Juventude de outro tempo (Arquivo JRS) |
Eu vou partir de minha própria experiência para abordar um assunto que parece banal, mas não é. Há trinta anos tenho acompanhado as evoluções dos/das adolescentes. Posso dizer que as meninas me alegram mais porque têm demonstrado que estão levando mais a sério os estudos. Prova maior disso é quando se indica os destaques discentes a cada bimestre. Isto é evolução! Mas quero retransmitir o que dizem alguns estudiosos do motivo principal dessa apatia generalizada dos meninos: é reflexo do machismo, do patriarcado que marca a nossa sociedade baseada nos princípios dos pouquíssimos homens brancos e ricos. Como assim?
Por nascerem machos, os meninos são ideologicamente convictos de que são superiores. Portanto, já estão em vantagem em relação às meninas. Assim, não estudam como deveriam, não refletem de forma mais apurada, abraçam as “verdades” que lhe são convenientes, seguem alimentando o velho patriarcado com suas mazelas. Estas “verdades”, quase sempre satisfatórias ao macho, são reforçadas na atualidade tecnológica pelos algoritmos e realimentam os aspectos reacionários que compõem o patriarcado. Ou seja, essa moçada, cabeças novas, abraçam na maior fé/fanatismo velhas mentalidades, certamente até nem percebendo a incoerência ao cantar com Zeca Baleiro: "Você, por sua vez, se orgulhando da bravata/ de ser apoiador de um imbecil sociopata/ Requenguela, mequetrefe.../ Cada um tem a cultura que merece". Assim, deixam de evoluir e/ou alimentam uma sociedade de ódio às
minorias em geral. Pior: é notório muitos pobres perpetuando essa situação lá dos primórdios, essa miséria cultural. Comparo estes a um supliciado aplaudindo seu algoz. Agora ilustrarei este papo com um exemplo bem caiçara, da década de 1950, quando eu nem estava nos planos da minha mãe e do meu pai. Como foi que eu soube? Minha tia Tereza anunciou: “O que vou contar agora, menino, aconteceu há muito tempo, lá para as bandas de onde nasceu a vossa mãe. O ........, um homem da roça e do mar como todo mundo daquele tempo, havia se casado com a finada Maria. Depois de 15 dias, ele compareceu diante das autoridades para anular o casamento. Alegava que ela não era mais virgem. Ele, na lei, tinha o direito. E foi atendido! A coitada da mulher retornou envergonhada para a casa dos pais. Ele, não demorou muito, já estava de casamento marcada com outra caiçara”.
Essa história, que sempre achei injusta, permaneceu na minha memória. Imagine só que, depois de duas semanas dormindo com a esposa, ele resolveu apelar e anular o matrimônio. Que coisa, né? Onde ele se apoiava? No Código Civil de 1916 que considerava a mulher casada “civilmente incapaz”, a exemplo de crianças, índios
e alienados. Ela não podia trabalhar fora sem autorização do marido, aceitar heranças, administrar bens, votar ou se envolver em política. O homem podia anular o casamento se ela – mulher – não fosse virgem. Também as filhas podiam ser deserdadas caso fossem “desonestas”. Oh, céus! Pois é! E sabe quando ela lei caiu? Somente em 2002 o Código Civil retira a perda da virgindade como
justificativa para anulação do casamento. Ou seja, depois de 86 anos tal lei é banida. Se fosse hoje, com o governante e seus apoiadores que aí estão, ela continuaria existindo. Sabe por quê? Porque prevalece o machismo e outras heranças do patriarcado. Então já sentiu o quanto é desanimador ver grande parte da juventude perpetuando essas velhas mentalidades? Cá entre nós: aquele pobre caiçara apelou a uma lei para repudiar a pobre companheira. Não sei dizer o quanto de caiçaras e de migrantes que acham certo tal princípio surgido, de acordo com a Sociologia, há 12 mil anos, quando o homo sapiens deixou de ser nômade e se fixou próximos dos rios e fundou as primeiras cidades. Só tenho uma certeza: essa gente que continua nessa mentalidade arcaica está na porcentagem de apoiadores
desse governo fascista. Logo, estudar a sério, refletir e tomar partido de um pensamento que inclua mais gente em vez de excluir é a melhor atitude.
Em tempo: o dito caiçara, depois que fez aquilo com a companheira, “se aproveitou” de umas moças do lugar. Ao menos dois filhos estão por aí como “prova do crime”. E depois? Ah! Ele se converteu a uma religião fundada por Louis Francescon, um ítalo-americano, se
tornou um “homem honrado”, e, se não estou enganado, morreu como um respeitável ancião no seu grupo religioso. Agora me pergunto: como aquele sujeito isolado sabia da existência dessa lei e das condições para repudiar a mulher?
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