sexta-feira, 30 de agosto de 2019

SE APINCHA AÍ

Fandango caiçara (Arquivo JRS)


               Elias chegou aqui almoçado. Disse que já tinha “tirado uma pestana na esteira, debaixo do pé de aroeira”. Penso que sim, porque é normal caiçara descansar depois do almoço. “Cada um pega uma esteira e se apincha, se estira onde achar melhor”.  Assim era ordem de quem zelava por nós e pela casa.

               Quem, com cobiça alimentada, ler a introdução deste, logo –é quase certo! – julga que caiçara tem vida folgada. “É por isso que definiram a cultura, a nossa gente como indolente, preguiçosa”. É mesmo! Quem escreveu, assim definiu o vocábulo, é de fora, pertence a mentalidade industrial, produtivo, que visa lucros acima de qualquer coisa. Para quem compartilha deste ideal só enxerga, só tem criatividade para atividades que rendam dinheiro. “O importante é ter muito dinheiro!”.

               Quando colocamos o dinheiro acima de tudo, as atividades solidárias, festivas e prazerosas ficam em plano inferior. Assim achamos mais importante a servidão do que a liberdade. (Mas não admitimos isto!). “Tudo não tem de ser para a nossa felicidade; tudo tem de ser lucrativo. Dinheiro compra felicidade!”. É por isso que a cultura do lugar vai se esvaindo, sendo esmagada pela cultura dominante, consumista, de fora.

               “Agora, irmão não visita irmão. Até os pais são esquecidos, desprezados pelos próprios filhos”. Então eu disse à Lourdes, minha prima, filha do tio Roque, da Caçandoca: “É isso mesmo! Se a pessoa trai até a própria família, imagine então a cultura!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário