Gravura do viajante Hans Staden - Arquivo JRS |
No lugar por nome de Bertioga, quase chegando em Santos, era o ponto de combate entre Tupinambá e Tupiniquim, dois dos povos que habitavam o litoral paulista. Assim começo este por estarmos em maio, época em que começa a chegar os cardumes de tainhas que migram da região mais ao sul. Esses peixes eram disputados, constituíam uma valiosa reserva nutricional aos povos originários. Por eles os antigos combatiam. Hoje, somos nós que não vemos a hora de degustar esse precioso prato da nossa cultura. O significado de Bertioga, segundo os entendidos, vem de parati + oca, ou seja, toca, refúgio, morada ou paradeiro das tainhas. Hans Staden foi capturado por ali, perto do forte português que ainda existe na entrada do rio, quando se aventurava em uma caçada nos arredores, em meados do século XVI. Passou um sufoco entre os Tupinambá, mas depois voltou para a Alemanha e escreveu um importante documento a respeito do território que agora ocupamos. Vejamos uma passagem desse relato:
No dia seguinte, ao cair da tarde, alcançamos a aldeia. Portanto, a viagem de volta tinha durado, ao todo, três dias, completando uma distância de 30 milhas em relação a Bertioga.
Quando nos aproximamos da aldeia chamada Ubatuba, notei sete cabanas. Bem perto da praia, para onde os barcos foram puxados, as mulheres estavam trabalhando no campo, onde se cultivava mandioca. Muitas mulheres tinham justamente acabado de colher as raízes da planta. Tive de gritar-lhes, na língua delas "Aju ne xe pee remiurama", o que vem a ser a mesma coisa que: "Eu, a sua comida, estou chegando".
Na nossa chegada vieram todos correndo, jovens e velhos, para ver-me. Os homens, por sua vez, pegaram seus arcos e flechas e foram para as cabanas que ficavam numa pequena colina, deixando-me nas mãos das mulheres. Estas me levaram entre elas, algumas andando em frente, outras atrás de mim, cantando e dançando à minha volta. Tal canto é entoado sempre que um prisioneiro vai servir de alimento.
Atingimos a caiçara, uma fortificação semelhante a uma cerca de jardim, feita de estacas grossas e longas posicionadas em torno do conjunto de cabanas. É usada para evitar o ataque dos inimigos. No momento da minha chegada à caiçara, todas as mulheres correram juntas e bateram em mim com os punhos, puxando minha barba enquanto diziam: "Xe anama poepika ae!" - "Isto é a minha vingança pelo homem que seus amigos mataram!". Depois conduziram-me a uma cabana, onde tive de me deitar numa rede. As mulheres me espremiam em torno para bater-me e puxar minha barba; também me ameaçavam de ser devorado.
Enquanto isso, os homens estavam reunidos numa cabana, bebendo ali seu cauim e cantando em honra a seus deuses maracás, que lhes predisseram o meu aprisionamento.
Ouvi esse canto sendo entoado, mas, por meia hora, nenhum homem veio até onde eu me encontrava, apenas mulheres e crianças.
O que eu pretendi com esta postagem? Eu gostaria de, hoje, ao passarmos pelas ruas da cidade e encontrarmos os parentes originários que ocupam as três aldeias no nosso município, recordemos das nossas origens, das heranças indígenas, sobretudo Tupinambá, que cimentaram o nosso ser caiçara. Diga para si mesmo: "Nós somos isto porque eles continuam vivendo em nós". E, com certeza, não foi diferente disso o que aconteceu em outras regiões deste país, de onde não para de chegar gente em busca de melhores oportunidades neste município de Ubatuba. Portanto, nada justifica a gente se posicionar contra as nossas próprias raízes.
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