domingo, 23 de julho de 2017

OLHANDO AS BANDEIRINHAS


          
Cercando tainha no Itaguá -1960 (Arquivo Igawa)
     Ontem, conforme a nossa tradição, chamamos o parentada e fizemos a nossa fogueira no quintal. Agora, olhando as bandeirinhas que tremulam na varanda, retomo uma reflexão que nem é de tanto tempo assim.

               March Bloch e Lucien Febvre, dois importantes estudiosos contemporâneos apelam para que se estude “o homem e todos os seus vestígios, e não somente as grandes personalidades, isto é,  passaram a  considerar toda a produção material e espiritual humana como possibilidade de contato com esse homem do passado”. Assim, após vivenciar mais uma noite em família, dentro de uma tradição, reescrevo a respeito da cultura do pitirão (multirão), da relação de comunhão, de reciprocidade genuína. “É um adjutório que vem desde os mais antigos dessa terra”.

               “Cruzei o Cabo da Boa Esperança”. Fiz favores, recebi favores porque assim aprendi a cultura do pitirão. Neste ideal marquei presença em construções de casas e em roçados de muita gente. “Lembra-se daquela casa, da Dona Irene, na estrada do Monte Valério?”. Era favor que a gente esperava ser retribuído: “Pobre tem de se ajudar”, “Uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto”. Agora, pensando em sábias palavras e exemplos de nossos antigos, sei que ajuda é outra coisa. Os velhos caiçaras ensinam que ajuda não se diz, só se sente. Porque, “se uma boa obra (ajuda) se torna pública, ela perde o seu caráter de bondade, de não ter sida feita por outro motivo além do amor à bondade”. Registro isto aqui porque desconfio que, dentre os poucos caiçaras que encontro nos diversos ambientes, quase ninguém recebeu/assimilou tal aspecto. Por quê?
               O advento do turismo e a chegada da televisão coincidem com a vinda dos migrantes em busca de melhores condições de vida. Estes deixaram suas realidades de roças, suas culturas (caipira, sertaneja...); alguns vieram até de outros países. A maioria da população ubatubense se encaixa neste contexto. Quem chega assim, buscando a sobrevivência, dificilmente respeitará a cultura que já se encontra no novo lugar, não vai considerar a sacralidade da terra, do mar, dos rios e dos demais seres. “Farinha pouca meu pirão primeiro”. Acaba se instalando a sociedade de consumidores incapazes de cuidar deste entorno, deste mundo caiçara (interdependência homem-natureza). E o pior: justifica o injustificável (omissão, ganância, egoísmo, perda de sensibilidade dos favores e da ajuda etc.).

               Enfim, ajuda é o que você não vai dizer para ninguém, pois acredita que só à  eternidade diz respeito. Favor é aquilo que você faz esperando retribuição. A frase preferida da vovó Eugênia encerra a prosa: “Que a tua mão direita não saiba o que faz a tua mão esquerda”. A tradição da fogueira é parte dessa cultura em pitirão.

Um comentário:

  1. Triste !! As vezes me pergunto ! Quando da Perda da inocencia de nossos irmão Caiçaras? ja não se ajundam mais sem que aja um pagamento , ha uma luta desesnfreada pelo poder monetário,nossas festas viraram meros comercios onde nem um doce é dado a uma criança desconfiada. Este mes participei em uma festa dita festa caiçara onde o monetario é o objetivo ,nossa cultura estava longe de la,onde nenhum Caiçara remado apareceu para participar de uma tradição, nossa corrida de canoa caiçara,não fosse alunos de uma escolinha de remo aparecer não haveria corrida ,onde há divisão e até mesmo inveja no que o amigo pescador pescou em sua rede . triste ! Ha saudade dos tempos de primeiro onde o pouco que tinha-mos repartiamos como o proximo ,onde guarida erá dado a todo viajante em nossa casas.

    ResponderExcluir