Comemorando o carnaval em outro tempo - Arquivo JRS |
Quarto dia de lixo num ponto de ônibus - Arquivo JRS |
Eu, como de costume, estava bem cedo, num ponto de ônibus no centro da cidade. O dia não estava claro de vez. Um rapaz se aproxima e começa a falar: “O senhor poderia me arranjar R$ 4,50 para eu ir embora? Eu moro na Almada e preciso ir para casa”. Eu escutei esta primeira parte e permaneci em silêncio à espera, talvez, de mais "justificativas" . Outra pessoa estava ali perto, tal como eu, esperando o transporte para ir trabalhar. Em seguida o rapaz me perguntou: “O senhor é daqui mesmo?”. Eu respondi: “Eu moro no Ipiranguinha. Não tenho dinheiro, pois uso passe da empresa”. Mediante a minha resposta ele se retirou, foi seguindo em frente. O senhor que também estava atento, esperando para embarcar, comentou: “Vez ou outra esse rapaz está por aí. Se ele é da Almada, o que passa fazendo toda a noite por aqui, na cidade? Aí tem coisa”. Nisso vem chegando um casal jovem, discretamente se acomoda junto à parede. Pelo jeito, passaram a noite na balada, tiveram uma noitada agitada. Assim que a outra pessoa embarcou para o seu destino, ficamos a sós: eu e o casal. Então o rapaz se aproximou de mim e explicou: “Sabe, moço, nós somos do Puruba, mas não temos dinheiro para voltar. Você não poderia dar uma ajuda?”. Novamente eu disse que tinha apenas a carteira de passe. Em seguida veio o veículo com destino ao bairro onde eu iria trabalhar. Naquele dia, por diversos momentos, fiquei pensando nesse desarranjo da cidade, do pessoal que se dizia ser de comunidades do lado norte do município onde, até poucos anos atrás, não tinha nem acesso rodoviário; talvez gente ainda dos estimados Dito Fernandes, Tio Dico, Tia Baía, Agrício, Mané Grande e tanta gente antiga deste chão caiçara. Vai saber!
Enquanto as regiões central e sul já começavam a febre do turismo, das construções de "casas ricas", essas pessoas do norte viviam quase que isolados, sem contato com atividades noturnas (que aconteciam no centro da cidade) na década de 1970. Seus momentos de lazer e suas interações aconteciam por lá mesmo, sobretudo nas festividades religiosas e nas funções (bailes). Agora, caso eles não tenham mentido, vislumbrei sinais de degradação, precisando pedir uma ajuda para voltarem às suas casas após uma noite se divertindo. E tomara que tenham se divertido mesmo! Pode ser que sejam migrantes ou descendentes de migrantes, mas também há possibilidade que sejam caiçaras, filhos ou netos de caiçaras. Em qualquer das alternativas, uma coisa me parece evidente: um espectro miserável se alastra, contagia o meu povo, degenera a "Casa de Putifar". Há uma teia de mecanismos que precisa ser entendida e alterada para evitar a ruína da cultura caiçara e das demais culturas que vão se compondo com ela. Tudo isto passa pela política? Sim, tudo passa pela política! Por uma ideologia que seja mais inclusiva, que invista em educação de qualidade e não persiga os mais humildes, as minorias exploradas há mais de 500 anos neste país! Cadê as oportunidades a esse pessoal?
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