terça-feira, 1 de março de 2022

LINHA DE TUCUNZEIRO

Tucum verde - Arquivo JRS
Tucum maduro - Fonte: https://blogger.googleusercontent.com


   Tio Izídio Antunes de Sá, nativo da Caçandoca, foi quem me apresentou a linha de tucum. Já tinha passado esse tempo de recorrer às fibras dessa palmeira tão comum nos nossos morros e restingas, mas ele explicou que, no tempo de sua infância, todos usavam dessa técnica, ainda do tempo dos indígenas. "Era recurso dos pobres, menino. Dava trabalho de fazer, mas era muito resistente. Agora tudo é muito mais fácil. Ainda na semana passada fui até a cidade e comprei uma linha 080 de náilo, um carretel que deve aturar até depois que eu morrer". 


     Na porta da cozinha desse meu tio havia uma mata nativa e uns pés de tucum, o coco azedo. No tempo certo, a gente aproveitava para se deliciar nos verdes, pois o maduro exigia mais trabalho, precisava cozinhar e depois socar no pilão para poder comer. Virava farofa de coco quando juntado com farinha para acompanhar nosso saboroso café. Naquele pedaço de terreiro eu vi como se fazia a linha de tucum. Titio arrancou umas folhas, retirou uns fiapos esbranquiçados que as sustentavam e, entre as duas mãos, foi juntando-os e formando a linha. Fez apenas um pequeno pedaço como demonstração. "Era assim que a nossa gente se virava; aprendemos com os mais antigos. Quem fazia bastante fio, usava a maúsa, um fuso muito prático. Hoje pouca gente sabe disso".     De repente, nos escritos de Carlos Borges Schmidt, um pesquisador que passou por aqui em meados do século XX, achei uma pérola que me fez lembrar do tio Izídio. Estava registrado: 


"Até vinte ou trinta anos atrás, em Ubatuba, ainda se fiavam linhas de fibras extraídas das folhas de tucum, uma palmeira encontradiça nas matas de todo litoral. Essas linhas eram usadas para a pesca de anzol, nas costeiras ou em mar largo, e também para a confecção de pequenas redes. No povoado de Caparra, ou Icaparra, à margem do Mar Pequeno, próxima à barra onde hoje o Ribeira lança a mor parte de suas águas, encontramos talvez o único  remanescente dessa pequena indústria doméstica rural.  Foi ali, depois de percorrer, em várias oportunidades, todo o extenso trecho da costa atlântica, que fomos surpreender a sobrevivência dessa rústica e elementar técnica de fiação. Destacadas, por um golpe de habilidade, as fibras mais salientes da página inferior [parte de baixo] da folha de tucum, reunidas e enoveladas depois em um chumaço, preso em seguida entre os dois primeiros artelhos, era, pouco a pouco, puxado e formado o fio, com a grossura desejada, que ia sendo acochado pelo fuso primitivo, composto de uma pequena haste, tendo em uma das extremidades uma rodela de barro cozido. O operador trabalhava sentado em um pequeno banco ou na soleira da porta. O fuso girava  apoiado no chão, impulsionado pela mão direita, enquanto com a mão esquerda era regulada a espessura do fio. O chumaço estava preso nos dedos do pé direito, cuja perna ficava estendida, enquanto que a esquerda permanecia encolhida, Feita uma certa quantidade de fio, era este enrolado e enlaçado na base do fuso, formando se assim o novelo. Produzido em quantidade bem limitada, o fio tinha uma utilização antes doméstica. Usavam-no em pequenos consertos de roupa, principalmente, muito embora não deixassem de aproveitá-lo também para linha de pesca com anzol".



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