Canto do Camaroeiro - Caraguá - na maré baixa (Arquivo JRS) |
Eu e meus irmãos fomos
privilegiados por termos vividos em comunidades pequenas, onde o conceito de
família caiçara era mais abrangente e todos se sentiam no dever de contribuir com
a nossa educação, de nos corrigir quando era necessário. Nossos pais nem
precisavam ser notificados dessas correções/lições rotineiras.
Quando os caiçaras mais velhos
recomendavam atenção (“bote reparo”), era para entender que algo precisava ser
corrigido, revisto em vista de um viver coletivo. Pensar no outro ainda é componente
da nossa identidade.
E hoje...
Todos se sentem inconformados
com os grandes escândalos divulgados nas mídias, mas poucos se atém aos
pequenos deslizes e corrupções que preenchem o nosso cotidiano. Os infratores
até chegam ao cúmulo de se fazerem de vítimas e de se acharem nos seus direitos.
Um exemplo: há algum tempo, já
tem mais de um ano, escutei seguidamente
um canto de passarinho que vinha da minha calçada. Sei que não é normal isso,
sobretudo onde tem sempre gente circulando. Saí para ver e constatei a minha
desconfiança: um vizinho se achou no direito de pendurar a gaiola no meu
canteiro, no galho de resedá (ou minerva). Imediatamente eu pedi que a retirasse.
“Eu não admito isso. Vai fazer o que você quiser no seu espaço”.
Nesta semana que passou, depois
de muito tempo, novamente a coisa se repetiu. De novo eu chamei o autor e pedi
que retirasse a gaiola. Agora, preste atenção à sua fala: “Ó, me desculpe, eu
não sabia que estava atrapalhando”.
É lógico que está! Está porque sou
eu quem cuida e quem paga pelo espaço da
calçada. Está porque foi reincidência, que já sabia que eu não compactuo com
pássaros engaiolados. Está porque nem sequer imaginou, nem aprendeu que
precisava solicitar o uso de espaço que não é dele. Na verdade, as árvores que mantenho na
calçada, são símbolos de resistência após tantos passantes que as maltratam no
cotidiano, enquanto que a minha intenção ao plantá-las para oferecer sombras e
flores a todos. Ainda bem que tem muita gente a reconhecer isso! Está
desculpado quem não foi ensinado,
principalmente pelos pais, a respeitar o espaço alheio. Mas que não se repita
essas pequenas corrupções. Está desculpado quem não teve uma comunidade, uma cultura estabelecida para seguir a recomendação de "botar reparo". Coitado daqueles que estão ao sabor da indústria cultural!
São essas “pequenas corrupções”
que me causam maior insatisfação moral. Então está certo o Walcyr Carrasco ao
dizer que “a corrupção maior é apenas a expressão de um tipo de vida que
achamos até normal”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário