Maré de Lua (Arquivo JRS) |
Na
metade de 1969, quando eu era bem criança e brincava pelas grimpas dos morros,
na praia da Fortaleza, escutei que os americanos foram à Lua. Assim eram as
notícias: “Neil Armstrong e outros
aterrissaram na superfície lunar”, “Emílio Garrastazzu Médici tomará as rédeas
do governo” etc. Enquanto isso o Zezinho e as demais crianças continuavam correndo pelos morros,
badejas, costeiras e outros lugares dessa natureza exuberante. Todos os espaços
estavam à nossa disposição. Muitos diziam: “Imagine
se Deus vai permitir que alguém conheça o céu e seus mistérios!”. Na Terra,
estava “tudo sob controle”, inclusive na nossa terra.
Lá no morro, onde era a
nossa casa, saindo no terreiro a gente já estava debaixo de uma frondosa
aroeira, de onde avistávamos os rolos de fumaça que saíam dos navios que
passavam bem longe, no largo, quase na linha do horizonte. Pelos caminhos quase
sempre lisos, de barro amarelo, vovô e os menos velhos carregavam cachos de
bananas, balaios de mandiocas e outras sustâncias dos nossos eitos de roças que
se espalhavam até onde a vista alcançava. Em casa, nos intervalos de um
trabalho mais exigente, mamãe e vovó costuravam nossas roupas. Sacrifício para
as crianças era ir às aulas enquanto passarinhos, rios e mar estavam sempre
descompromissados. Ficávamos em dúvida entre pegar caderno e lápis ou sair
correndo alegremente sem destino pelos caminhos de servidão. Gostoso era
brincar e aprender e aprender brincando: caniços viravam apitos, folhas de
bastão imitavam cornetas, bodoques disparavam em toda direção, pescarias se
multiplicavam... Cada farinhada era uma festa para nós crianças. Mas festa de
verdade só na capela, onde a comunidade se encontrava regularmente. Tinha
fogueira. Tinha foguetes. Tinha consertada. Tinha doce de mamão. Tinha bolo e tinha
pipoca. Naquela época do ano, assim que chegava o tempo da tainha, a gente já
estava ansioso pela tal festa.
Agora, passou o tempo... Passou tudo! O espírito
de ambição se alastrou “e paira sobre as águas”, contagiando tudo, contaminando
tudo. Tem uma história, voltando aos astronautas do início, que ao saber que
eles iriam à Lua, um índio sábio mandou uma mensagem por intermédio deles, mas
na língua dele. Ao decifrarem o recado, os que iriam embarcar na nave ficaram
boquiabertos: “Não acreditem em única palavra do que essas pessoas estão lhe
dizendo. Eles vieram roubar suas terras".
Nenhum comentário:
Postar um comentário