segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

EXERCÍCIO DE AUTOCRÍTICA

Líquen vermelho no jundu da Praia da Lagoa (Arquivo JRS)

            Desenvolver e manter uma postura ideológica inclui inúmeras considerações que aqui, livremente, ouso colocá-la sob a palavra autocrítica.
            Quando alguém, a respeito da produção científica para as comunidades, questionou e me pediu exemplos (“O que fizeram por nós”), imediatamente eu pensei em casos/estudos próximos, onde a ciência provou por A+B o que era mais correto e viável, mas que não se realizou por estar na dependência da política. De acordo com o amigo Peter, isso porque “a política funciona através de uma lógica burra, aquela do interesse próprio, do corporativismo e da propina”. Ou seja, a ciência depende da política para ser implementada. Nesta atitude, é o caso das pesquisas no município de Ubatuba na área da pesca, do cultivo de algas, dos mexilhões, das técnicas  agrícolas, da sustentabilidade em torno de produtos locais etc. Elas provaram serem viáveis, mas seguem na mínima consideração ou foram abandonadas pelos governantes. E o que dizer das contribuições das pesquisas realizadas pelas décadas na Estação Experimental do Horto? Agora, é desolador ver a ruína que ali vai se estabelecendo.

            Apelei, então, ao citado amigo porque é alguém que está a todo vapor em suas pesquisas pela Universidade de São Paulo (USP- Nupaub), com toda a bagagem atualizada. Aos desinformados, ele está na base da Associação dos Pescadores da Enseada, no cultivo de mexilhões da região, na Oficina de Canoeiros, no Glossário Caiçara de Ubatuba e outras iniciativas que muito me orgulha. Desde já eu agradeço ao Peter Santos Németh.
            “O primeiro e mais importante exemplo é o próprio texto da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) que entrou no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Esse texto foi construído aqui dentro do Nupaub (Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras) e se transformou em lei, mas aí pra fazer valer ou implementar, tem a política”.
            “Alguns idealistas da academia, também não aceitam passar para ‘o outro lado’, o do dinheiro das consultorias, e trabalham a fim de empoderar as comunidades tradicionais. Exemplo: antropólogos a fazer laudos antropológicos para as comunidades quilombolas de todo o Brasil, e desse modo garantindo o direito à terra para essas comunidades, ele já conseguiu várias vitórias”.
            “E tem também nossos textos acadêmicos, como na enciclopédia caiçara, que pelo menos dão base de sustentação científica para as reivindicações das comunidades, mas novamente esbarramos na política. Existem também as convenções internacionais, construídas dentro de um universo híbrido politico-científico, como a 169 da OIT”.

            A Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, cuja missão é promover o acesso de todos a um trabalho decente e produtivo para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável) é um instrumento para a inclusão social. No caso da América Latina, são 40 milhões de pessoas que estão esquecidas no caminho ao desenvolvimento.
            A Convenção 169 contempla assuntos relacionados à representatividade dos povos indígenas, a institucionalidade do Estado, a territorialidade, o acesso à educação e às condições de emprego, formação profissional e seguridade social dos indígenas. E quem está fornecendo as pesquisas, as hipóteses comprovadas, as teses aprovadas? É lógico que são contribuições dos muitos trabalhos científicos! E no litoral, no espaço caiçara, apesar de muitos pesquisadores, ainda há muito espaço e temas que ainda nem foram cogitados! Tive o prazer de ver no CEEJA (Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos, na Praia do Massaguaçu, Caraguatatuba), no ano passado, a formatura no Ensino Médio, do jovem Marcos, da Aldeia Renascer (Corcovado). Outros seguem o caminho dos estudos e prometem novos pontos de referência neste espaço caiçara. Oxalá!


            É sempre tempo de autocrítica para não se descuidar de uma postura ideológica de que a luta é pela vida. A propósito: o líquen vermelho, na fotografia que escolhi para este texto, é bioindicador de pureza atmosférica. Ele está espalhado pela mata preservada do jundu, na Praia da Lagoa. Foi o empenho de pesquisadores que deu esta comprovação científica. Cabe a nós não deixar uma orientação política dominada pela ganância detonar tudo, destruir a nossa riqueza ambiental e cultural.

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