domingo, 18 de agosto de 2019

MOMENTOS CULINÁRIOS

Nenhum camarão no Camaroeiro (Arquivo JRS)
Artes das crianças (Arquivo JRS)


Tubarão (Arte da Elisabete -Arquivo JRS)

               Sábado: ao amanhecer eu já me encontrava tomando café e proseando com o Tio Neco. Sempre tem angu, uns tubérculos e até peixe frito. O causo veio da parte do saudoso Fidêncio. Como é bom recordar! Fala, tio!

               Certa manhã eu o Dito fomos visitar o Fidêncio, lá no Sertão. Estava fraquinho sobre a cama, mas assim que enxergou a gente se levantou. A prosa foi longe. Para ele assunto nunca faltava: era do tempo em que trabalhou em Santos, no bananal... era das pessoas de outros tempos... era de pescaria... Bom de prosa o Fidêncio! Assim, demos toda atenção ao caso da pescaria:

               “Numa ocasião saí para batê puçá, para pegá uns camaraõzinho porque tava ruim de isca. Comecei a arrastá da Pedra da Cruz pra fora, indo pro ilhote. Não tava bom aquele dia: puxava o puçá e se via um ou dois camarão se batendo. Continuei até o Pasto [aquele pedaço de mar, quase na Ponta do Pulso, que em tempo bom nem onda tem, parecendo um pasto tranquilo, plano] tentando, tentando, tentando... Só sei que juntei na cuia uns oito ou deiz camarão. Resorvi pescá assim mesmo. Isquei um anzó e lancei por ali mesmo. Não custô nada e um bicho pegô: era um joão dia [uma espécie de cação, também conhecido como cação-torrador (Mustelus canis)]”.

                O cação denominado ‘joão dias’ era abundante por aqui; se parecia com um tubarão em miniatura, curto (por volta de um metro) e grosso. Só que era mansinho e cobiçado na culinária caiçara.  A gente pescava muito deles no perau do Porto do Eixo.  Vi o meu avô Estevan e o meu pai pescarem muitos deles ali. Ah! Uma caldeirada de cação cozido com alfavaca: quem rejeita?!?
                

               “Assim que tirei o joão dia do anzó, larguei ele no fundo da canoa, isquei de novo outro camarãozinho e lancei, dexando a linha a prumo, na borda da canoa. Logo vi o cação se arrastando pelo fundo, passando debaixo do banco, indo na direção da popa. Nem dei bola porque tinha peixe beliscando a isca. Escutei um roc-roc-roc...roc-roc-roc...roc-roc-roc... na popa, mas nem  importei. Logo veio uma embetara, da amarela. Bonita mesmo! Daquela que só se come tendo coentro do mato, pimenta, banana verde e farinha das boa! Larguei a bicha e me virei pra pegá outro camarão. Aí eu sube o que era aquele roc-roc-roc...roc-roc-roc...roc-roc-roc... O cação, que tinha passado entre as pernas, estava interessado na cuia com camarão. Comeu tudo. Esperto que só ele! Aquele barulho era dele rapando os beiço na cuia. O jeito foi vortá pra casa porque,  a isca que era um cuí,  serviu de comida pelo espertalhão”.

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