Eu e Nilo (Arquivo JRS) |
Dia
27 de janeiro de 2017 – Praia do Perequê-mirim. Depois
de um café com parte da família Cabral Barbosa (Nilo, Luzita, Adriana e Aline), puxei uma
prosa com o meu compadre Nilo.
-
Nilo, fala do tio Dionísio.
-
Ele morava no Sertão [do Perequê-mirim], na casa do coronel Maciel. Era casado
com a tia Luzia, tinha uma porção de filhos. Rodolfo, Judith, Joana... eram
filhos. Os outros filhos foram embora para Santos, trabalhar. O Dito Henrique,
pai do Ditinho, do Andrade... era genro dele, se casou com a minha prima
Judith. O Antônio Julião foi casado com a Joana, mas logo enviuvou. Alguns eu
não conheci porque foram trabalhar em Santos. O resto ficou aqui mesmo. Eu era
criança... Eles foram para trabalhar em Santos, nos sítios de banana; casaram
por lá e por lá ficaram. O Antônio Julião foi genro, casou com a Joana, a minha
prima. Joana Cabral.
Uma pessoa entre o casal Dito Henrique e Judith Cabral. (Arquivo R. Ferrero) |
- O
Dito Henrique eu não conhecia. Eu conheci ele trabalhando. Depois que a
primeira mulher morreu, a mãe do Ditinho Henrique, a minha prima Judith casou
com o Dito Henrique. O Dito Henrique, o velho. Eu não conheci a primeira mulher
dele. Ele vinha aqui quase todo dia. No domingo à tarde, o tio Dionísio ia na
Enseada, passear na casa do genro, né? A minha tia Luzia ia na frente.
- E como era o lugar onde morava o tio Dionísio?
- E como era o lugar onde morava o tio Dionísio?
- Na
casa do tio Dionísio havia um pomar que estava assim de frutas, os galhos até
arcavam. A lima, rapaz, daquela bitelona assim... Lima barata, que falam, e
lima-embigo... Laranja para encher sacola. Um dia eu fui na casa dele e falei: “Oi
tia, posso pegar uma laranja aí?”. “Ah, meu filho! Pode pegar à vontade!”. O
tio Dionísio tinha saído. Os galhos estavam até arcados assim com tanto peso
das laranjas. A casa deles era perto da cachoeira, tinha de passar uma ponte.
Passava a ponte e já estava no terreno dele. Sempre estava assim de frutas!
Cambucá, laranja... isso fazia lama no chão!
-
E a respeito da Ilha Anchieta?
-
Na Ilha Anchieta era uma coisa; os presos vinham de barco, ficavam ali. A gente
nem conhecia os presos. Mais tarde veio um monte de presos e ficavam à revelia,
se revoltaram. Depois da revolução, alguns ficaram por aí. Agora, hoje acabou.
Naquele tempo dava gosto; a gente ia botar a rede lá, pedia licença: “Tenente,
a gente queria puxar uma redinha aí”. E ele respondia: “Ah, Pode! Depois vocês deixam um terço da pescaria aqui,
para fazer para os presos”. A gente deixava um terço lá. Tinha peixe em
quantidade! Peixe-porco a gente nem queria falar de tanto que tinha. Em
quantidade! Em quantidade! Ninguém pescava lá! Quando a gente ia botar rede, um
lanço só, dois lanços, chapava a canoa e ia embora. Aí deixava um bocado de
peixes para eles e ia embora. Tinha guarda na praia, em frente ao presídio...
- Todo esse pessoal pescava?
- Todo esse pessoal pescava?
- O
Dito Henrique não pescava. Pescava garoupa ali pertinho, pertinho de casa.
Trabalhava, tinha uma roça no Morro do Morcego, mas não era de se esforçar
muito. Mas o meu tio, aquele que morava lá no Sertão, era trabalhador. Tio
Dionísio Cabral, irmão do meu pai. Ele teve muitos filhos; trabalhavam na roça,
entre os bichos (maribondo, borrachudo, mutuca...), mas não tinha para quem
vender. As frutas apodreciam e não tinha para quem vender. Não tinha comércio,
né? Ele tinha canoa, levava algumas frutas até São Sebastião. Iam remando.
Quando tinha vento, iam no pano. Quando não tinha, iam remando. Levavam uns
dois dias. Viajavam, viajavam... às vezes passavam direto para Ubatuba [cidade-centro]
para vender umas frutas lá, para sobreviver. Vendiam farinha, mas não vendiam
muito não. Naquele tempo tinha poucos moradores. No caso da farinha, se caísse um
pouco de água já perdia. Era difícil! Muitos iam trabalhar em Santos. Iam a pé
até Santos, trabalhavam, trabalhavam, recebiam um dinheiro lá e vinham embora
depressa porque tinham roças para cuidar, tinham um bando de crianças. Nós
éramos onze crianças. O meu pai trabalhou lá [em Santos]. Era a velha que ia,
quando era mocinha, trabalhar na roça. Levava a criançada para ajudar enquanto
o velho estava em Santos.
- E as caçadas?
- No
inverno, eu ia buscar raposa para comer. Eu tinha dois cumbus. Quando ia
visitar, trazia duas raposas. Colocava dentro de um saco e vinha. No tempo da
chuva comia raposa. Comia raposa com mamão. Uma caldeirada com mamão verde!
Ficava que nem uma galinha cozida. Gostoso, puta que pariu! Comia de tudo!
Peixe nem se fala! Ficava encalhado na praia de tanto que tinha!
Observação: Judith Cabral dos Santos hoje nomeia uma escola, na Rua Benedito Henrique, no bairro do Perequê-mirim. Ou seja, o saudoso casal de caiçaras continuam juntos.
Observação: Judith Cabral dos Santos hoje nomeia uma escola, na Rua Benedito Henrique, no bairro do Perequê-mirim. Ou seja, o saudoso casal de caiçaras continuam juntos.