Aproveito sempre o silêncio do dia
que começa para me recordar de muita gente boa, de pessoas que estão em outros
lugares: alguns próximos, outros distantes. Quantos dividiram comigo momentos
maravilhosos!?! Se ficaram na memória, é sinal que dividimos coisas do nosso
ser; que a nossa comunhão abriu caminhos neste mundo. Neste momento me lembro de
um trecho da música do caiçara Francisco Alves da Silva, o Chico Arves: “Companheiro me ajude/ que eu não posso
cantar só./ Eu sozinho canto bem,/ com você canto melhor”. E me recordo das
rodas de prosas dos caiçaras pelos jundus das praias. Nesta semana, mais um
desses proseadores nos deixou: trata-se do Luís Carlos, da praia do
Perequê-mirim. De acordo com a comadre Luzita: “Ele morreu pela falta do pai, pois desde que a mãe faleceu há muitos
anos, os dois viveram juntos. Agora, tem menos de um mês que o pai se foi. Ele perdeu
o companheiro de toda vida, não aguentou, morreu nesta madrugada”.
O Luís Carlos era quem
cuidava da praia do Perequê-mirim. Assim que o dia amanhecia, ele já estava
rastelando e carregando tudo aquilo que encalhava no lagamar: folhas, galhos,
lixo plástico, vidros etc. Fez isso por décadas. Assim, a areia continuava
agradável de se ver, convidativa para nossas caminhadas. Numa dessas ocasiões,
eu permaneci com ele e o Oliveira por mais de uma hora conversando no porto do Pedro Cabral, recordando de
tantas coisas da gente.
Testemunhar uma vida chegando a
este mundo é uma experiência maravilhosa! Maria Eugênia e Estevan são as nossas
realizações máximas, né Gal? Vovó Martinha, a parteira, contava detalhes
engraçados e/ou impressionantes: “Sinfrônio,
o Velho, sofria as mesmas dores da sua mulher Maria. Era como se ele também
estivesse esperando um filho naquela barriga murcha. Até vomitar vomitava o
coitado. Desde o Pulso até o Saco das Bananas não tinha quem não se
impressionasse com o sofrimento dos dois. Tudo se acabou quando eu peguei a
criança, numa madrugada de um domingo, numa época de tainha. Pai e mãe voltaram
ao normal, aquelas dores se foram, a criança cresceu, a vida continuou”. Creio
que os mesmos sintomas acompanham a perda
de uma vida. É, a vida é assim! As pessoas passam em nossas vidas, nós passamos
nas vidas das pessoas. Edirani Lopes assim se expressou: “Sinto saudades de pessoas que nem imaginam o tamanho da falta que me
fazem”. E, com certeza, cada
uma dessas pessoas deixou um pouco dela e levou um pouco de nós. Oliveira, o velho caiçara da Fortaleza,
naquela manhã de prosa no jundu, junto com o agora saudoso Luís Carlos, disse: “A vida continua. Eu sigo remando nela com a
minha canoa até que este corpo aguente ou que nenhuma tormenta me alague. Não
pretendo desembarcar tão já. Só presto atenção no rumo que vou tomando”.
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