sábado, 11 de maio de 2019

O CAMBOTE DA TINTICUIA

Lagamar do Itaguá (Arquivo JRS)


          De vez em quando eu me pego sorrindo sozinho. É que coisas engraçadas, agradáveis e saudosas me vêm à mente. Quase sempre são momentos simples, da nossa gente, dessa caiçarada esparramada pelo chão de Ubatuba (desde o Camburi até o canto das Galhetas-Tabatinga).

          Dias desses passados, proseando com o Arcendino e o Vicente Preto, até me perdi no tempo e tive de sair bem depressa para uma obrigação que já passava da hora. Os assuntos eram pescaria, peixada, canoa e gente que faz falta porque nos deixou “antes do combinado”, conforme diz o Boldrin, ou porque fizeram a sua parte no combinado, sendo dispensados para abrir espaço a hóspedes novos nesta terra.

          “Assim é a vida, Zezinho. Assim é a vida. A gente dá risadas até hoje de alguns nomes de canoas antigas”.  Era assim mesmo: cada um escolhia nome que tinha identidade com a embarcação, que merecia estar gravado na proa, correndo pela borda. “Agora, onde o Artelino foi buscar o sentido de chamar a sua canoa tonta, um fisguela daquela, de Tinticuia?”.

          Tinticuia, para quem não sabe, é o popular manacá da serra, que no final do verão cobre nossos morros e beiras de estradas de tons rosas e brancos. “Não sei não, mas acho que era por ser leve demais”. Era mesmo. Poderia bem ser esse o motivo. A tinticuia é uma variedade nativa da Mata Atlântica; germina em área derrubada, de antigos roçados e em “picadas” de outros tempos. Não tem uma vida longa. “Árvores secas se pontilham até onde lenhador alcança a vista”. É que elas servem para fazer fogo, queimam bem em fogão à lenha. 

         O Arcendino rebateu logo: “Lógico que não era por isso que ela teve esse nome! Eu sei disso porque o finado papai me contou! A canoa do Artelino, a Tinticuia, de timbuíba, obra do Antônio Julião, ajudado pelo Dito Neves, foi tirada do Morro do Funhanhado. A árvore era perfeita, daria uma embarcação de quase seis palmos de boca. Mas só que na hora de derrubar a bitela, o Dito Neves se perdeu nas últimas machadadas deixando o tombo sem rumo. Para encurtar a história, quatro ou cinco tinticuias do derredor se enroscaram entre elas e causaram um grande estrago na timbuíba. Quase que nem deu aquela porcaria de canoa. E ainda por cima fez um estrago na perna do Antônio Julião que, pelo resto da vida mancou mais ainda”. Ah! Pensei: esse danado tá certo, acho que a verdade é essa mesma! Então era por causa dessa história que, quando alguém tropeçava de repente e se dava mal, sempre tinha um engraçadinho gritando de longe: “É a tinticuia que deu cambote no Antônio Julião?”.


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