Idalina na ponte da Barra dos Pescadores - (Arquivo Ubatuba) |
quinta-feira, 31 de março de 2022
TRANSBORDAMENTO DE HISTÓRIAS
sexta-feira, 25 de março de 2022
AGUARDANDO A CONFERÊNCIA
segunda-feira, 21 de março de 2022
ENTRE TERRA E MAR
Olha nós aí! (Arte da Maria Eugênia) |
Entre a certeza dos pés bem firmes no chão
entre a vida contida pelo intervalo entre o nascer e o pôr-do-sol
e a necessidade de trocar a noite pelo dia;
entre a paz com a vida e o desafio à sorte;
entre o conhecimento e a ignorância das regras com que é preciso jogar;
entre a terra e o mar; Manuel ficou na roça e Benedito foi pescar.
segunda-feira, 14 de março de 2022
SANTA BARBA
Um gato - Arquivo JRS |
Totonho do Rio Abaixo, quase um personagem de Guimarães Rosa, é um caipira que exagera nas descrições da vida na roça, de quando era criança: “Eu tomava leite de cabra, por isso sou assim parrudinho. Queijo duro, daquele que se descasca, era em fartura. A porcalhada, tratada a soro duas vezes por dia, transbordava em saúde e gordura pra todo lado. Todos tinham cavalo; cabia a mim uma égua velha”. Também não tinha uma vez que ele não tirasse do bolso, embrulhado num pedaço de plástico, uma fotografia, pegando do pescoço para cima, de uma moça que foi paixão antiga: “Esta é a Ritinha, filha da tia Andrelina. Vê o cabelo vermelho dela? Dizem até hoje que ela tem parte com a Caapora, que é coisa arranjada por parentes do tempo d’antes, de nossos antigos que primeiro chegaram no Rio Abaixo”. Aproveito, então, para explicar: “Sabia, Totonho, que caapora deu origem a caipira? Pois é! Caapora é habitante do mato adentro, que vive no interior, longe da beira do mar, o oposto de caiçara. É você: caipira”.
Totonho não deu ar de satisfação, mas também não se magoou. E continuou a prosa. (Aproveito para dar um aviso: de tudo que esse personagem conta, nem a metade é coisa verdadeira). “Até nas valetas do meu lugar, lá na Serra Acima, tinha jacaré. Vez ou outra eles estavam pegando sol no aceiro da roça, nos assustavam. Não tem mais nenhum deles porque a minha gente comeu tudo. Toda a cachorrada daquele lugar era de caçar, farejava e corria léguas no sobe e desce dos morros. Ainda hoje, lá em casa, tem um vira-lata que veio da roça, da linhagem desses cachorros que não perdiam uma caça: é o Pinga fogo. Você acredita que até bicho de pé, aquele que dá coceira desesperadora, da sujeira do chiqueiro, ele fareja na pele de quem o tem? Late, late, late...faz a gente passar vergonha. Não ataca onça, mas enxota de vez em quando uma delas morro acima. Tá escutando esse alvoroço agora? Vem lá de casa; é o Pinga fogo infernizando o a vida do gato e das tiribas do coqueiro”. A falação do Totonho do Rio Abaixo, que só perde para o Auri, iria longe caso não viesse um estrondo de longe: “Escutou? É trovoada. O varal lá em casa tá cheio de roupas. Vou recolher agora, pois a mulher já faz tempo que trabalha fora, no mercado”. Quem passou por ali logo depois foi o amigo Dito Pinhé. Chegou perguntando pelo Totonho. Informei-lhe que, naquele momento, pelo que me disse, ele estaria recolhendo roupas do varal. “Mas aquele caipira não ronca papo que é muito macho, não faz serviço de casa etc.?”. Não me contive no riso: “Tudo é papo dele, Dito! Agora é a coitada da ‘Isaura’ que aguenta as pontas naquela família. Totonho virou chupim”.
Sabe o que é chupim? É um passarinho preto que se apodera do
ninho alheio para botar lá os seus ovos a fim de seus filhotes serem criados
pelos outros. Desconfio que os tico-ticos andam sumido por conta desses
chupins. A conversa seguia até o ribombar de um trovão depois de um corisco.
“Santa Barba!” – exclamou amedrontado e saindo bem depressa o Dito. Sabe quem é? Santa Bárbara é a valência nas
tormentas; faz parte da religiosidade caiçara.
sábado, 12 de março de 2022
UM GRANDÃO QUE NÃO ESCAPOU
A casa do Manequinho - Arquivo JRS |
Meu finado pai contava um causo ocorrido na praia da Enseada, em Ubatuba, no tempo em que nem havia casa de turista. O único comércio era o do da subida do morro, como quem estava indo para as Toninhas: era a "Venda do Maciel". Outras duas vendinhas preenchiam os tempos de prosas e de cachaças dos caiçaras: o Bar dos Inocentes e o Bar do Sodré, esposo da Zenaide. Eu, quando criança, morava na praia do Perequê-mirim e participava das disputas de malhas patrocinadas pelo velho Amaral, na pista improvisada ao lado do Bar dos Inocentes. O velho Tatana eu conheci, assim como avistei em vida o Velho Giró, o Bráulio Rocha, o Manequinho Valentim, o Fabiano, o Antônio Julião, o Luiz Silvino e tantos outros velhos pescadores.
Todo pescador é contador de causos. Além das rodas de prosas nos ranchos ou debaixo das árvores do jundu, os caiçaras também narravam empolgantes histórias nos balcões enquanto bebericavam a "mardita branquinha". Papai contava do "Fantástico peixe do Manequinho". Era mais ou menos assim:
"Manequinho morava ali, no canto da Enseada, beirando a costeira, não muito longe da venda do Maciel. Naquele tempo, vós sabeis, não era preciso ir muito longe para fazer uma boa pescaria. Ele não se cansava de contar que o maior peixe da sua vida ele tinha pescado quase da porta de casa, do 'cagadô'. Foi quando um bitelo de mero pegou na isca e deu trabalho quase a tarde inteira. Vendo o compadre naquela luta, o vizinho Tatana se ofereceu para ajudar. O peixe era grande e pesado; os dois faziam força para encostá-lo nas pedras. Dava pra ver aquela escuridão brigando com a linha, quase quebrando a vara de bambu. De repente, deu uma rabanada maior e escapou. Só que a linha ainda tinha um certo peso. Os dois puxaram sem maiores dificuldades. Era a guelra do coitado que veio no anzol. Eles repartiram pelo meio. 'Deu escardado pra dois dias', contavam o Tatana e o Maneco. Mas o melhor vem agora: uns dias depois, pescando no mesmo lugar, outra vez um grande peixe se atracou com a isca, mas dessa vez não deu muito trabalho. Novamente o Tatana veio acudir, trouxe um bicheiro para facilitar a puxada costeira acima. Então...a surpresa: era o mesmo de antes, aquele que tinha deixado a guelra dias atrás. Que mero, meu filho! Deu tanta carne que as duas famílias e outras mais próximas passaram uma semana sem a preocupação de sair para pescaria. Foi um grandão que não escapou".
Como eu gostaria de ter escutado mais causos desse meu povo caiçara! A gente ria de quase tudo. Era um humor educado, que abria janelas nas nossas vivências. Não sei dizer se as gerações atuais estão aproveitando das memórias dessas tantas pessoas que romperam a História com suas tantas histórias, mas gostaria de ver se multiplicarem as rodas de contadores de causos, saber das prosas (do tipo do mero do Manequinho e Tatana) que aturam até hoje e seguem nos saciando, se compondo na nossa educação, nos tornando mais humanos.
Em tempo: agradeço ao professor Roaldo Fachini que me fez recordar do causo dos dois pescadores da Enseada.
sexta-feira, 11 de março de 2022
A VOZ DO MAR
Praia da Cocanha - Arquivo JRS |
Trata-se de uma semanário antigo: O Tico-tico (Semanário das creanças). A edição é de 14 de dezembro de 1927. Na página 7 está o artigo do Carlos Manhães.
A voz do mar
A onda, marulhosa e forte, acabava de arrebentar nas pedras limpas do cáes, atirando salpicos de prata na graça de uns cabellos de ouro.
- Não gosto de ver o mar. Elle é máo! Roncando sempre, empurra as ondas, desfazendo-as em espumas, separando-as com impiedade. Eu queria ver o mar como vejo o rio, carinhoso e manso, a deslisar em affagos, em ternura materna, beijando as margens floridas e ensombradas. Não sei porque o mar fala tão alto, porque está sempre zangado. Então, á noite, quando a Lua olha para as ondas, eluminando-as, o mar mais se enfurece. Pensa, talvez, que a Lua vae gastar o espelho das aguas...Imagino, ás vezes, que o mar guarda em seu bojo todos os trovões que fugiram do céo.
- Não pense mal do mar, meu doce amor! O rumor do oceano não é de trovões nem de maldade.. É o hymno de alegria das águas do bailado das ondas espumosas. É o cantico glorioso da lympha que já foi fonte, da fonte que formou o regato, do regato que se tornou rio, do rio que se fez caudal, da caudal que fertilizou campinas, dando humus á terra, dando seiva ás flores, dando viço ás arvores onde a passarada cantou balladas ao nascer de auroras! É o marulho forte da corrente que levou jangadas a portos almejados. É o chiar de imponentes cachoeiras, é a canção das chuvas, a alegria infinita do orvalho que formou gottas d'água, o supremo contentamento das avalanches na dansa maravilhosa do justo que exalta a ventura de ter sido útil! A voz do mar, meu filho, é a rapsodia das águas que beijaram a terra dando-lhe fertilidade e riqueza!
quarta-feira, 9 de março de 2022
NO DIA DELAS
sábado, 5 de março de 2022
DIZERES DE UMA IMAGEM
Cruzeiro da Fortaleza - segunda metade da década de 1960 (Arquivo Ana Fernandes) |
terça-feira, 1 de março de 2022
LINHA DE TUCUNZEIRO
Tucum verde - Arquivo JRS |