Nenhum camarão no Camaroeiro (Arquivo JRS) |
Artes das crianças (Arquivo JRS) |
Tubarão (Arte da Elisabete -Arquivo JRS) |
Sábado: ao amanhecer eu já me encontrava tomando café e proseando com o
Tio Neco. Sempre tem angu, uns tubérculos e até peixe frito. O causo veio da
parte do saudoso Fidêncio. Como é bom recordar! Fala, tio!
Certa manhã eu o Dito fomos
visitar o Fidêncio, lá no Sertão. Estava fraquinho sobre a cama, mas assim que enxergou a
gente se levantou. A prosa foi longe. Para ele assunto nunca faltava: era do
tempo em que trabalhou em Santos, no bananal... era das pessoas de outros tempos...
era de pescaria... Bom de prosa o Fidêncio! Assim, demos toda atenção ao caso
da pescaria:
“Numa ocasião
saí para batê puçá, para pegá uns camaraõzinho porque tava ruim de isca. Comecei
a arrastá da Pedra da Cruz pra fora, indo pro ilhote. Não tava bom aquele dia:
puxava o puçá e se via um ou dois camarão se batendo. Continuei até o Pasto [aquele pedaço de mar, quase na Ponta do Pulso, que em tempo bom nem onda tem,
parecendo um pasto tranquilo, plano] tentando, tentando, tentando... Só sei que
juntei na cuia uns oito ou deiz camarão. Resorvi pescá assim mesmo. Isquei um
anzó e lancei por ali mesmo. Não custô nada e um bicho pegô: era um joão dia [uma
espécie de cação, também conhecido como cação-torrador (Mustelus canis)]”.
O cação denominado ‘joão dias’ era abundante por aqui; se parecia com um
tubarão em miniatura, curto (por volta de um metro) e grosso. Só que era
mansinho e cobiçado na culinária caiçara. A gente pescava muito deles no
perau do Porto do Eixo. Vi o meu avô
Estevan e o meu pai pescarem muitos deles ali. Ah! Uma caldeirada de cação
cozido com alfavaca: quem rejeita?!?
“Assim que tirei o joão dia do anzó, larguei ele no fundo da canoa,
isquei de novo outro camarãozinho e lancei, dexando a linha a prumo, na borda
da canoa. Logo vi o cação se arrastando pelo fundo, passando debaixo do banco,
indo na direção da popa. Nem dei bola porque tinha peixe beliscando a isca. Escutei
um roc-roc-roc...roc-roc-roc...roc-roc-roc... na popa, mas nem importei. Logo veio uma embetara, da amarela.
Bonita mesmo! Daquela que só se come tendo coentro do mato, pimenta, banana verde
e farinha das boa! Larguei a bicha e me virei pra pegá outro camarão. Aí eu sube
o que era aquele roc-roc-roc...roc-roc-roc...roc-roc-roc... O cação, que tinha passado entre as pernas,
estava interessado na cuia com camarão. Comeu tudo. Esperto que só ele! Aquele
barulho era dele rapando os beiço na cuia. O jeito foi vortá pra casa
porque, a isca que era um cuí, serviu de comida pelo espertalhão”.
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