no quintal de nossa casa, se aproveitando do grande espaço cimentado onde está
o varal de roupas. Maria, minha filha, apegada que é aos bichos, dedicava todo o tempo
à bichana. Até fez uns brinquedos para a nossa visitante se distrair. Ainda
está dependurado na varanda um pedaço de barbante com tampinhas de garrafas. Cristal
provocava risos fazendo estripulias por ali.
Tentei consolar a Magali, dizendo que talvez estivesse namorando,
correndo por outras ruas próximas. “Ela
vai aparecer logo. Esses bichos são geniosos, é assim mesmo. Não se desespere,
amiga”. Antes de seguir, ela desabafou: “Faz
uma semana que o meu pai morreu. A gatinha era a companhia dela enquanto a
gente estava fora”.
Eu não sabia que o pai dela tinha falecido. “Nossa! Meus sentimentos, amiga”. Seo Maciel veio de uma cidade
mineira para se tratar em Ubatuba. Passava por uma depressão profunda, queria
ser curado. Durante o dia ele ficava sozinho, pois o neto ia para a escola e
os pais trabalhavam. Apenas no final da tarde ele convivia com todos. Portanto,
a companhia efetiva dele era o gatinha Cristal. Naquele momento eu me lembrei de
uma história similar antiga, de caiçara, ocorrida na praia do Sapê, onde eu nasci. O Bié,
primo do Tonico, passou por uma desilusão amorosa e não resistiu, não conseguiu
superar, se findou ali no jundu, perto de onde morávamos. Um cipó e um barranco
lhe valeu naquele desespero. Pobre Bié.
Bié tinha um cachorro que atendia por Duque. Os dois eram bem apegados. Quando eu vejo muitos andarilhos com seus cães, a
maneira como se dão bem, a preocupação e a fidelidade etc., me recordo da história do Bié, de como é
comovente a relação entre um animal de estimação e seu dono, um fazendo
companhia ao outro, repartindo comida, se protegendo e outras coisas mais. Sabe o que aconteceu após o sepultamento do Bié? O Duque se
postou ao lado da sepultura, no morro da Maranduba. E de lá nunca mais saiu. O Velho
Salomão, pai do Élcio, morador mais próximo do cemitério, nunca deixou de levar
comida ao fiel animal nos anos que ele viveu guardando a sepultura do dono. Ele até fez uma cobertura de
palha para servir de proteção contra chuva e sol. Papai garantia: “Ele aturou quase cinco anos depois da partida do falecido. Era comum escutar sempre os seus uivos nas noites, como
se estivesse com saudade do Bié. Numa manhã, quando o Salomão estava de partida
para buscar o tresmalho, ao passar no caminho rente às sepulturas, ele percebeu
que o Duque estava imóvel, nem percebeu os seus passos. Estava morto. Voltou
para casa naquele mesmo instante, acordou a criançada e a esposa. Todos choraram
durante o sepultamento daquele animal. Sua cova foi bem ao lado do túmulo do estimado dono”. Décadas se passaram, mas ainda
hoje tem gente que sempre rememora essa história. E foi isto que eu contei à Magali.
Eu acredito que a gata dela se retirou do convívio daquela casa porque não
suportou a ausência do Seo Maciel. Pode ser que tenha ido embora, foi viver no
mato. É isto: animal tem sentimentos. Passado mais de mês, soube que a gatinha não apareceu. Era Cristal.
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