Alguns sinais da escravidão em Ubatuba (Arquivo JRS) |
“Na
escola da vida não há férias”.
Com
esta frase de para-choque de caminhão eu me inspirei a escrever a respeito
desse tempo chamado férias escolares. No meu caso e de tantos colegas, a escola
faz parte da escola da vida. Então, é impossível ficar totalmente de à toa,
sobretudo quando consideramos o
conhecimento tão necessário quanto a alimentação.
Assim, férias é tempo de ler mais, de pesquisar, de escrever... De imaginar
desafios para um novo ano letivo, onde a Educação continuará num plano inferior
dos gestores públicos, dos nossos governantes. Alguém duvida?
Neste
tempo, repondo as energias e gastando outras, fiz algumas caminhadas. Uma delas
foi a Trilha do Campo, no Sertão da Quina, depois de muitos anos. Daqueles
companheiros de outrora, somente o primo Giovani retornou comigo. Desta vez,
conosco foram: Estevan, Clóvis e Marquinho, cuja observação continua reflexiva:
“Esta é a primeira trilha que faço que não vejo sinais dos seres humanos, não
tem nenhum plástico, nenhuma lata. É limpa mesmo!”. Pois é! No entanto,
trata-se de uma rota antiga, por onde os traficantes de escravos levavam suas
mercadorias, evitando assim a estrada oficial, onde o fisco atuava. “Leve
vantagem, leve...”. Foi também por esse caminho que o povo de Serra Acima
(Vargem Grande, Palmeira...), os caipiras, comercializavam com os caiçaras,
traziam suas mercadorias e levavam os produtos do mar. Desse modo, tantos
caipiras se acaiçararam, sobretudo no Sertão da Quina, no Sertão do Corcovado e
no Sertão do Mato Dentro (Marafunda e Ipiranguinha). Essa mistura no nosso
espaço, essa experiência de convivência com Caetano, com Ana Faria, com Pedro Caipira, com o Zé Sibi, com Dona
Tereza e Seo Pedro, “tudo gente da Serra Acima”, faz-me lembrar do sincretismo
religioso tão marcante no Brasil, de quando os meus antigos clamavam por São
Jorge (Oxóssi), Santa Bárbara (Iansã) e Santo Antônio (Ogum). Qual caiçara,
numa trovoada brava, não escutava o “valei-nos Santa Bárbara”? Tudo isso porque
o Brasil, desde seus primórdios, se fez, principalmente, com braços dos negros trazidos como cativos do
outro lado do oceano, da África, dando, inclusive, a sua contribuição ao nosso ser religioso.
Voltando
à trilha, andando por onde séculos andou tanta gente, por onde sofreu tantos
seres humanos vindos de longe para o trabalho, fiquei imaginando de onde eles
tiravam forças para a vida. Cheguei à conclusão que valência era nos seus
santos (orixás) da Mãe África. Quanta valência! Recordando das prosas com o
saudoso Sabá, um negro caiçara da Praia da Enseada, “as coisas só não era pior
porque Exu, moleque como ele só, assustava as pessoas pelos caminhos”. “E tinha
alguma divindade assim , Sabá?”. “Lógico, Zezinho! Exu é um gozador, arteiro
como muitos caiçaras que conheço, que são até parentes meus! É ele quem domina
os caminhos. É o santo das andança, da movimentação, mas por ser tão brincalhão
e arrenegado muita gente até confunde ele com o diabo”. Quanta sabedoria naquele vendedor de peixes
da minha criancice! A propósito, é dele esta contribuição: “Morrer faz parte da
vida. A única certeza de quem nasce é que vai morrer. Por isso não adianta ter
medo, nem se agarrar no fifó da vida. De nada vai adiantar”. Ah! Quantos pensamentos, quantas
recordações pelos caminhos desses nossos antepassados!
Nisso,
descendo calmamente, com o Giovani a recolher umas preciosidades para
multiplicar em mudas, escutamos um grito, um chamado. “Ué, o que será que
aconteceu?”. Não demorou muito, no sentido contrário vem um companheiro dizendo que se
perdeu na trilha. “Impossível, como pode num lugar tão bem marcado?!?”. Sabe o
que diria o Velho Sabá? “Tem dedo de Exu
nisso. Tem sim!”.
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