Ruth Previati; seja bem-vinda ao coisasdecaicara!
A casa da vovó era imensa porque
eu era pequeno. Naquele tempo quarto era chamado de camarinha, com seus varais onde peças de
roupas eram dispostas. Na camarinha maior, perto da cama da Tia Maria, as paredes eram
repletas de fotografias em páginas de revistas: eram atores, atrizes, cantoras
e cantores que faziam sucesso na época. “Todos tão lindos!”. Na camarinha
pequena dormia o Tio João, mas de lá migrou depois da morte do Tio Clemente.
“Coitado dele! Ficou muito impressionado! Agora tem medo de dormir sozinho!”.
Na terceira camarinha dormia vovô e vovó, em camas separadas de acordo com o
costume dos mouros (vovô era de cepa Mesquita). O único guarda roupas da casa,
que tinha até espelho na porta, ficava nessa camarinha.
Na cozinha tudo era maravilhoso:
o fogão ornamentado pelos fiapos de
picumã desde as ripas de jiçara, a barrica de farinha de mandioca, a gamela de
peixe sapresado, os balaios de peixe seco, a caixa de sal grosso, o caldeirão
pendurado no caibro para ficar bem longe das formigas, a grande mesa e seus
bancos que nos reunia a cada refeição ou nos momentos da faina da vovó
(torrando café, escolhendo feijão na peneira, preparando doce de mamão...), o
pilão que sempre transformava milho em pixé, as prateleiras onde, entre poucas
peças, tinha destaque as canecas de ágata e dois ou três tigelões de louça, um socador de feijão etc.
Entre a cozinha e a sala ficava
um corredor, onde estavam de pé, encostadas, as esteiras de taboa. Ali também
ficavam as roupas de trabalho, as botas de borracha, algumas ferramentas, os
balaios de café seco que eram transformados em pó no decorrer do ano. Era um bom lugar para
nós brincarmos de esconde-esconde.
“Que sala tão grande, né mãe?”.
Que fantástica aquela sala! Era o único cômodo de piso cimentado; os demais era chão batido. Existia um lampião que tinha camisa acendida por pouco tempo a cada
anoitecer. Outra coisa fantástica era um grande rádio de pilha que somente o
vovô ligava. Nas madrugadas acordávamos embalado pelas músicas sertanejas de raiz. Também fazíamos silêncio nos momentos dos
noticiários. Na verdade, esse aparelho era bem dizer reverenciado. A antena,
capaz de captar até mensagens da Rússia e do Japão pelas ondas curtas, se
assemelhava a um varal de arame sobre a cumeeira da casa. Foi naquela época que
eu percebi, alertado pelo Tio Marcelino, uns sinais diferentes durante as
programações. De acordo com esse tio que apenas passava um mês conosco, porque
era funcionário da COSIPA (Companhia Siderúrgica Paulista), na Baixada Santista, aqueles estalos de intensidades
diferentes faziam parte de uma mensagem. Era um tal de código Morse. Numa noite
ele até decifrou a possível mensagem: “chegando costeira maré seca japonês saquinho
manso pescando”. Eu só pude dizer: “Que
maravilha, né titio? Essa gente do estrangeiro inventa cada coisa!”
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