domingo, 25 de agosto de 2019

MUITOS DIREITOS AOS POBRES



 
Artes da minha Gal (Arquivo JRS)

Artes da minha Gal (Arquivo JRS)

                  Embarquei no ônibus anteontem bem tranquilo porque não estava lotado. Acho que a chuva colaborou nisto. Quase no fundo, sentado sossegado, estava o Nico Júnior, negro, pobre batalhador como a maioria deste Brasil. Não é caiçara; veio morar em Ubatuba só pela sobrevivência (“porque na minha terra a gente passava fome”). Hoje faz uns bicos de garçom, pinta parede, desempenha alguma função em empresa terceirizada da prefeitura local graças a um apadrinhamento. “Mudando a gestão, o galho pode ser quebrado e se vai para o chão, né?”.

            Como de costume, uma prosa sempre vai bem. Não precisou muito para o tema da queimada na Amazônia brasileira aparecer. Logo tasquei: “A coisa tá ruim, mas vai piorar! Imagine você que quase um terço da Petrobras foi leiloada por um preço menor que a venda do hotel Copacabana Palace, segundo apareceu na mídia!”. E ele, negro, pobre coitado que agora está comprando “uns blocos para construir em meio lote na Estufa”, retrucou: “Você acha mesmo? Essas imagens são forjadas, de gente contrária ao atual governo. São imagens falsas. Eu acho que daqui pra frente só vai melhorar. O que foi bem ruim nestes últimos vinte anos foi dar muitos direitos aos pobres. Vamos ter paciência, porque esse presidente só está governando há oito meses. Esse negócio de pobre ter tantos direitos tem de ser corrigido”.  

        Pasmei. “Como assim?!? Quer dizer que um governo, que começa cortando verbas da Educação e perdoando dívidas de poderosos fazendeiros e de bancos está no rumo certo?”. Foi quando eu me lembrei de Mark Twain e resolvi economizar minha saliva: 
        “Nunca discuta com um ignorante porque ele te rebaixará à ignorância dele e te vencerá pela experiência”.

     Voltei a olhar o mar que se descortinava, passando apressado pela vidraça, lembrei-me de um haikai do mano Mingo: "Na nuvem que passa passeia uma abelha pela vidraça". Em seguida, em Pablo Neruda: “Se nada nos salva da morte, que o amor nos salve da vida”. Ainda escutei, sem querer, o indivíduo alienado dizer conformado: “Quero ver se até o fim do ano eu saio do aluguel”.  Nem dei bolaE lá fora a chuva se intensificou, embaçando a visão da Ponta da Espia, onde nos meus tempos de criança, nessa época do ano, sempre estava alguém de prontidão a fazer sinais com as mãos e chapéu, avisando as esperanças dos pescadores que se dispunham a empurrar embarcações contra a arrebentação para cercar cardumes retardatários. Agosto era o mês de cachorro louco e das últimas tainhas encostando por aqui, no mar ubatubano.

            Será que um cachorro louco contagiou esse pobre coitado, “cheio de direitos” que dá dó? Não! Nem um cachorro louco iria tão fundo assim, se rebaixaria a tal ponto! E o que disse  a saudosa tia Izolina ao ver o "Já disse" babando e espumando no cisqueiro? "Eu tenho muita dó, mas não posso matar!".

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