Olha o Pico do Corcovado, gente! (Arquivo JRS) |
Somente uma vez eu fui no Sertão do
Corcovado (onde o Pico do Corcovado domina a visão), acompanhando a vovó
Eugênia, na casa de sua prima Izabel Ribeiro e do primo Jehú. Muitas outras vezes fui sozinho por lá. Aquele dia já
está distante, mas a história que escutei na casa da Tia Izabel ainda me vem em
detalhes.
“Eu nunca fui no Morro do Corcovado, onde a mocidade de hoje chamam de
pico. Também não tenho coragem. Muita gente, desde os mais antigos, diz ser um
lugar mal-assombrado. Cruz credo! Os meus finados contavam uma história assim:
naquele morro mora a alma de um preto desde o tempo da escravidão. Lá, após ser
chicoteado pelo fazendeiro ruim, ele se refugiou. Só se sabia que ainda estava
vivo porque, de vez em quando, ele descia para comprar alguma coisa que lhe
faltava. Não trazia dinheiro, pagava com ouro que trazia dentro de um gomo de
taquaruçu, despertando a cobiça de muita gente. Queriam saber de onde o preto
tirava ouro. Muitos tentaram seguir o preto, mas nunca ninguém conseguiu. Ele
desaparecia no mato. Muita gente ainda jura até hoje que, em noite de luar,
quando se avista toda a grimpa do morro, num ponto do paredão está uma figura
escura cantando entre assobios de flauta. Cruz credo!”. E as duas se benziam constantemente, como
se assim ficassem livres de algo ruim só de relembrar a lenda. Mas... ninguém
consegue se segurar diante de narrativas assim, né?!? É fantástico se arrepiar
com tais histórias! E a vovó, mesmo sabendo de cor e salteado, queria que eu
escutasse a Tia Izabel.
“Até o fazendeiro ruim, que tanto maltratou o preto, se aventurou com
alguns escravos naquele morro em busca da riqueza do preto, do tão cobiçado
ouro. De lá nunca mais voltou. Do tanto de escravos que seguiram com ele na
empreitada, somente um voltou assombrado. Depois de alguns dias conseguiu
soltar a fala. Disse que, quando já estavam quase em cima, no Morro do Corcovado, um
passarinho muito diferente chamou a atenção deles pela picada, onde o mato que
havia era só pés de candeia cheirosa. Lá, depois do lugar conhecido como
Sombreado, numa casa que parecia brilhar, estava o preto sentado num banco no
terreiro. Em volta dele, convivendo como se fosse uma só família, se encontrava
toda sorte de bichos e de aves. A visão fez com que todos perdessem a fala. Era
milagre. 'Só gente de coração bom vive desse modo, numa paz nunca vista. Creio que nunca hei de ver
nada parecido nesta vida. Do mesmo modo que chegamos fomos saindo. Nisso uma manada
de cateto apareceu mostrando os dentes e rosnando com muita raiva. No desespero
todo mundo se desembalou morro abaixo; foram se despencando nas grotas. Acho
que morreram todos a julgar pelos urubus voando nos dias seguintes por ali,
desde o Costão até o pé do Corcovado. Nem sei como escapei com vida. Eu
acredito que é milagre divino para, assim, a notícia ser dada para todo mundo' ”.
Pensei comigo: “É, deve ser mesmo".
O meu compadre Sérgio, visitador
regular do Pico do Corcovado, jura que, de fato, em noites claras, se escuta
mesmo um assobio fininho e uma melodia que é agradável, mas que não se entende
as palavras. “Nessas ocasiões, compadre,
nenhum barulho se escuta no mato. Nenhuma bulha mesmo! Parece que tudo se cala
para poder escutar a toada, a música que parece escapulir da greta da pedra. A gente fica encantada. Precisa ver!”.
Na próxima vez que você apreciar a visão da serra, tente se lembrar
dessa história que é do Morro do Corcovado.
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