Artes da minha Gal (Arquivo JRS) |
Embarquei
no ônibus anteontem bem tranquilo porque não estava lotado. Acho que a chuva
colaborou nisto. Quase no fundo, sentado sossegado, estava o Nico Júnior,
negro, pobre batalhador como a maioria deste Brasil. Não é caiçara; veio morar
em Ubatuba só pela sobrevivência (“porque
na minha terra a gente passava fome”). Hoje faz uns bicos de garçom, pinta
parede, desempenha alguma função em empresa terceirizada da prefeitura local
graças a um apadrinhamento. “Mudando a
gestão, o galho pode ser quebrado e se vai para o chão, né?”.
Como de
costume, uma prosa sempre vai bem. Não precisou muito para o tema da queimada
na Amazônia brasileira aparecer. Logo tasquei: “A coisa tá ruim, mas vai piorar! Imagine você que quase um terço da
Petrobras foi leiloada por um preço menor que a venda do hotel Copacabana
Palace, segundo apareceu na mídia!”. E ele, negro, pobre coitado que agora
está comprando “uns blocos para construir
em meio lote na Estufa”, retrucou: “Você
acha mesmo? Essas imagens são forjadas, de gente contrária ao atual governo.
São imagens falsas. Eu acho que daqui pra frente só vai melhorar. O que foi bem
ruim nestes últimos vinte anos foi dar muitos direitos aos pobres. Vamos ter
paciência, porque esse presidente só está governando há oito meses. Esse
negócio de pobre ter tantos direitos tem de ser corrigido”.
Pasmei. “Como assim?!? Quer dizer que um governo,
que começa cortando verbas da Educação e perdoando dívidas de poderosos
fazendeiros e de bancos está no rumo certo?”. Foi quando eu me lembrei de
Mark Twain e resolvi economizar minha saliva:
“Nunca discuta com um ignorante porque ele te rebaixará à ignorância
dele e te vencerá pela experiência”.
Voltei a olhar o mar que se descortinava, passando apressado pela vidraça, lembrei-me de um haikai do mano Mingo: "Na nuvem que passa passeia uma abelha pela vidraça". Em seguida, em Pablo Neruda: “Se nada nos
salva da morte, que o amor nos salve da vida”. Ainda escutei, sem querer, o
indivíduo alienado dizer conformado: “Quero
ver se até o fim do ano eu saio do aluguel”. Nem dei bola. E lá fora a chuva se
intensificou, embaçando a visão da Ponta da Espia, onde nos meus tempos de
criança, nessa época do ano, sempre estava alguém de prontidão a fazer sinais
com as mãos e chapéu, avisando as esperanças dos pescadores que se dispunham a
empurrar embarcações contra a arrebentação para cercar cardumes
retardatários. Agosto era o mês de cachorro louco e das últimas tainhas
encostando por aqui, no mar ubatubano.
Será que um
cachorro louco contagiou esse pobre coitado, “cheio de direitos” que dá dó?
Não! Nem um cachorro louco iria tão fundo assim, se rebaixaria a tal ponto! E o que disse a saudosa tia Izolina ao ver o "Já disse" babando e espumando no cisqueiro? "Eu tenho muita dó, mas não posso matar!".
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