O símbolo dos pescadores foi descaracterizado por inteiro O respeitado Nenê Velloso, assim que foi inaugurada a estátua do pescador, na chegada da cidade, nos deu um histórico do antigo pescador que afirmaram ser o inspirador da obra, porém discorda do acabamento. E não é opinião solitária. Em matéria publicada no semanário A Cidade, em 04/10/2003, a profª Heloisa Teixeira, acertou o tiro na mosca, quando declarou: olhando a esta estátua, não me vem a memória "Seu Zé", o esguio homem e seu remo, é qualquer um, menos o Seu Zé. Prezada profª Heloisa, será que só nós dois sabemos disso?
Os turistas rapidamente ficavam maravilhados com suas histórias e explanações sobre táticas de pesca. Zé Capão não sabia nadar. Por esse motivo não se arriscava em pescaria embarcada. Nunca entrou em uma canoa. Também não pescava na costeira pulando pedras, devido sua miopia acentuada. Das 4 horas da madrugada até as 9 horas da manhã, ficava puxando rede de arrasto artesanal (arrastão de praia), era camarada dos donos de rancho de pesca. Se a pescaria fosse farta, saia vendendo em um carrinho de mão pelas ruas da cidade. Após o almoço, retornava a pesca profissional, mas de fundo esportivo. Na frente de sua casa, mantinha um estaleiro forrado com folhas de coqueiros diversos, porque nos arredores da cidade não tinha a famosa palmeira "Guaricanga", que seria a mais indicada, por ser comprovadamente a mais forte e durável, usada também na cobertura de ranchos de pesca, e casas dos pescadores. As vezes, usava treliças de bambu, um pouco mais trabalhoso, formando uma espécie de jirau para secagem de peixes. O arrastão raspa tudo do fundo mar, depois da escolha, são descartados os peixes pequenos, sobrando os chamados de "miuçalhas". Aí, Zé Capão passava um pente-fino nessas miuçalhas, fazia a devida limpeza, salgava e ia para o estaleiro secar ao sol. Na roda de pescadores, simplesmente Zé ou Zé Vieira. Mas, às vezes escapulia... Zé Capão, ele nada respondia. Os seus locais prediletos de pesca eram: Boca da Barra, no centro, Pedra do Cabo, na Prainha do Matarazzo e o Cais do Porto. Os peixes preferidos para pescar eram: Robalo, Bagre-Cumbaca, Bagre-Amarelo, e as valentes Pirajicas. No seu roteiro de pesca ia sempre acompanhado de sua mulher, Dona Sebastiana Conceição Vieira Mendes que nasceu em 1913 e faleceu em 20 de dezembro de 1994, mais conhecida como "Tiana do Zé Capão", sua fiel e inseparável companheira de pesca. Foi em umas dessas pescarias de Pirajica no Cais do Porto que Zé Capão se consagrou com essa célebre frase, ao ferrar uma Pirajica de mais de 6 kg. E a luta travada com o peixe, já passava de 15 minutos, o povão agitado em cima do cais esperando o desfecho. Tiana então, muito nervosa, corria de lado para o outro e aos gritos dizia: leva na escadinha... leva na escadinha do cais! Quando a vara envergou e aponta chegou ao pé, foi quando Tiana gritou: - VAI ESCAPAR... ZÉ!Zé Capão, que suava o topete para tirar a enorme e valente Pirajica fora d’água, respondeu - QUE NADA... TIANA! PASSA O BIROTE, QUE ESSA TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA! A notícia rapidamente chegou a cidade, e por várias semanas não se falava em outra coisa. A frase, rapidamente foi cortada, aproveitando somente, o final, TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA. Qualquer um pode usar, desde que tenha praticado uma proeza qualquer, principalmente aqueles que gostam de levar vantagem em tudo. Podem ser momentos esportivos, amorosos, negócios etc. Os jovens caiçaras usavam por qualquer motivo, principalmente quando conquistavam uma garota, aí saiam aos quatro cantos da cidade dizendo: "MULHER COMIGO É ASSIM! CAIU NO MEU PAPO, TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA!" Quer dizer que está bem segura, está presa, não sai mais daqui. Esta frase foi usada pelos caiçaras do centro por muito tempo. Eu ainda uso. O Birote é uma corda mais resistente, com mais ou menos 10,00 metros, que os pescadores mais antigos e precavidos, usavam devido à fragilidade da vara de bambu. Essa corda mais grossa, era amarrada em continuação da linha do anzol a partir da ponta da vara, até o pé, onde fica enrodilhada como um coque. Se o peixe for muito grande, joga-se a vara na água, para não quebrar, e fica com o birote na mão, para tentear o peixe até que ele fique cansado. O nalho, que ele se referia, era a linha de nylon, da vara, que, sendo dele, era mais forte que as demais, impossível do peixe arrebentar. FONTE: O GUARUÇÁ |
sábado, 29 de novembro de 2014
ZÉ CAPÃO
terça-feira, 25 de novembro de 2014
A SANTA CRUZ
As orientações do Tio Dico, junto ao Rio Puruba. (Arquivo JRS) |
O
nosso país, assim como os demais colonizados e cristianizados pelos europeus,
mantém tradições que muitos desconhecem as suas origens. Num dia desses, estando
pensando a respeito disso, veio à mente as festas religiosas tradicionais dos
caiçaras, de um tempo em que nem existiam as capelas, mas em determinadas casas,
nas diversas praias, eram comemoradas as datas festivas. “Na casa da Gertrudes acontecia a festa do Sagrado Coração de Jesus. O
dia de São João era uma senhora festa na casa do João da Mata”. Assim se
recordava o finado Aristeu Quintino.
Na
prosa que eu tive com o Seo Genésio, lá no Camburi, a lembrança mais forte nele
era a Festa da Cruz, comemorada no dia 3 de maio. “Era uma grande festa. Vinha gente de todo quanto era canto para esse
nosso lugar”.
Outras
comunidades no município de Ubatuba (Centro, Marafunda e Praia do Puruba) têm
como festa principal a Exaltação da Santa Cruz, comemorada em 14 de setembro.
Diz a história que a mãe do imperador Constantino, Helena – a santa, foi quem
encontrou a suposta cruz de Cristo lá no Oriente Médio. Porém, na tomada de
Jerusalém, os persas se apoderaram dela. Somente depois de quinze anos, em 628,
o imperador bizantino Heráclio, após vencer Cosroes II, devolveu a relíquia
numa emotiva cerimônia ao seu lugar de origem. Desde então, esse dia, 14 de
setembro, ficou marcado para sempre como
a Festa da Exaltação da Santa Cruz.
Conversando
com o Élvio Damásio a respeito de certos eventos de outros tempos, ele também é
da mesma opinião de que as comunidades católicas já não têm o mesmo ardor nas
comemorações populares (quermesses com danças e pratos típicos, regatas de
canoas com disputas em outras modalidades, procissão marítima e apresentações
folclóricas em geral etc.). Mais recentemente, o saudoso Ney Martins, quando
predominava uma pastoral popular na religião católica, conseguia unir “o
profano e o sagrado” nas festas da cultura caiçara. Foi em ocasiões assim que
pude conhecer Ocílio Ferraz, Inezita Barroso e outros nomes da cultura popular
brasileira.
É
mérito da Igreja Católica essa religiosidade popular. Os leigos do Brasil, num tempo de pouca assistência da religião oficial, foram responsáveis por isso. Quem me afirmou nesse
sentido pela primeira vez, em 1991, foi o Zé Pedro, lá na Praia da Picinguaba.
Ao lhe perguntar por que as tradições (Ciranda, Cana-Verde, Xiba...) estavam
morrendo, ele foi categórico: “É por
causa de religião. O motivo é este. Veja você: quando eu era mais jovem, aqui
na Picinguaba só tinha a religião católica. Todas as festas eram em torno dela.
Todo mundo era católico e participava de tudo. Ajuntava muita gente nas nossas
festas. Depois, foi chegando outras igrejas que diziam que tudo era pecado, vaidade,
que não se podia dançar e nem adorar os santos. Desse modo foi morrendo tudo,
as pessoas foram se esquecendo. Agora tá assim. Já tem quatro igrejas
diferentes nesse nosso lugar. E as pessoas estão cada vez mais desunidas. Essa tem
sido a nossa cruz nos últimos tempos”.
Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?
Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?
Era
uma alegria genuína que passava de pai para filho, que se mantinha pelas
gerações. Eram mutirões e mutirões por todo lado (embarrear casa, puxar canoa,
roçar, plantar etc. Aquilo era é divino! Enfim, era Tempo de Santa Cruz!
Certo estava o meu povo quando repetia: “Não
troco essa fé pelo lenho da cruz”.
A SANTA CRUZ
As orientações do Tio Dico, junto ao Rio Puruba. (Arquivo JRS) |
O
nosso país, assim como os demais colonizados e cristianizados pelos europeus,
mantém tradições que muitos desconhecem as suas origens. Num dia desses, estando
pensando a respeito disso, veio à mente as festas religiosas tradicionais dos
caiçaras, de um tempo em que nem existiam as capelas, mas em determinadas casas,
nas diversas praias, eram comemoradas as datas festivas. “Na casa da Gertrudes acontecia a festa do Sagrado Coração de Jesus. O
dia de São João era uma senhora festa na casa do João da Mata”. Assim se
recordava o finado Aristeu Quintino.
Na
prosa que eu tive com o Seo Genésio, lá no Camburi, a lembrança mais forte nele
era a Festa da Cruz, comemorada no dia 3 de maio. “Era uma grande festa. Vinha gente de todo quanto era canto para esse
nosso lugar”.
Outras
comunidades no município de Ubatuba (Centro, Marafunda e Praia do Puruba) têm
como festa principal a Exaltação da Santa Cruz, comemorada em 14 de setembro.
Diz a história que a mãe do imperador Constantino, Helena – a santa, foi quem
encontrou a suposta cruz de Cristo lá no Oriente Médio. Porém, na tomada de
Jerusalém, os persas se apoderaram dela. Somente depois de quinze anos, em 628,
o imperador bizantino Heráclio, após vencer Cosroes II, devolveu a relíquia
numa emotiva cerimônia ao seu lugar de origem. Desde então, esse dia, 14 de
setembro, ficou marcado para sempre como
a Festa da Exaltação da Santa Cruz.
Conversando
com o Élvio Damásio a respeito de certos eventos de outros tempos, ele também é
da mesma opinião de que as comunidades católicas já não têm o mesmo ardor nas
comemorações populares (quermesses com danças e pratos típicos, regatas de
canoas com disputas em outras modalidades, procissão marítima e apresentações
folclóricas em geral etc.). Mais recentemente, o saudoso Ney Martins, quando
predominava uma pastoral popular na religião católica, conseguia unir “o
profano e o sagrado” nas festas da cultura caiçara. Foi em ocasiões assim que
pude conhecer Ocílio Ferraz, Inezita Barroso e outros nomes da cultura popular
brasileira.
É
mérito da Igreja Católica essa religiosidade popular. Os leigos do Brasil, num tempo de pouca assistência da religião oficial, foram responsáveis por isso. Quem me afirmou nesse
sentido pela primeira vez, em 1991, foi o Zé Pedro, lá na Praia da Picinguaba.
Ao lhe perguntar por que as tradições (Ciranda, Cana-Verde, Xiba...) estavam
morrendo, ele foi categórico: “É por
causa de religião. O motivo é este. Veja você: quando eu era mais jovem, aqui
na Picinguaba só tinha a religião católica. Todas as festas eram em torno dela.
Todo mundo era católico e participava de tudo. Ajuntava muita gente nas nossas
festas. Depois, foi chegando outras igrejas que diziam que tudo era pecado, vaidade,
que não se podia dançar e nem adorar os santos. Desse modo foi morrendo tudo,
as pessoas foram se esquecendo. Agora tá assim. Já tem quatro igrejas
diferentes nesse nosso lugar. E as pessoas estão cada vez mais desunidas. Essa tem
sido a nossa cruz nos últimos tempos”.
Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?
Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?
Era
uma alegria genuína que passava de pai para filho, que se mantinha pelas
gerações. Eram mutirões e mutirões por todo lado (embarrear casa, puxar canoa,
roçar, plantar etc. Aquilo era é divino! Enfim, era Tempo de Santa Cruz!
Certo estava o meu povo quando repetia: “Não
troco essa fé pelo lenho da cruz”.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
NOSSAS TRADIÇÕES
Acompanhando tudo. (Arquivo JRS) |
Agora
mesmo, no último domingo, fui à Praia da Barra Seca para rever os amigos
caiçaras e assistir a uma regata de canoas. Que belas canoas!
A
acolhida, preparada pelos moradores, era um legítimo café caiçara incrementado.
As pessoas se empenharam na diversidade (frutas, bananas, batata doce cozida,
bolos...). No cerimonial, logo que pisei na areia, encontrei o Élvio, o
narrador oficial dessas provas e mestre da dança-da-fita do Itaguá. As “feras do
remo”, inclusive os veteranos, estavam ansiosos: Higino, Carneirinho, Nélio, Nelson, Neco, Jorge, Paulo, Zeca, Jorge e tantas outras feições familiares. Rapidamente, os poucos turistas
também se aculturaram. De outras praias vieram outros remadores com muita
disposição de mostrar seus talentos. Afinal, era uma genuína confraternização.
Estevan, meu filho, mesmo tendo de pedalar muito, adorou esse dia.
O
mar da Barra Seca, na regular calmaria, deixava em evidência o “peito de areia”,
onde uma arrebentação distante mostrava o quanto as águas invadiram, no último século,
esse local. “A caiçarada teve de correr”.
As provas tiveram início: canoa de um,
de dois e de três remos; prova para as crianças, mulheres e casais... Todos
eram atores principais sob aprovação dos mais antigos. Conforme a tradição, em
dia de festa, vestidos a rigor eles apuravam a vista e não perdiam as emoções
dos momentos. Que graça vê-los contentes, engrandecidos pela tradição que as
novas gerações se esmeram em atualizar!
sábado, 22 de novembro de 2014
LEGISLAÇÃO E PESCADORES
Pescador caiçara (Arquivo Ubalino) |
- Olá, Rute Miranda! Seja bem-vinda!
- O meu amigo Peter Németh continua atento às injustiças aos pescadores caiçaras. Agora, a sua manifestação é contra a decisão do Ibama, o famoso “meio ambiente” citado e temido pelos mais pobres, de querer expulsar os pescadores de cerco da Ilha Anchieta, antiga Ilha dos Porcos. A história se repete: a mesma coisa aconteceu no começo do século XX, quando centenas de famílias de roceiros-pescadores tiveram de deixar a ilha porque o governo resolveu construir uma Colônia Correcional. A situação agora é esta: 1º) O parque da Ilha Anchieta é só a parte da terra, e é estadual; 2- O polígono de interdição à pesca é da Sudepe de 1980, e é federal, onde a pesca é proibida. O governo federal e o estadual não se bicam e, para piorar, o fiscal atual tem a visão preservacionista (natureza sem o homem) e hoje o correto é o socioambientalismo (natureza com o homem).
A questão me faz recordar de tantos pescadores que tiveram
até recentemente a atividade pesqueira na ilha como a única garantia de sobrevivência.
Dito Funhanhado, Elídio, Sansão, João da Mata, Gonçalo, Guilherme Bureta, Dito
da Mata, Horácio são alguns dos tantos nomes que passavam mais tempo naquele
espaço do que em terra, com os familiares. Deles escutei muitas histórias,
muitos causos. Era de suas pescarias que o saudoso Sabá entregava o nosso peixe
de cada dia. “Olha o peixe fresco!”. E o que dizer daquela variedade de jaca, bem redondinha e verde, parecendo uma bola de futebol, preservada pelos pescadores da Praia do Sul? Tenho quase certeza que não se encontra mais delas no continente!
É bom lembrar, ou ensinar aos mais novos ubatubenses e aos
novos colonizadores, que as moradias e as diversas técnicas dos pobres roceiros-pescadores
nunca ameaçaram a existência dos outros seres. O que está acabando com o nosso
patrimônio natural é um modelo de espoliação e exploração que tem por base a
sociedade industrializada.
Medidas assim, que expulsam indefesos pescadores, tornam o
nosso meio ambiente mais fragilizado. Afinal, esses trabalhadores são aliados
da natureza, pois sabem que dependem dela para se manterem vivos. Também perde
o município porque deixa de existir um turismo cultural.
O fato assombroso e incompreensível, é que isso aconteceu mesmo após a lavra da MOÇÃO do CONSELHO CONSULTIVO do PARQUE ESTADUAL DA ILHA ANCHIETA Nº 1/2013, DE 14 de janeiro de 2013, referente a permanência da atividade da pesca com cerco flutuante exercida por pescador artesanal, atividade prevista como “atrativo turístico” no próprio Plano de Manejo da Ilha.
Desejo ao Peter muita força e clareza para não esmorecer na
luta. Um abraço.
sábado, 15 de novembro de 2014
DE QUEM É A COSTEIRA?
Escavando na Prainha (Arquivo JRS) |
Quando
criança, a minha diversão preferida era ir pular pedras pelas costeiras. Coisa
boa! Desconfio que esse prazer e as pedaladas constantes deram-me as forças que tenho nas pernas. Também foi assim que aprendi as diversas denominações dos lugares
dado pelos antigos caiçaras. Pedra do Alçapão, Costeira do Tolino, Pedra do Zé
Bráz, Lage Preta, Toca do Mero... são alguns exemplos. O legal é que eles
trazem uma carga emocional muito importante na minha história. Só para
ilustrar: foi na Pedra do Alçapão que eu vi o papai pescar a maior garoupa da
minha vida. Era uma tarde, pouco antes do serão, quando a vara se retesou. A
danada entocou, mas o ardiloso pescador tencionou a vara numa greta de pedra e,
no dia seguinte, logo cedo, lá estava a bitela boiando. Que beleza! Comemos e
repartimos com mais gente!
Ainda
continuo gostando de estar pelas pedras das costeiras, mas agora a agilidade já
não permite pular como antigamente. Num dia desses, lembrando do casal que
morava na Prainha do Padre, deu uma vontade de rever o outro lado do Morro do
Ocaraçu, “onde a gruta desemboca no mar”. E assim, na maior disposição, me
dirigi à prainha que também já foi do Matarazzo, o Cicillo, prefeito de Ubatuba de 1964 a 1969. É a
chamada fase áurea na administração desta cidade. Depois... só penúria! Prova?
A
prova está no nosso tesouro que dia a dia é encolhido e não sabemos como
impedir, e nem como fazer mais. Explico melhor: chegando onde moravam os
saudosos Antônio e Benedita, os últimos caseiros de um espaço que eu e tantos
circulavam livremente, uma senhora declarou: “O senhor não pode entrar aqui,
não pode passar para o outro lado. Eu cumpro ordens”. Nem perdi tempo para
argumentar com alguém que é "pau mandado". Também sei que, há muito tempo, os administradores
municipais perderam o rumo do desenvolvimento baseado na sustentabilidade, nas
riquezas naturais e culturais que temos.
Em casos assim, a Marinha do Brasil não poderia ser acionada? Quantas histórias
e belezas têm do outro lado do Ocaraçu!!!
“Ah!
Se eu fosse um homem de visão, com a política adequada que temos aqui e o tanto
de dinheiro que tenho de sobra, a primeira coisa que faria na Prainha do Padre
era uma escavação arqueológica!”. Assim brincava o Velho Ademar nas prosas do
jundu de Iperoig.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
ZÉ DO QUEPE
Praia do Perequê-mirim (Arquivo JRS) |
Na
Praia do Perequê-mirim, na casa da Dona Belinha, foi onde eu conheci a ave chamada
arara. Fiquei encantado por ela. Por isso, sempre que podia, eu adentrava àquela chácara
maravilhosa, que começava no jundu e chegava até a nossa escola e na pista (a
estrada Ubatuba-Caraguá). Diziam que o finado marido dela tinha sido o
engenheiro responsável pela obra (estrada) na década de 1950.
No
quintal da Dona Belinha tinha de tudo um pouco. Até uma fruta estranha, por
nome de kiwi, eu conheci naquele quintal. E ela sempre nos acolhia muito bem. De vez em
quando eu ganhava uma deliciosa maçã. Ficava imaginando que a fruta vermelha e brilhante da história da
Branca de Neve era igual, inclusive no tipo de embrulho, um papel fino e roxo.
A história da Branca de Neve e os sete anões? É! A minha irmã tinha um
disquinho que a gente não se cansava de ouvir, na vitrola das filhas do Almeida (Sueli e Miriam)! Eram paulistanas e para lá voltaram. Nunca mais tivemos notícias.
Quando
chegou a minha adolescência, a Dona Belinha vendeu a sua propriedade. No lugar de
tudo aquilo que me encantava foram surgindo prédios. Tudo aquilo, depois de
pronto, recebeu o nome de Casa Grande. Virou um condomínio chique. Assim é até hoje. “Bote reparo quando
estiver passando por lá”. Quando olho por sobre o muro daquele condomínio e
avisto enormes árvores de fruta-pão, logo penso: “Ainda é plantação da Dona
Belinha”.
Eu
acompanhei toda a obra, fiz amizade com a piãozada toda (Nerso Pinguinha, Odilon Satanás, Osvaldo Capoeira, Zé Paraiba,
Francisco Ceará, Toninho Mineiro, Dito Preto e tantos outros), mas um deles era
especial. Era o Zé do Quepe.
Zé
do Quepe era cearense, da família Bezerra. Na obra, ele era o vigilante e
apontador das horas de trabalho. Andava fardado, de quepe e um cassetete de borracha.Na verdade, ele cuidava do relógio-ponto,
controlando as entradas e saídas do pessoal. Ali todo mundo “era do trecho”,
migrantes que viviam em barracos de obras. O detalhe era que, sempre que estava
mais folgado, o Zé do Quepe ultrapassava o limite da bebida, ficava um bêbado
chorão. Era quando se punha a declamar poesias, recitar trovas dedilhando um
violão muito surrado. Aqui vai uma de pinga que aprendi com ele:
Aguardente
é jiribita Feita de pau de capucho Bate comigo no chão Bato com ela no bucho.
Aguardente
é jiribita, Não há bebida tão boa! Até os padres gostam dela, Quem dirá quem é à toa. Aguardente é jiribita,
Feita de cana crioula... Quem bebe em demasia, Perde a calça e a ceroula.
É essa
gente toda que, convivendo com a gente, levou um pouco de nós e deixou um pouco
deles.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
NOSSAS BRINCADEIRAS
Miringuitos nos Caminhos de Servidão (Arquivo JRS) |
Há
pouco tempo o primo Cláudio, que vive no Rio de janeiro desde o tempo em que
estivemos na Marinha, me perguntou sobre as sementes pretas e brilhantes que
faziam as vezes de bolinhas de gude na nossa infância, na Praia da Fortaleza. Eis
a resposta: “É miringuito, semente de cubatã”.
A árvore
denominada de cubatã é muito comum nos nossos Caminhos de Servidão e pelas
costeiras. No meu quintal, quase sempre estou achando mudas dela. É que as
sementes são trazidas pelos morcegos e germinam com muita facilidade.
O miringuito,
bem antes de eu conhecer as bolinhas de vidro (gude), fazia parte de nossas
disputas. No terreiro da Tia Martinha, onde estudávamos, em qualquer intervalo
de tempo, a molecada estava disputando partidas. Eram pequenas caçapas e triângulos
no chão duro, sob gritos de “pega risca”, “tudo”, “livre eu”, "cafifa, cafifa" que cobiçávamos
as mais belas sementes (pretas, marrons, avermelhadas e amareladas). Depois da
aula, muitos se dirigiam ao Canto do Cambiá, perto da casa do Tio Maneco
Armiro, onde sabíamos da existência de um grande cubatã. Era debaixo da sua
copada que vasculhávamos em busca das sementes mais bonitas. Elas eram jogadas
por último pelos perdedores. Por isso que os melhores jogadores (na estecada e
na mira) nunca precisavam se rebaixar ao ponto de quase que varrerem debaixo da
frondosa árvore. Eles rapelavam tudo, se vangloriavam das belas sementes
conseguidas apenas pelo talento no jogar bem.
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
LÁ VEM O ROGÉ!
Rogério Mesquita, o primo Rogé, nasceu na Praia das Sete Fontes, passou um tempo em Santos, mas viveu o maior tempo de sua vida em Ubatuba, principalmente na Praia da Fortaleza. Nesta poesia o mano Mingo consegue falar melhor desse caiçara que viveu tal qual um andarilho entre nós. Como adorava pescar o Rogé!
Rogé Mesquita
vendia sardinha,
bebia cachaça,
comia farinha,
fazia graça,
cantava modinha,
não tinha morada
nem namorada.
Atravessou incólume
Muito trecho de mar
e acabou naufragado
na porta de um bar.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
PETER E OS PESCADORES CAIÇARAS
O Projeto Colonial Capitalista de extermínio dos Pescadores Tradicionais.
Trecho do texto CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS DE VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS ASSOCIADOS AO CONHECIMENTO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS. autor Peter Santos Németh.:
Para Moura (2013) “a conquista dos mares e oceanos pela modernidade, incluindo as ciências modernas”, são parte de um “projeto colonial” no qual:
(...) força-se a modernidade ao setor pesqueiro na conquista de territórios marinhos de pesca pelos Estados Modernos em favor das indústrias de pesca nascentes e em prejuízo da pesca artesanal, que passa a ser desvalorizada culturalmente e pilhada em seus recursos materiais. Esta conquista de territórios marinhos de pesca tem sido chamado de modernização capitalista da pescaem diversos países, inclusive no Brasil, conforme relatado em McGoodwin (1990), Pálsson (1991), Lalli e Parson (1993), Vandergeest e Peluso (1995), Parsons (2002) e Roberts (2007). (MOURA, 2013, grifos do autor)
Para Breton e Estrada (1989, apud CARDOSO, 2001) o Capitalismo ao invés de conseguir dominar o conjunto dos fatores da produção pesqueira, como fez com “todo o plano da tecnologia; há que conformar-se com um controle e planejamento parciais dos outros elementos constitutivos das forças produtivas, ou seja, os recursos haliêuticos como objeto de trabalho e os pescadores como força de trabalho” (CARDOSO, 2001).
Assim, a extrema especialização necessária para exercer a atividade pesqueira, ainda garante certa “liberdade” (DIEGUES, 1983) e autonomia ao pescador, “pois à beira-mar não se passa fome, por isso nunca vai haver pescador amansado” (NÉMETH, 2010).
Outro ponto vivenciado foi que o peixe capturado é considerado, pelos pescadores de canoa, como dinheiro em caixa. Chegando na praia, o balaio de peixes se transforma em dinheiro vivo, pois a venda é feita diretamente ao consumidor, que muitas vezes está aguardando o pescador chegar (KANT DE LIMA e PEREIRA, 1997).
Assim o pescador garante o sustento certo de sua família, proporcionando a experienciação de um grau de liberdade e autonomia extremamente elevados. Esse aspecto, o de transformar através do PHT do Mestre pescador, o pescado em valor econômico, é o mais precioso pois, funcionam o meio natural e os estoques pesqueiros quase como uma despensa ou um caixa eletrônico de banco, onde o pescador pode, a qualquer momento, baseado em seu PHT, conseguir o dinheiro suficiente, ou, na pior das hipóteses, o alimento necessário para a subsistência familiar.
O antropólogo Viveiros de Castro (2014) em entrevista concedida à revista Piauí, cita o norte-americano Marshall Sahlins que nos anos 1970 se ocupou da dimensão econômica de sociedades mais “pobres” que, segundo a visão então consagrada, mal conseguiam assegurar a própria subsistência com técnicas pouco desenvolvidas e baixa produtividade. Segundo Viveiros de Castro, o que Sahlins argumentou, “colocando em questão a santíssima trindade do homem moderno: o Estado, o Mercado e a Razão, que são como o Pai, o Filho e o Espírito Santo da teologia capitalista”, é que não fazia sentido, para esses grupos, acumular bens.
Tampouco era lógico produzir estoques, quando esses estão ao redor, “na própria natureza”. Do ponto de vista dos caçadores-coletores, não lhes faltava nada. Trabalhar pouco era uma escolha, e aqueles grupos constituiriam o que o antropólogo chamou de primeira “sociedade de afluência”. (...) Em vez de símbolo de atraso, a “sociedade primitiva”, escreveu o antropólogo carioca, “é uma das muitas encarnações conceituais da perene tese da esquerda de que um outro mundo é possível: de que há vida fora do capitalismo, como há socialidade fora do Estado. Sempre houve, e – é para isso que lutamos – continuará havendo”. (VIVEIROS DE CASTRO, 2014, grifos do autor)
Fonte: canoadepau.blogspot.com
Fonte: canoadepau.blogspot.com
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
É DIA DELES!
Passeando entre as sepulturas,
parei diante daquelas de pessoas bem especiais. Agora, faço questão de falar
sobre o Seo Florindo Teixeira Leite, de recordar dos tantos momentos de prosa
em sua casa, onde, por diversas vezes lhe cortei os cabelos. “O meu pessoal é
da Praia da Almada. Ainda tenho herança lá. Pode ser que os meus filhos ainda
briguem por alguma coisa, mas eu não preciso de nada. O que eu quero é saúde
para trabalhar até quando a morte aparecer e me levar”. Sempre admirei a coerência
desse caiçara que tantas redadas deu na Praia do Itaguá, que tanto pescado
proporcionou aos seus parceiros de rede e aos pobres que acorriam para ter ao
menos um peixinho como mistura. Agora, o que é desta citada praia, outrora
abundante de pescados? Esgotos matam nosso mar a todo momento, mas sobretudo
nas temporadas devido o grande número de visitantes. É a morte se aproximando
mais rapidamente de nós.
Os povos antigos, não aceitando o
limite imposto pela morte, inventaram a possibilidade de se ter outra vida.
Dessa mesma época vem a ideia de lugar maravilhoso para quem foi bom e de lugar
ruim para os maldosos. Ainda são muitas as versões de Céu e Inferno. Todo povo
tem os seus recantos reservados após a morte.
O cristianismo, percebendo a força
das tradições ditas pagãs, deu novos nomes para antigos sentidos. Assim,
seguindo a crença de que todos os mortos vinham em determinada ocasião ao
convívio dos vivos, a Igreja decretou o Dia de Todos os Santos seguido do Dia
de Finados. Pronto! As celebrações primitivas agora estão legalizadas!
O que importa é a memória que temos
de nossos entes queridos. É isso que os imortaliza! Ir aos cemitérios, acender
velas, levar flores etc. é apenas uma demonstração de quanto reconhecemos a
importância deles naquilo que somos hoje.
Nos cemitérios, os nomes, cruzes e
até mesmo fotografias nos recordam das pessoas que se esforçaram para melhorar
a sociedade, porque tudo que é/foi ruim nós vamos apagando da memória. De gente assim ainda
restará a serventia de adubar a terra, de alimentar outros seres. Tá bom assim?
O escritor João do Rio escreveu algo
parecido com isto: “Mesmo a linda morte é uma beleza horrível”.
O meu finado pai sempre tinha uns
dizeres sobre a morte: “O Céu e o Inferno são aqui. A única certeza que temos é
a morte. Quem nasceu vai morrer”.
Só sei que a morte lembra-nos que tudo
se acaba em pó. Então... é bom refletir sobre a vida simples e o respeito a
todos os seres que recobrem esta Terra.
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