domingo, 30 de outubro de 2022

O MAR DA HISTÓRIA


Grande mar e ilha do Prumirim - Vista da aldeia Boa Vista - Arquivo JRS


Não estamos alegres, 
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de estar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las.
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas

Vladimir Maiakóvski

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

CRIANÇA É ASSIM MESMO!

   
Frei Pio, Leninha e Luzia - (Arquivo Luzia)

      

NA CAPELA DE SÃO JOÃO


Frei Pio Populin,

o bom franciscano,

faz o sermão,

meio português

mezzo italiano.

E eu, criança ainda,

presto atenção

no sobe e desce

da lagartixa na parede -

um bote, um pernilongo.

Que discurso longo!



Lendo esta poesia do mano Mingo, decidi que vale a pena republicar o texto seguinte.

          De vez em quando eu recordo de algumas passagens a respeito do saudoso Frei Pio Populin, sobretudo de embates com o finado João Pimenta, da praia do Sapê, onde nasci. Era interessante escutar uma espécie de prosa que não era comum em nosso meio. Hoje eu digo que tratava-se de enfrentamentos teológicos. Quando? Segunda metade, quase final da década de 1960. A imagem do disposto religioso escondido por um hábito marrom, tendo um cordão encardido pela cintura, foi marcante na minha infância. Bem depois disso, já na década de 1980, na Estufa, lá estava eu ajudando o mesmo frei nas obras da futura Creche Francisquinho. Também estive com ele me inteirando do Posto da ASEL, na Praia da Ponta Aguda. Deste lugar estão na memória: Aristeu, Odócia, João Araújo, Ambrósio, Filhinha e tantas pessoas desta terra, a Ubatuba maravilhosa!
               Agora, relendo a tese de doutorado do Olympio Corrêa de Mendonça, defendida em 1978, novamente sou instigado a escrever a respeito do Frei Pio.

              "A instabilidade social da região dificulta muito o levantamento estatístico do número de suas casas e seus habitantes. A transformação causada pelas obras da Rio-Santos, a especulação imobiliária, a presença de potentes barcos de pesca nesse litoral e a proibição da caça de subsistência têm estimulado o êxodo para as cidades. O Bairro da Estufa, em Ubatuba, tem recebido um enorme contingente de famílias de retirantes. Em Ubatumirim, porém, onde se instalou uma missão franciscana, o êxodo rural é menor. Há casos, inclusive, de famílias que mudaram para Ubatuba, gastaram o dinheiro da venda de seus terrenos, e depois voltaram para a região, internando-se nos sertões do sopé da Serra do Mar, para formar novas posses, onde lavrariam a terra, beneficiariam a mandioca, e dedicar-se-iam à caça de subsistência, únicas atividade para as quais estão preparados."

               [...] De 1970, quando começou o desmatamento para a construção da estrada de serviço [dando início à rodovia que nos ligaria à vizinha Paraty],  até hoje, quando o asfalto corre por vales, corta morros, aterra mangues e já está para se encontrar com o trecho que vem de Santa Cruz (R.J), e as autoridades prometem a inauguração do trecho Ubatuba a Santa Cruz, para meados de 1976, a região já sente os sintomas e as consequências de uma transformação radical. Junto com o desenvolvimento chegou a destruição. [...] O caiçara antes já abandonado, recebe agora o tiro de misericórdia. As pressões econômicas, físicas, psicológicas, despojam-no de suas posses seculares (Ver SEMEDO, Fernando. “Rio-Santos ameaça tudo, até os caiçaras”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 29 out., 1973). Os terrenos chegam a ser vendidos por centímetros. É a Costa do Ouro Brasileira; não há lugar para os que a lavraram durante cerca de 300 anos.
               Os caiçaras expulsos das terras de seus ancestrais, são apertados nos sertões dos sopés da Cordilheira Atlântica, tornam-se, mais raramente, caseiros de suas próprias terras, já vendidas a preço baixo, e, no mais das vezes, são jogados às sarjetas das cidades vizinhas, que se incham nas favelas, que já começam a proliferar pelos mangues e morros.

               [...] Se não tivesse existido o esforço ingente da Ação Social Estrela do Litoral (ASEL), dos Frades Conventuais, talvez esse “Império Caiçara” já estivesse totalmente devastado.
               Frei Pio Populin, missionário franciscano conventual, nascido em 17/02/1913, chegou a Ubatuba em 1966. Seus primeiros contatos com os caiçaras são narrados por Stipp Junior:

               “... no meio dos turistas, sua atenção foi atraída por aquela gente simples e pobre que chegava pelo mar, com sacos de farinha ou cachos de banana para vender...”

               Ele embarcou-se numa daquelas canoas feitas de um só tronco e penetrou no chamado “Império Caiçara”. Mais tarde, vencendo dificuldades enormes, instalou em Ubatumirim, no coração da região, o Centro de Promoção Humana e Profissional, mantido pela ASEL da qual foi fundador e presidente.


               Sei dos esforços do Frei Pio. Meus tios Salvador, Nelson e Dito Félix e tantos outros estiveram na empreitada do Estaleiro do Padre. Ele, imitando o Santo de Assis, também saía pedindo até mesmo junto aos empresários no ABC e na capital paulista. Agora, desde 18/11/2009, descansa neste chão que tanto amou, bem longe da pátria italiana. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

O DIABO É UM ANJO CAÍDO

Eu e Pedro Caetano - Arquivo JRS


       Causou-me admiração escutar um apresentador de programa televisivo dizer uma passagem bíblica para relacionar as maldades do Ministro da Economia e do Presidente do Brasil contra a população mais pobre. Escrevi, então, a dita passagem (que serve de título a este) e deixei que as pessoas lessem. Ficou na lousa. A primeira reação era de que se referia à derrota do candidato que usou e abusou de mentiras, de discursos de ódio e contra a democracia e o estado democrático de direito. E era mesmo! Então me recordei de um livro da década de 1980, de Marcelo Barros, cujo título era Nossos pais no contaram. Assim que comecei a leitura, parecia que eu estava escutando a saudosa tia Maria Mesquita, uma caiçara maravilhosa da praia da Fortaleza. Ela conseguia nos envolver em suas narrativas, bem do jeito do Marcelo Barros. A diferença era que a titia tinha apenas um mínimo de instrução, não conhecia quase nada desse mundo afora. Era sábia mesmo! De raiz!  Foi dela que ouvi pela primeira vez isso:

“O Diabo é um anjo decaído porque traiu a confiança de Deus. É um anjo do mal que nunca desapareceu. Os seguidores do Diabo continuam ainda hoje. Essa gente que faz traição à comunidade se torna anjo do mal. Desde pequena eu escuto histórias terríveis, dignas de seguidores desse anjo. Esta história está na Bíblia Sagrada porque nos tempos antigos já era assim. Todos nós somos chamado a sermos divinos, do bem etc. Mas deixamos de vigiar, afrouxamos nossas atenções...E acontece o quê? Caímos do lado de lá, alimentamos as ruindades”.

   A titia, com toda certeza, foi quem primeiro me transmitiu a dimensão de produção cultural na história chamada de sagrada por milhares de pessoas na Terra. É evidente que os escritores e escritoras da Bíblia foram se inspirando nos sucessos e insucessos para assim irem demarcando as “referências sagradas”. E é sagrada mesmo porque a busca é pela felicidade coletiva! Muitas outras tradições religiosas partem da mesma busca. Deusas e deuses foram assentando culturas por todos os lugares, sempre inculcando a felicidade inclusiva para toda comunidade. Quem se opõe a isso é anjo caído, tal como o Lúcifer da Bíblia (começada a ser escrita pelos retirantes da Mesopotâmia há milênios).

       Tristeza em ver tanta gente se pondo nesse lado ruim, sobretudo caiçaras, nesse pacote de maldades. O contexto atual é de optar entre a catástrofe e o muito difícil, pois sabemos que a diabada continuará em ação.

domingo, 23 de outubro de 2022

NÃO O RECONHEÇO

Uma casa para orquídea - Arquivo JRS

 

        Fonseca passou por mim, mas fez de conta que não me viu. Logo pensei: "é porque eu não apoio o mesmo candidato dele nas próximas eleições". Comungo com o Mestre Luiz Bezerra que disse mais ou menos o seguinte: “Educador é para ajudar na evolução da civilização. O momento exige combate aos milicianos, aos pedófilos, aos homofóbicos e a tantos outros desvios de caráter que podem nos reconduzir à barbárie". São mentiras e ações que impedem muita gente de ver a realidade opressora que vai passando como normalidade nos dias atuais. E assim, conforme Mestre Saviani, “estamos no fenômeno da democracia suicida quando, o povo, iludido por falsas promessas e enganado por informações inverídicas, acaba votando em seus próprios algozes”.

       Outros se comportaram da mesma forma, seguiram na esteira do Fonseca, mas se dizem "defensores da cultura local e popular". Eu não posso fazer muita coisa se eles não enxergam que o atual mandatário do país serve apenas de mula para o posicionamento político internacional de extrema-direita, onde o heróis maior do altar é Hitler, patrocinador dos conhecidos horrores na humanidade contemporânea. Será que desejam uma liderança brasileira nesse altar?

        Ter um posicionamento político significa saber que nós nos tornamos inventores de mundos. Mestre Rubem Alves enumera algumas do tanto de coisas que deram essa feição à humanidade. Foram os homens que “plantaram jardins, fizeram choupanas, casas e palácios, construíram tambores, flautas e harpas, fizeram poemas, transformaram seus corpos, cobrindo-os de tintas, metais, marcas e tecidos, inventaram bandeiras, construíram altares, enterraram seus mortos e os prepararam para viajar e, na sua ausência, entoaram lamentos pelos dias e pelas noites”. O mundo está ruim? Vamos desconstrui-lo e reconstruir em outras bases desprezadas no decorrer da História! Não vamos nos omitir diante de uma situação que se mostra cruel para os mais desfavorecidos, aos sucumbidos pela ganância, onde o imperativo da sobrevivência está se fundamentando em dizimar tudo, inclusive a nossa capacidade de compadecimento. Essa gente, inclusive o Fonseca e outros conhecidos e parentes meus, não estão querendo a vida plenamente, inclusiva. Essa gente se aliou a um desvio cultural, a corpos que dão ordem contra uma razão humanitária. Eu, observando, sobretudo a massa jovem, sei que não existe cultura sem educação. É esta que vai lidar com os nossos desejos. Afinal, cada ser humano é um ser de desejo. Eu desejo um mundo melhor, que não seja privilégio de uma minoria.

 

O lado ruim do processo de crescer

e mudar ideias e prioridades,

é que eu menino passaria por mim sem me reconhecer.

 

      Estas palavras significativas acima é do mano Mingo, sob o título Não o reconheço. Elas  confirmam o que escreveu Rubem Alves de que “os poemas não quebram as correntes nem abrem as portas mas, por razões que não entendemos bem, parece que os homens se alimentam deles e, no fio tênue da fala que os enuncia, surge de novo a voz de protesto e o brilho da esperança”.

(Blog do mano Mingo: barbatuba.blogspot.com)

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

O FASCISMO NÃO É IMAGINÁRIO


 

"Filó" - Arquivo JRS

      O título deste era a mensagem na lousa, na intenção de servir à reflexão daqueles trabalhadores da educação. Lamentavelmente ainda temos a infelicidade de nos depararmos, também no espaço escolar, com adoradores dessa onda fascista que transbordou das profundezas pútridas.

 

     Quando uma jovem estudante questionou escandalizada sobre determinados professores que, perante a sala de aula, se declararam apoiadores do Excrementíssimo, da extrema-direita, tive de revelar um dado de pesquisa sociológica (de 2015): “70% dos professores, depois que se formam, não leem um livro por ano”. Medonho? Medonho!

 

    Quem diz que esse retrocesso não é imaginário é a antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, da Unicamp. Observando o ódio é o título da tese de doutorado, resultado de muitos anos de pesquisa. Assustador é saber que grupos neonazistas crescem 270% em três anos. O temor maior é que essa atuação online transborde, se converta em ataques violentos. Ah! Não vou falar mais! Em vez de ficar destilando ódio incutido via redes sociais, dizendo bobagens a quem faz jus ao título de Servidores da Educação, que esses “cabeças gordas” estudem, leiam textos acadêmicos, adquiram conhecimentos mais próximos da verdade, e, quem sabe, despertem para a sabedoria. É o cúmulo escutar professores reproduzindo mentiras, sendo “tiozões do zap”, falando mal do Mestre Paulo Freire porque não desejam uma educação libertadora. Gente assim, alienada, não sabe que existe uma articulação internacional da extrema-direita, sendo o Bozo somente uma “mula” no esquema. É esta mula que montou uma estrutura e arregimentou o gado para aplaudir medidas como cem anos de sigilo, orçamento secreto, destruição ambiental etc. Desse inominável é a afirmação de que "pobre só serve para votar".

 

    Lógico que as leis contra discursos de ódio não devem ser aprovadas sob tal desgoverno! Desse modo, o Brasil se tornou pária no cenário internacional  - que prefere a civilidade em vez da barbárie. Por isso as práticas abomináveis se alastram sob o manto nazifascista. Segundo o estudo, existem pelo menos 530 núcleos extremistas no nosso país, num crescimento de 270,6% entre janeiro de 2019 a maio de 2021. Afirma a autora: “Eles começam sempre com o masculinismo, ou seja, têm ódio ao feminino e, por isso, uma masculinidade tóxica. Eles cultivam o antissemitismo, eles têm ódio a negros, a LGBTQIAP+, a nordestinos, a imigrantes...Negam o holocausto”.

 

    Mas esses “seres educadores” sabem o que significa fascismo? Explica para essa gente, Márcia Tiburi: “É uma política de extermínio de pobres, negros, pessoas com deficiências físicas ou mentais, judeus, ‘comunistas’, ciganos, artistas, intelectuais e quem mais atrapalhar a essa evolução desse delírio de poder”. Ou seja, existe professor/professora que optou por uma ideologia de exclusão dos mais fragilizados, das minorias sociais. Nesta direção seguem suas lições contraditórias, pois é certo que dependem dos pobres para suas “honrosas gratificações governamentais”. Só não posso reconhecer isso como sabedoria. Resumindo: o fascismo não é imaginário. Ele é real sim!


 Faço questão de acrescentar o comentário do amigo e professor Jorge Ivam: 

 É muito triste tudo isso, Zé! Professores repetindo asneiras com arrogância, achando-se sábios! Esses defensores do inominável são os mesmos que ficaram a favor da reforma da previdência, da flexibilização das leis trabalhistas e propagam o empreendedorismo porque não percebem que se trata duma estratégia do capitalismo para o cidadão se conformar com a pouca oferta de emprego e culpar a si mesmo por sua miséria em vez de se engajar na luta contra a desigualdade social e, portanto, contra esse sistema podre.

 

 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

UM UNIVERSO MUITO MAIS GRANDIOSO


Puxada de rede na praia do Itaguá - década de 1980 (Arquivo Caiçara Ubatuba)

    Orgulhosamente começo este a partir da frase do amigo Peter Santos Németh (o “Alemão”) em relação à Ilha Anchieta, antiga Ilha dos Porcos: 


“A Ilha Anchieta é um universo mais grandioso e complexo do que um simplório presídio”. 


      Foi a História da Ilha Anchieta e o grande envolvimento do Peter com a vida dos pescadores caiçaras que desembocou nesse trabalho muito importante (A TRADIÇÃO PESQUEIRA CAIÇARA DOS MARES DA ILHA ANCHIETA: A INTERDIÇÃO DOS TERRITÓRIOS PESQUEIROS ANCESTRAIS  E A REPRODUÇÃO SOCIOCULTURAL LOCAL). Me apegarei a uma parte que eu acompanhei bem. Afinal, eu nasci quando as comunidades do lado Sul estavam deixando seu isolamento cultural devido às levas  de turistas advindas da abertura da estrada Ubatuba-Caraguatatuba, em meados do século XX. Disso afloraram os loteamentos, as construções pelos jundus e costeiras, os muros demarcando terrenos, as modernas formas de exploração e de alienação.

 

O relativo isolamento do caiçara paulista, causado por sucessivos altos e baixos econômicos (VIANNA, 2008: p.258) do litoral sudeste brasileiro, deve ser visto não como um isolamento de fato. Sempre que necessário essas pequenas comunidades litorâneas, “aproveitando-se das menores condições que pudessem ser favoráveis ao homem”, gravitaram economicamente em torno dos grandes centros comerciais, “enviando-lhes sua parca produção - farinha de mandioca, peixe, algum café” e aguardente em canoas de voga. Viagens que proporcionaram a “oportunidade de se ganhar um excedente que complementasse a produção doméstica em comunidades relativamente auto-suficientes”. (MUSSOLINI, 1980: p.221-226).

Foi esse isolamento relativo que garantiu a tenência de saberes e fazeres culturalmente diferenciados por essas comunidades, e que de certo modo manteve o patrimônio cultural tradicional protegido até meados dos anos 30, quando por pressão de um novo mercado emergente consumidor de pescado, essas comunidades caiçaras passaram a se dedicar mais intensivamente à pesca e ao universo marítimo (DIEGUES, 1973;1983; ADAMS, 2000).

Essa mudança fez surgir entre os caiçaras o que Mourão chamou de “ideologia da pesca”, além de uma nova noção de trabalho: Em vista disso, atualmente, os antigos caiçaras paulistas, hoje em parte convertidos em pescadores exclusivos, reordenam seu modo de vida e seu referencial cultural, os quais passam a se articular mais intensamente, ao contrário do passado, com o universo marítimo. (ADAMS, 2000: p.155). O caiçara passou então a agregar novos valores externos, como pescar além das necessidades de “subsistência”, gerando excedente suficiente para comprar pequenos motores e redes de nylon que melhoravam os resultados da pesca, alimentando o círculo vicioso de exploração e dependência econômica que culminou na crise de sobrepesca dos anos 1970.

A renda na pescaria é meio fraca né... antes Alemão, prá começá: num tinha água, num tinha luz, essas coisa pra pagá (contas), você andava sossegado. Adepois, também, claro, as coisa foram mudando, que tinha água e luz, você tinha que se daná porque no fim do mês você tinha que tê o dinheiro né? Você tava devendo... então mudô muito... (DOS SANTOS, 2015, comunicação pessoal)

A princípio essas novas visões de mundo e valores não tradicionais, agregados pelos pescadores locais, geraram um grande impacto sociocultural, o da sobrepesca estimulada pelo aumento do consumo urbano de pescados. Pescar muito além do volume consumido localmente, causou a sobre-explotação dos estoques pesqueiros através do uso de técnicas mais agressivas (ALMEIDA, 2005: p.58), tais como o arrasto de porta motorizado, e as parelhas.

A sobrepesca resulta da erosão das normas de autocontrole, da prudência e da solidariedade comunitária. Ela ocorre quando os pescadores não se preocupam com o recurso, com sua comunidade e com os outros. Então sua capacidade de se comunicarem entre si, de concordarem e cooperarem se perde. (Jentoft, 2000 apud BERKES et al., 2006: p.251)

Outra característica observada localmente foi a do peixe capturado ser considerado pelos pescadores locais, como “dinheiro em caixa”. Chegando à praia, o balaio de peixes se transforma imediatamente em “dinheiro vivo” (DIEGUES, 1983: p.152), pois a venda é feita diretamente ao consumidor (Figura 23), que muitas vezes está aguardando a chegada do pescador (KANT DE LIMA e PEREIRA, 1997: p.238).


       Agora, concluo neste tempo de tantos pobres enganados pelas mentiras disseminadas nas redes sociais e em muitas igreja: na verdade, cada ilha deste território caiçara, cada praia, cada costeira, cada mangue... enfim, todo este chão tão caro ao nosso povo é um universo muito grandioso para ser colocado apenas como fonte de riqueza para uns pouquíssimos. Prova disso, dessa escalada contra os mais pobres, sobretudo àqueles que dependem do mar mais diretamente, que garantem nossos pescados, é a PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N° 3, DE 2022 (nº 39/2011, na Câmara dos Deputados) que vai na direção de propor uma simples mudança de transferência de propriedade dessas terras do governo federal para estados e municípios. Mas, na verdade, é um aceno para que esses entes possam privatizar, edificar, aterrar etc. O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados. Ubatuba e todo território do povo caiçara só tem a perder caso as riquezas públicas garantidas pela Constituição de 1988 de que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar” (Artigo 10 da Lei nº 7.661) passem ao controle de grupos econômicos e políticos locais, resultando em privilégios de poucos. Podemos muito brevemente começar uma prosa assim: “No tempo em que essas praias, essas ilhas e essas costeiras eram do povo...”. Cruz credo! Contra esta possibilidade, me apego a uma frase de Paulo Freire: "Esperançar é ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras".


Recomendo a leitura: A TRADIÇÃO PESQUEIRA CAIÇARA DOS MARES DA ILHA ANCHIETA: A INTERDIÇÃO DOS TERRITÓRIOS PESQUEIROS ANCESTRAIS  E A REPRODUÇÃO SOCIOCULTURAL LOCAL, desse autor (Peter) da praia da Enseada, em Ubatuba.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

PISTAS DE APROFUNDAMENTOS

Década de 1970 - O surf estava nascendo aqui - Arquivo Ubatuba Antiga


      Agora me detive em reler alguns comentários de leitores do blog. Me emociono ao receber devolutivas dos meus simples textos, principalmente quando se trata de testemunhos da história, da nossa história caiçara em Ubatuba. Pode ser que brevemente eu parta para outras paragens, conte outras histórias, mas creio que os textos do coisasdecaicara.blogspot.com continuarão fazendo alguma diferença. Faço questão de, a seguir, dar as conhecer  as contribuições do Lima e Hélio. Caso queira entender melhor o contexto delas, recomendo a leitura do textos destacados. A quem interessar um trabalho enriquecedor, recomendo entrevistar os moradores mais antigos da Barra Seca e aqueles, no Perequê-açu, que conheceram Mestre Bigode.

 

Lima comentou em "NIPÔNICOS NO LAGAMAR"

8 de set. de 2022

Quero aqui parabenizar o criador desta página e colaborar com alguns detalhes. Lembro me que o Sr. Godoy, farmacêutico em Arujá com quem eu trabalhava desde os nove anos (na época eu tinha 15 anos). Ele detestava dirigir e tinha interesses imobiliários na baixada norte; por isso eu dirigia para o mesmo assim que saíamos da via Dutra em S. José dos Campos até Ubatuba. De Caraguá a Ubatuba o trajeto era parte praia e parte estrada de terra (uma viagem); é desse período que pude acompanhar as negociações de venda da área da praia da Barra Seca ao Sr. Santokura, e dessa forma pude ver e acompanhar o desenvolvimento dos tanques e depois a engorda das "unaguis" ou enguia japonesa, e também acompanhar a tecnologia já adiantada de criação de peixes em cativeiro, com água do mar. É uma pena saber que tudo acabou. Lembro também que a essa época, uma das vezes que descemos para a baixada, o fizemos pela velha estrada de Santos, e no Guarujá, rumamos para a balsa de Bertioga, e dali à frente, através das praias e pequenas escapadas por estradas de terra, até Caraguatatuba, demoramos um dia inteiro.

 

Hélio comentou em "O MESTRE "BIGODE""

10 de set. de 2022

Grande Mestre escultor da nossa querida Ubatuba, compadre do meu pai, ao seu último filho lhe deu o nome de Francisco em forma de homenagem ao meu querido e saudoso pai Francisco Paulino. Foram parceiros de tantas e tantas corridas Brasil a fora,´ lhe chamava carinhosamente de Chico Paulino. Tive o privilégio de frequentar sua oficina no Perequê-açu dos meus 4 anos até meus 12, 13 anos mais ou menos. Ficava eu fazendo a lição que ele me deixava ir aprendendo com os filhos (Laura, Bigodinho, o cabo e o sargento), enquanto eles saíam para fazer um "fartleque" , ou seja, fazer um treino de corrida como diziam. Iam pela Casanga, Itamambuca, Centro e depois finalizavam na praia do Perequê. Pela diferença de idade (que tinha uns 13 anos), meu pai sempre o elogiava pela vitalidade, nas prova eram sempre os dois dando trabalho na ponta, isso quando não dava dobradinha 1º e 2º. Meus parabéns Zé Ronaldo por rebuscar nossas memórias. Tempos atrás fiz pesquisa e não encontrei quase nada sobre nosso Mestre Bigode. Acho um tremendo descaso essa falta de visibilidade de um artista autodidata como ele. Como você disse, suas obras estão mundo afora. Aqui poucos o conhecem nos dia de hoje. Tive o privilégio de acompanhar várias obras dele como A Virgem Maria, um São Francisco, Santo Expedito, remos canoas e por aí afora, antes dos rumos se tornarem outros, infelizmente, ele estava me incentivando a fazer os primeiros traços em algumas obras mais demoradas, guardo isso muito vivo em minha memória... Parabéns meu caro Zé Ronaldo

 

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

OBRAS DE MANOEL DE BARROS

 

O mano Mingo, ao homenagear o poeta Manoel de Barros (1916-2014), natural do Estado de Mato Grosso, justifica a eternidade  deste que, em versos regionais, faz constantemente considerações existenciais. Ainda me lembro bem da primeira vez que li uma poesia do Manoel de Barros. Na hora pensei: "Deve ser alguém que passa a maior parte do tempo no mato e tem uma sensibilidade muito próxima da minha". Acho que não errei muito na primeira impressão. 










Poemas concebidos sem Pecado

Face imóvel

Compêndio para uso dos pássaros

Gramática expositiva do chão

Arranjos para assobio

Livro de pré-coisas

O guardador das águas

Concerto a céu aberto para solos de aves

O livro das ignorãças

Livro sobre nada

Retrato do artista quando coisa

Exercícios de ser criança

Encantador de palavras

O fazedor de amanhecer

Tratado geral das grandezas do ínfimo

Para encontrar o azul eu uso pássaros

Cantigas para um passarinho à toa

Poemas Rupestres

Memórias inventadas

Menino do Mato

Escritos em verbal de ave

Portas de Pedro Viana.

Portas de Pedro Viana e ponto final?

Que nada, quem alcançou esse grau de sensibilidade

tem por merecimento a eternidade.


(Fonte: barbatuba.blogspot.com)