segunda-feira, 30 de março de 2015

CAUSO DO FIDÊNCIO

               
Coleção "Meus azulejos" (Arquivo JRS)

           Olá, Mércio! Bem-vindo ao blog!


                O Fidêncio é o caiçara mais velho da nossa terra. Mora ali no Sertão da Quina. De acordo com a pesquisa do primo Ezequiel, ele nasceu em 1907. “Meu Deus! Antes da fundação do Corinthians, antes da Revolução Russa, antes da Primeira Guerra Mundial, antes da bomba atômica, antes de se sonhar com rodovias nestas terras ubatubanas!”.
                O Fidêncio está bem, tem uma memória incrível. A sua esposa também centenária, está no mesmo pique. É assombroso! O Tio Dito semanalmente visita o casal de idosos. É ele quem nos reconta  esta história:

                “O Fidêncio está muito bem. Impressionante a sua postura durante cada conversa! No sábado passado ele contou de uma ocasião em que saiu para uma pescaria de canoa, ali mesmo, entre a praia e a Ilha da Maranduba.
                Antes de ir ao pesqueiro, ao lugar onde sempre está garantido bons peixes, ele passou o puçá para pegar camarão (isca). Naquele dia estava fraco de camarão; somente oito ou dez camarões estavam na cuia, no fundo da canoa,  após várias puxadas de puçá.  Mesmo assim ele não desistiu da pescaria. A primeira fisgada foi de um cação ‘joão dias’ ou cação-torrador (Mustelus canis).
                O cação denominado ‘joão dias’ era abundante por aqui; se parecia com um tubarão em miniatura, curto (um metro) e grosso. Só que era mansinho e cobiçado na culinária caiçara.  A gente pescava muito deles no perau do Porto do Eixo. Ah uma caldeirada de cação cozido com alfavaca!
                Após tirar o cação do anzol, novamente o Fidêncio iscou e lançou a linhada a prumo, na borda da canoa. De repente, notou que bem discretamente o cação, se arrastando pelo fundo da canoa, passou por debaixo do banco e foi em direção à popa. Ao perceber que tinha outro peixe querendo pegar na  isca, ele se concentrou. Escutou um roc-roc-roc na popa, mas não se importou. Logo veio se debatendo uma embetara. Bonita mesmo!

                Ao tirar a embetara do anzol e se virar para pegar outro camarão, aí ele soube o que era aquele roc-roc-roc. O cação, que tinha passado por entre as suas pernas, estava interessado na cuia de camarões. Comeu tudo. Aquele barulho era dele raspando os beiços na cuia. O jeito foi voltar para casa porque,  a isca que era pouca,  foi comida pelo esperto cação”.

terça-feira, 24 de março de 2015

EDUCAR BEM, EDUCAR SEMPRE.



O blog te acolhe Fabíola Moraes!

        O Celso, sempre atento aos rumos da cidade de Ubatuba, nos apresenta aquilo que sempre insistimos com a juventude: estudar, estudar e estudar bem. Só uma boa educação é capaz de redirecionar qualquer sociedade.

Gera preocupação o futuro dos jovens ubatubenses.
Afinal, quais as perspectivas de trabalho que têm?
O comércio local, a hotelaria, os prestadores de serviços, absorvem uma pequena parte desta demanda. 
Várias famílias, também, conseguem criar condições para que seus filhos consolidem suas atividades profissionais em cidades mais promissoras.
A questão principal é que a maioria da juventude não dispõe desta retaguarda.
Voltando à nossa iniciativa privada, pergunto, ela é pujante?
Alguns segmentos, sem dúvida, estão consolidados.
Mas, novamente, reflito sobre a maioria.
Geralmente, são pequenas empresas com limitado poder de investimento e que resistem a contratações.
Sabem dos riscos que a legislação trabalhista embute.
E os serviços públicos?
Geram empregos, através de concursos ou acordos políticos.
Não proporcionam, porém, uma diversidade de possibilidades profissionais.
Uma saída para este cenário nebuloso seria oferecer aos nossos jovens uma excelente formação nos ensinos fundamental, médio e técnico.
Esta base educacional representaria a possibilidade de evolução, afinal, pelo país afora, há vagas no mercado de trabalho para gente preparada.
Sem falar na possibilidade de uma carreira acadêmica, disputando vagas nas melhores universidades.
Há diversos programas que oferecem bolsas de estudos integrais para os menos favorecidos.
É necessário, porém, ter uma boa formação para conquistá-las.
Pois é, meus amigos...
No melhor cenário, garantir capacitação de alto nível para nossos jovens poderia, finalmente, atrair empreendedores para o município.
Eles teriam a certeza de encontrar por aqui mão de obra qualificada.
O tempo passa e a velha e boa fórmula para uma vida mais promissora ainda é pouco aplicada.
Educação de qualidade é a saída para a estagnação.
Janela magnífica para o progresso e a liberdade.

 Fonte: http://letrasdocelso.blogspot.com.br/

sábado, 21 de março de 2015

CLARO QUE ME LEMBRO!

Ubatuba, a cidade na primeira metade do século XX. Detalhe: a casa do Padre João  (Arquivo histórico)

                Do barco do padre? Claro que me lembro, Iolanda! Era a década de 1960 que estava no fim, quando eu via o Tio Nelson e o Tio Salvador fazendo daquele barco a casa deles. Eu adorava ficar nele quando estava fundeado nas águas da Fortaleza, a praia onde morávamos. Achava fantástico aquele porão que parecia o interior de uma casinha. Acho que dormi ali algumas vezes. O nome do barco? Maria Silla, em decorrência de uma ação de filantropia. Era assim que o Frei Pio conseguia os recursos para as suas ações sociais junto ao povo caiçara. Jovens italianos e locais (Agostinho, Anita, Serafina, Franca, Aristeu...) vieram prestar seus trabalhos voluntários e marcar nossas comunidades. Ele atendia todas as comunidades das praias do lado norte do município. Também atendia as ilhas, onde os trabalhos da ASEL (Ação Social Estrela do Litoral) eram de muita valia. Havia ainda bases de atendimento na Praia da Ponta Aguda e no Sertão da Quina, na porção sul.
                Antes do Frei Pio, na década de 1930, outro religioso, vendo a realidade carente dos pescadores-roceiros, encabeçou ações semelhantes. Era o Padre João (Johannes Beill), o alemão. Na sua casa funcionava uma fábrica de tamancos e de beneficiamento de madeira (caxeta) para a fabricação de lápis. Ele também tinha um barco, fomentou a construção de capelas nas diversas praias e criou a escola de pesca na Ilhabela. A casa paroquial daquele tempo, ainda com características da arquitetura alemã, continua na Avenida Iperoig, em Ubatuba. É onde hoje funciona uma sorveteria, mas pertence à Paróquia Exaltação da Santa Cruz. Está alugada.  Infelizmente, a eclosão da Segunda Guerra Mundial ocasionou a política de afastamento das áreas costeiras dos imigrantes alemães, japoneses e outros. O medo das autoridades era que, por serem compatriotas, dessem apoio aos aliados do Eixo em caso de desembarque em terras brasileiras.

                Tantas histórias... Tanta gente que foi e é solidária com o meu povo!
                 Ah! Agradeço ao Odaury e outros da nossa terra que vão postando as imagens inspiradoras. Grande abraço!

quinta-feira, 19 de março de 2015

SABEDORIA NO JUNDU

Eu, Oliveira e Elias: prosa boa demais! (Arquivo JRS)

                Após quatro horas no Caminho de Servidão (trilha) desde a Praia da Lagoinha até a Praia da Fortaleza, passando pelo Cedro e pela Ponta, apreciando o Mar Virado e as límpidas águas esverdeadas, nós (eu, Jorge, Estevan, Solange e Elias) visitamos rapidamente o Ditinho do Dário e a Tia Ana. Em seguida, dispondo de tempo, fomos até o jundu, no Porto do Cáindo. E aí aconteceu uma boa surpresa: lá estava o Velho Oliveira.
                O Velho Oliveira agora está entre os caiçaras mais antigos do nosso povo. “Eu nasci em 18 de fevereiro de 1925”. Os da sua geração, ao menos nessa região, já se foram.  Meu avô (Zé Armiro) era um desses companheiros. Quantas vezes eu presenciei os dois nas puxadas de rede, nas prosas dos serões no jundu e nos roçados! Meu avô dizia que os dois estudaram juntos, quando crianças ainda. Agora, duas histórias vividas por eles e contadas por vovô:
                “Numa aula, no tempo em que na sala da casa do Tio João Bento servia de classe de ensino, a professora, após uma  explicação em torno da Pátria, de civismo e temas afins, perguntou ao Oliveira:
                - Oliveira, quem é a Pátria?
                - A Pátria é a nossa mãe, professora.
                - Muito bem, Oliveira!
                Percebendo que o Dito Silidônio estava distraído, olhando para um bando de periquitos no ingazeiro do terreiro, a professora repetiu a questão ao mesmo:
                - Silidônio: quem é a Pátria?
                - Esta é fácil, professora! A Pátria é a mãe do Oliveira!
                Naquele instante o Oliveira se voltou para o colega e disse muito bravo:
                - Você pare com isso, Dito Silidônio. Eu não admito que ninguém fale da minha mãe.
                E o bate-boca ainda rendeu uns tabefes a torto e direito. Coitada da professora”.
              A outra situação, segundo o meu avô, “aconteceu quando já eram adultos e carregavam um defunto para ser enterrado na cidade. Nesse tempo, devido ao avanço do mar, o cemitério da Praia Vermelha foi desativado. “Nas marés cheias a água começou a mostrar os ossos”. A solução era levar na rede o defunto ao cemitério do centro da cidade. Em ocasião assim, geralmente os carregadores se revezavam entre os cabos da madeira que sustentavam o falecido e um garrafão de cachaça. Só assim para cumprir tal tarefa.  Ao passar na entrada da cidade, depois de vencida a distância até o Morro da Berta, apareceu a casa do primeiro morador. E aí veio a pergunta:
              - Quem morreu?
              O Oliveira, que naquele momento revezava com o Dito Silidônio, respondeu:
              - Foi o Dito Silidônio, coitado! Era tão novo!
              Aí o defunto foi ao chão, e o Silidônio se atracando  aos berros com o Oliveira:
             - Eu não, seu filho da mãe. Não tá vendo que estou aqui, carregando o finado Tio Onofre?
             E mais uma vez os dois se estapearam enquanto os demais riam à vontade. Mas todos eram muito amigos e assim continuaram até nesses  dias”.

             Ah! Quantas recordações e como é bom escutar o Velho Oliveira!

terça-feira, 17 de março de 2015

BANANA

E no Caminho de Servidão... deliciosas bananas para nos animar.   (Arquivo JRS)

O Odaury Carneiro postou esta poesia para o nosso deleite, mas não sei se é de sua autoria. Tá valendo!
Viva a banana essa fruta tão essencial ao povo caiçara!


..Era uma vez 

Uma BANANA pirada,


Que não queria ficar no cacho


O dia todo pendurada.


- Eu acho 


Que vou para floresta,


Pra não virar bananada!


Vivia reclamando


A banana enfezada.


Um dia,


Fugiu a danada,


Pulando pra tudo


Que é lado,


Sem ligar pra nada,


Pulou, pulou


Ficou toda suada


- Vou tirar a casca


E ficar pelada!


Assim pensou


A banana enjoada


Tirou, tirou, tirou


Ficou tão branquinha


Tão gostosa


Que acabou


Rainha da macacada

quarta-feira, 11 de março de 2015

PARCERIAS

 Parcerias.....do mano Mingo.

images (1)
Pescar com rede,
barrear uma casa,
fornear farinha,
dançar o rastapé,
amanhar a terra,
fazer um churrasco,
tirar música do pinho,
tecer a vida
não dá pra fazer sozinho.
Criar os filhos,
remar a canoa,
construir uma ponte,
unir os opostos,
enfrentar perigos
e fazer o impossível:
sem querer dar bandeira,
viver é verbo transitivo

terça-feira, 10 de março de 2015

AS FRANCISCANAS EM CARAVANAS

Frei Pio, alguns caiçarinhas, Maria, Iolanda, Antônia e outras religiosas, na escola da Almada. (Arquivo Iolanda)
       Que felicidade em receber o texto e as fotos da Irmã Iolanda! É inegável a importância do trabalho das religiosas Franciscanas Missionárias de Assis (FMA) no nosso município! Sinto-me honrado em publicar a todos este material. Agradeço de coração!

“Caravanas” de 1970 a 1974

Nos anos de 1970 a 1974, durante as férias escolares de julho e janeiro, nós Irmãs Franciscanas Missionárias de Assis (que dávamos aulas) e mais alguns leigos que se dispunham, tirávamos de 18 a 20 dias, para ir a Ubatuba fazer uma espécie de missão com os caiçaras e pessoas do sertão de Ubatumirim.
Na época ainda não havia a estrada Rio-Santos. Aquele povo das praias e do sertão plantava mandioca, colhia, ralava e fazia farinha com grande sacrifício, inclusive, ‘lutando’ contra a “imundície” como chamavam a formiga saúva, que muitas vezes devastava as plantações. Quando conseguiam fazer a farinha, ensacavam-na para ir vendê-la na cidade. Este era outro grande sacrifício, porque tinham de ir a pé com o saco de farinha nas costas, atravessando praias e morros.
O padre Frei Pio Populin, franciscano, grande missionário de Ubatuba por mais de 30 anos, idealizou um barco que pudesse transportar o povo das praias e do sertão, para ir vender seus produtos na cidade, seja a farinha, como também artesanatos que muitos faziam de madeira ou palha, ou para irem a médicos, etc. Esse barco, construído pelo (na época frei Odorico) foi uma bênção para o povo. Os “timoneiros” eram os conhecidos Salvador e Nelson. E era do barco que também nós nos servíamos para chegar à praia Ubatumirim. Que medinho quando estava em alto mar! A travessia durava aproximadamente duas horas. Quando víamos ondas muito altas e fortes, olhávamos o rosto do Salvador para ver se estava preocupado ou tranquilo. Se estava tranquilo, também nós nos acalmávamos. Descíamos em Ubatumirim, e,  divididas em equipes,  uma equipe ia a pé para o sertão, outra atravessando um rio e depois um morro para a praia Almada e cada equipe durante o dia fazia visitas às famílias, levando uma boa palavra de amizade, um incentivo, uma bênção de Deus.  Muitas vezes comíamos o que nos ofereciam com tanto carinho aquilo que tinham: bananas, farinha doce, café com beiju: que gostoso! À noite, eram eles que vinham ali nas escolas onde ficávamos hospedadas para dormir e guardar nossas coisinhas. Então, pequenas catequeses, orações e depois brincadeiras, cantos com viola ou violão, e até “arrasta-pé”! Ô tempinho bom foi aquele! A última caravana foi em 1974 quando a Rio-Santos já estava adiantada e havia chegado até Ubatuba e mais para frente e logo não foi mais necessário o barco, porque os ônibus o substituíram. Ótimo! Porém, como sempre, ao lado do que é bom, o progresso traz também o que é ruim. Pelo fato de as praias de Ubatuba ser lindíssimas, aqueles que tinham e tem dinheiro, começaram a comprar os locais onde os caiçaras tinham suas casinhas simples, para construir seus casarões. E assim os caiçaras foram sendo empurrados para outros lugares mais isolados, ou não sei dizer para onde.
O fato é que a partir daí tudo mudou. E agora, Almada e outras praias por ali já são dos turistas.
            Envio algumas fotos desse belo tempo das inesquecíveis caravanas, que gostávamos tanto. As irmãs que sempre iam: Ir. Clara, Ir. Antonia, Ir. Maria, Ir. Redenta,Ir. Iolanda, e umas ou outras pessoas ou irmãs, uma ou duas vezes.


            Com saudade deste tempo   Ir. Iolanda

segunda-feira, 9 de março de 2015

DE ONDE VEM A CHUVA?

Bica da Maria Bidu (entre Grande do Bonete e Fortaleza)
Bica do Tio Lindo (na Praia  do Cedro)

                Em outras ocasiões eu já comentei do regime chuvoso de outros tempos no nosso município de Ubatuba. O normal era ter muita água no ano todo, os córregos estavam sempre correndo e eram piscosos. Quando essas águas límpidas passavam pelos terreiros, era a alegria da criação, principalmente dos patos. Dificilmente se via um lugar  – praia, sertão ou bairro – que não tivesse sua vargem, sua área alagada que fornecia taboa, junco, caxeta, traíras, acarás, bagres etc. para o nosso viver, para a nossa existência cultural.
                Pelos caminhos abundavam olhos d’águas, onde saciávamos a sede. Era água cristalina a brotar entre sapê, nos bananais e nos aceiros das roças. Quantos camarões (cafula, tamanqueira, vadio, lagosta listrada etc.) a gente perseguia nesses regatos!?! O Nhonhô Armiro, tomando um caminho na restinga, andava até uma bica e enchia mais de uma vez por dia a sua talha de barro que ficava num canto da cozinha. Eu, criança ainda, mesmo sem sede, toda vez que passava pela sua casa, fazia questão de pegar a caneca de ágata e tomar um gostoso gole daquela água sempre fresca. Dele ouvi pela primeira vez: “A água é a nossa melhor bebida, menino!”.
                Por estes dias, lendo um texto do Antonio Donato Nobre, um renomado pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, me  recordei dos cuidados do Nhonhô com a água nossa de cada dia. “Não quero, crianças, que vocês fiquem passando pela grota da bica. Entenderam?”. O assunto era a água, a ausência de chuvas que está assustando muita gente. De acordo com esse cientista, “a não chegada da umidade amazônica é uma das causas da forte seca na Região Sudeste. O que sustenta esta afirmação é o conteúdo de 200 trabalhos científicos publicados nas melhores revistas científicas”. E continua: “É vital fazer com que os fatos científicos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na geração do clima inóspito cheguem à sociedade e tornem-se conhecimento corrente”.
                O que este cientista disse reforça o que escrevi em outras ocasiões: o modelo dominante de agricultura, de pecuária e de silvicultura (pinus, eucalipto, seringueira...) praticado no país precisa ser revisto. Senão... de que adiantará supersafras, recordes na produção de celulose, de borracha etc. se não houver chuva suficiente para as regiões produtoras?
                Há um déficit de cobertura vegetal e as queimadas estão crescendo no Brasil. Não se forma umidade suficiente em mato ralo, em pastagens e canaviais. Ainda existe o agravante das ilhas de calor - nas cidades e zonas industrializadas -  que impedem a chegada de massas úmidas de outros pontos mais distantes. O resultado só pode ser este: a crise hídrica medonha.
                Por etapa, caso pudesse determinar em lei, eu faria o seguinte: primeiro revisaria o desmatamento desregrado. Depois, retomaria as margens dos rios para garantir o máximo de mata ciliar. Isto a gente pode fazer em nossa cidade!
                Também podemos acusar os destruidores dos nossos rios. São atos criminosos, ainda mais agravantes em tempo de rios secando. Trata-se de incoerência de governos, incoerência de turistas e incoerência de moradores que não valorizam a riqueza da nossa terra.

                Naquele tempo não tão distante, sentado no banquinho da cozinha do Nhonhô Armiro, lá na Praia da Fortaleza, a fala era esta: “Preste reparo no que vou dizer, menino: a chuva vem da água que sobe pro céu. E de onde ela sobe? Sobe das águas que  tem aqui em baixo. Por isso carece de muito zelo tudo isso”. E continuava a lição que se repetiu por tantas ocasiões. Eu aprendi assim.

sábado, 7 de março de 2015

IGARA AÇU

Élvio, Carneirinho, José Ronaldo e Higino (Arquivo JRS)


Igara Açu, a grande canoa  (Arquivo Carneirinho) 


                                O blog te acolhe, MS Alice Santos!


               O Carneirinho tem um impressionante projeto em mente: realizar, na Igara Açu, a viagem pela costa paulista, desde Ubatuba até Cananeia. O motivo? Foi desta cidade, no litoral sul paulista, que há mais de 60 anos, o seu pai saiu em busca de outras oportunidades. Veio parar em Ubatuba. Os detalhes nós aguardamos em um texto preparado pelo dono da canoa e herdeiro dessa história. Por enquanto vamos apreciar a poesia que ele escreveu para participar de uma competição de poesia promovida pela FUNDART, em Ubatuba. Era o Concurso de Poesia Idalina Graça, em 2002.


          Com vocês, Carneiro Xavier e a descrição da ação do escultor de canoa na floresta e a reflexão da árvore, futura canoa.

IGARA AÇU CANOA

No mato embrenhado de cenho cerrado,
De frente ao achado, surpreso, espantado!
Os olhos brilharam e um sorriso brotou.
A vida que é minha a ele foi dada,
No calejo da mão por instante afagada.
Bandos abriguei, muitos acolhi,
Quantos alimentei e também escondi.
De mim tomou posse, findo meu destino.
O machado cortante, o talho fazia...
A cada batida que desferia.
Tirava-me a vida, me enfraquecia.
Ofegante cantava, a seiva escorria e o cavaco subia,
O golpe fatal! Um rangido tirou.
No chão estirada, já desgalhada um suspiro soltou.
De novo o machado!
Com o dedo tirava o suor que escorria.
Por palmo medido a enxó desferia,
Lavrando meu tronco, meu destino fazia.
Aragem constante da noite sombria,
Traga de volta a minha alegria.
Aquele que veio, um novo traçou.
Frondosa que fui, transposta aqui estou.
Mão que esculpe!
Canoa por fim sou.
“Presto aqui, minha homenagem à árvore, ao escultor, à canoa e ao canoeiro”.

quinta-feira, 5 de março de 2015

SÓ PRA EMPRESTAR PRA VOCÊ

Entre a serra e o mar... o caiçara.
Uma raposa (ou gambá).                                  (Imagem compartilhada na rede)
Tio Maneco Armiro e sua rabeca; Otávio e seu tambor. (Arquivo histórico)

                Prosas gostosas acontecem quando eu me encontro com pessoas queridas, que guardam boas lembranças das coisas de caiçaras. Hoje, ao comemorar o quarto aniversário do blog, me dispus a escrever a respeito de um cumbu. Quem me ajudou nisso foi o Tio Nelson, com sua invejável memória.

                Um cumbu, só para informar aos de fora do contexto, é uma armadilha feita a partir de uma caixa de madeira. Atraído por uma isca de banana bem madura no fundo da caixa, uma tampa é desarmada e prende o bicho. É o recurso nosso para capturar raposa, também chamado de gambá, que é um marsupial (carrega os filhotes numa bolsa que tem na barriga, tal como os cangurus). Na nossa região tem muitas raposas. Elas vivem bem nas matas e nas cidades, onde buscam comida nas lixeiras. De vez em sempre a gente encontra desses animais mortos nas estradas, devido aos faróis dos carros que lhes ofuscam a visão. Porém, na mata eles são muito espertos e ligeiros.
                Os caiçaras sempre se alimentaram desses animais nos meses de maio e junho. É a época propícia, quando estão bem gordas. Depois de junho, o meu povo, respeitando os ciclos da natureza, não caça mais esse animal porque já é o período do cio, quando novas vidas são geradas. Assim se renova a natureza, né?
                Neste tema, o Tio Nelson me contou o seguinte:

                Numa certa época, na casa do Tio Maneco Armiro apareceu uma raposa muito esperta, que conseguia escapar dos cachorros e das armadilhas mais simples. A solução foi ele ir na casa do meu Avô Armiro e emprestar o cumbu. [Os dois eram irmãos].
                O cumbu do meu avô, assim como tudo que ele tinha, era motivo de muito zelo, ficava bem guardado, longe de qualquer umidade. Era ciumento com as suas coisas. Só de vez em quando, na época da raposa, quando queria degustar da cobiçada carne, ele o armava por ali mesmo, não muito longe do terreiro. Porém, era característica dele não se importar muito em caçar raposa. Por isso o cumbu passava muito tempo sem uso, sempre parecendo novinho.
                Após o cumbu ter serventia para o Tio Maneco, ele foi devolvido. Ao arriar o cumbu no chão, o Vovô Armiro fez uma vistoria para ver se estava limpo e se não tinha nada de anormal. Era o sistema dele ser muito correto e exigir o mesmo das pessoas. Nessa hora o Tio Maneco perguntou:
                 - Por que você não dá o cumbu pra mim?
                - Não, nem pensar numa coisa dessa. Eu não darei o cumbu pra você.
                - Mas você quase não usa ele. Por que você não me dá? Pra que você quer um cumbu?
            - Porque eu preciso dele para emprestar pra você, Maneco.

                  Assim estava encerrada a conversa. Gostou, papudo?!?

           Ah! A minha saudosa mãe era capaz de brigar por um pedaço de carne de raposa frita. Era parte de seu ritual anual degustar essa iguaria. 
                 


terça-feira, 3 de março de 2015

MUSICALIDADE CAIÇARA


Meu povo da Praia Grande do Bonete (Arquivo JRS)

                A década de 1980 terminou com um belo trabalho da Kilza Setti sob o título de Ubatuba nos cantos das praias. Foi o seu doutoramento em Antropologia Social.  Após 35 anos, vale a pena reler os detalhes desse trabalho, ver as fotografias e as conclusões da autora que percebeu o quanto alguns fatores alteravam a cultura caiçara. Em especial, transcrevo o capítulo nomeado de Produção e destruição da música caiçara. Ah! Quem quiser pode conferir o seu arquivo doado para a Fundart, em Ubatuba.

                De todo o elenco de componentes diluidores do sistema sociocultural da vida caiçara em Ubatuba, um fato deve ser destacado aqui como diretamente relacionado com o tema desse trabalho. Trata-se da ação do protestantismo como agente destruidor do fazer musical caiçara. Em primeiro lugar, o impedimento do culto aos santos elimina a possibilidade da prática musical ligada aos antigos santos da devoção. Já se falou anteriormente da importância do culto aos santos, na medida em que  resulta, de um modo ou de outro, na produção da música. Se o fiel, porém, aceita a ideia de que não há mais devoção possível, estão esterilizadas as principais fontes de produção musical.
                Se, de outro lado, se quiser considerar a atividade musical profana como virtual válvula de escape, também ao crente está vedada esta saída, pois a adesão ao protestantismo exige uma renúncia total. “O conceito de ‘mundanismo’ está intimamente relacionado com muitos dos valores negativos adotados pelo grupo (...) Em geral é mundano tudo aquilo que é não-cristão’, isto é, não-protestante”. Festas, funções, encontros musicais, danças, cantorias, bate-pés, são consideradas atividades  “mundanas”, portanto, proibidas. Há, pois, uma quebra dos encantos da vida. Os depoimentos recolhidos dos músicos praticantes e dos apreciadores de música revelam total desprezo pelos dogmas e preceitos protestantes. Referem-se aos crentes com indivíduos acabados para a vida:
                “_ O Dito não toca mais? Virô crente? O que ganhou de virá crente? Bobagem... Gente assim não tem prazer de nada, de nada, de nada...
                Ao novo crente só é permitido cantar durante os cultos, tocar algum instrumento aceito pelo guia espiritual, ou participar dos cultos coletivos nas reuniões públicas acompanhadas de banda de música. Para uma avaliação de grau de preservação do repertório tradicional ubatubano, é de se notar que este vem sendo transformado ou mesmo substituído por canções montadas a partir de textos bíblicos. São canções ou orações cantadas, sem nenhuma feição estilística local, mas com empréstimos estilísticos do hinário protestante, estranho ao repertório caiçara ubatubano.
                Diante do que foi aqui exposto, resta como alternativa ver a religião em Ubatuba em dois polos contraditórios, antagônicos em sua própria essência e que conduzem a produção musical da região para duas forças diametralmente opostas. A religião católica (que em geral correu paralelamente às tradições culturais desde a  Colônia) está de um lado – e embora nem sempre intencionalmente -  preservando a música e fornecendo sempre novas forças de produção musical: através de festas, de procissões, de romarias, de danças sagradas, de orações cantadas. As seitas protestantes, de outro lado, agem como força destruidora, na medida em que proíbem o culto aos santos e impedem ou condenam a realização de festas ou reuniões que resultem em ocasiões musicais de caráter sagrado ou profano. Além de proibirem a prática musical coletiva, agem também sobre os músicos solistas, pois muitos destes músicos entrevistados abstêm-se hoje da prática musical por motivos religiosos.

                Resta pensar nas forças jovens que não parecem dispostas a renunciar aos encantos da música e que, por um sentido de preservação de suas tradições culturais, sentem o compromisso de dar continuidade ao seu patrimônio cultural. 

segunda-feira, 2 de março de 2015

A MINHA NOVA AMIGA

Recordações da nossa terra (Arquivo JRS)

                Neste ano de 2015 estou tendo o prazer de conviver com a Elizabeth e outras pessoas maravilhosas. O nosso cenário é a Praia do Massaguaçu (Caraguatatuba), bem na divisa com a Cocanha.
                Beth é natural de Santos, mas desde 1968 mora em São Sebastião. Ela escreve com muita emoção. Sua produção faz latejar a nossa alma caiçara. Por isso insisti para apreciar sua singela produção, em forma literária tão agradável. Agora, com a devida autorização, algumas das poesias dela serão apresentadas aos seguidores e amigos do blog, ou seja, para pessoas que amam as coisas dos caiçaras.

                SÃO SEBASTIÃO
                Óh terra maravilhosa
                Onde um dia me encontrei!
                Foi em 68,
                Quando então aqui cheguei.

                Vim apenas conhecer
                A cidade de São Sebastião.
                Fiquei logo apaixonada
                E daqui não mais sairei.

                Hoje, após um certo tempo vivendo entre os caiçaras daqui, ela se recorda e passa para o papel seus sentimentos.

                Centro de São Sebastião:
                Quantas recordações
                Trago dentro do meu peito
                Guardadas como um brasão.

                Hoje a cidade cresceu,
                Muitas coisas mudaram,
                Grandes comércios se instalaram
                E as concorrências começaram.

                Para o povo foi muito bom.
                Com esse crescimento
                Que faz de São Sebastião
                Uma cidade em desenvolvimento.

                Em poucas linhas, tal como a flor sem nenhuma pretensão, assim são poetas e poetisas. Essa minha nova amiga consegue nos  dizer tantas coisas e com tantos sentimentos...

                A FLOR

                Toda flor que se abre
                Deixa o perfume no ar;
                É como o amor quando explode
                No coração a palpitar.
  
               Beth: que neste ano, juntamente com o pessoal do CEEJA, a gente seja muito feliz!