A.L.A.: escola das Irmãs Agostinianas. Olha a Lira Padre Anchieta! (Arquivo Histórico) |
Eu tive
muitas oportunidades de comprovar o sacerdócio que é a enfermagem! Testemunhei
a Neide indo pelos caminhos ao atendimento dos pobres caiçaras, me submeti às
agulhas da Cecília nas muitas doações de sangue, encarei o desafio da Beth ao
dizer: “A Dona Irene vai deixar o
hospital, mas antes disso precisamos lhe dar uma moradia digna, no Monte
Valério”. E lá fomos nós, gente da Estufa, em mutirão, construir a casa da
mulher.
No
século passado, logo depois do fim da segunda guerra mundial, a filosofa Hannah
Arendt quis entender o que sustentava as atrocidades do nazismo, chegando à
conclusão o absurdo da banalidade do mal é “consequência de uma ação impensada,
alienada e conivente, que propaga um tipo de normalidade, de hábito insensível.
Esse mal faz ignorar as vítimas e pode se instalar tanto em regimes totalitários
quanto democráticos”.
O
meu autor do momento, James Clavell, no livro Gai-Jin cita: “O
dinheiro torna qualquer modo de vida possível. O dinheiro, sob a forma de ouro,
prata, arroz ou seda, até mesmo esterco, o dinheiro é a roda da vida, faz as engrenagens
funcionarem”. É preciso outras precauções, além da febre do ouro e da questão do
poder, no combate à banalidade do mal.
No
sábado, dia 12 de novembro, na casa da minha amiga escutei o seguinte: “Qual é
o trabalho das enfermeiras num hospital? Não é zelar pelos pacientes,
medicá-los conforme determinação médica e estar sempre atenta aos possíveis
chamados de intervenção nos variados quadros dos pacientes, com suas situações
mais graves?”. “É, acho que também é isso!”. “Pois é, amigo! E o meu irmão está
lá, nos últimos suspiros de vida; o próprio médico já nos preparou para isso.
Agora, o que podemos fazer senão lhe transmitir a solidariedade?”. “É,
concordo. O que se espera em momentos assim é apenas paz consigo mesmo. Por
isso é importante os familiares demonstrarem ao menos um semblante de
aceitação, de despedida, de perdão pelos
momentos de fraqueza do doente. Se os amigos também fizerem isso será melhor
ainda!”. “Agora entenda amigo: somos
pobres como você bem sabe, o quarto que meu irmão divide com outra pessoa é
pequeno, mas tem leito para mais um. Ele não tem a idade que a lei do estabelecimento
permite ter acompanhante. Nem sei se seria útil alguém a mais só para olhar o
seu definhar. Eu, pessoalmente, não aguento aquele pesar do ambiente. Expliquei
isso para a enfermeira que, mais atenta ao seu celular, queria me impor como
acompanhante, que eu ficasse de vigília durante a noite, depois de estar por ali o dia inteiro. Ela, continuando mais
de olho no seu aparelho do que em mim, disse que tem uma solução: há
cuidadores; o preço é de cento e dez reais durante o dia e cento e cinquenta
por noite. Será que ela pensa que somos ricos?”. “É lógico que não, amiga! Rico
vai ficar nesse hospital, num quarto apertado, com um assento rústico para seu
acompanhante passar a noite? E vai achar normal duas ou três profissionais
velando suas mensagens nos celulares em um recôndito esbranquiçado, mal
percebendo as lamúrias que por ventura escapam pelos corredores? Acho que passa
da hora de recordar o sacerdócio das primeiras enfermeiras formadas em Ubatuba,
atendendo até na tragédia ocorrida na cidade vizinha de Caraguatatuba, em março
de 1967, sob o comando da Irmãs Agostinianas. É comovente ler uma delas relatar:
‘Para chegarmos a Caraguá tivemos que
atravessar um mar de lama. E só quem aventurava numa dessas eram os homens. De
saída, nos apresentamos na cadeia local, onde estavam reunidos os voluntários. Fomos
de caminhão. Os homens bebiam antes, para aguentar, pois a chuva continuava
caindo e penetrava até os ossos. No lugar que recebia os voluntários trocamos
de roupa e logo nos mandaram para o Clube XV, onde se achavam umas trezentas
pessoas abrigadas, pois suas casas tinham sido destruídas. Havia ali muitas
crianças e idosos. Era um choro contínuo de crianças e de adultos. Uma havia
perdido isto, o outro mais aquilo, um terceiro familiares!... Lembro-me de um
senhor que chegou acalentando um pedaço de madeira, como se fosse uma criancinha.
Aproximei-me e lhe perguntei o que estava fazendo: - É o meu bebê, a mãe dele foi
na correnteza’.
- Amiga, o que vemos é a atualização da banalidade do mal. Ainda bem que existem as exceções!
- Amiga, o que vemos é a atualização da banalidade do mal. Ainda bem que existem as exceções!
Isto ensina-se
na escola, nas aulas de Filosofia: “Hannah Arendt encontrou-se diante de um enigma
assim quando escreveu a tese da banalidade do mal, na tentativa de compreender
a maldade praticada pelos homens”. Muitas das maldades nem são percebidas como
maldades. Seus praticantes são jovens, adultos ou idosos, esposas ou maridos
exemplares, pais dedicados, praticantes de alguma religião, alguém que se julga
devidamente civilizado, cumpridor de seus deveres, sobretudo de seus horários
que justificam seus salários e asseguram seus empregos. Nem percebem que são
aliados de um sistema que está aniquilando as pessoas, a começar dos mais
pobres, que mereceriam essa atenção devotada aos seus celulares.
Neide,
Cecília, Elizabeth, Isabel, Balbina e Mercedes estão entre as enfermeiras da minha vida. Agradeço-lhes
pelos exemplos em minha vida. Parabéns aos profissionais da saúde que não se afastam do desafio de zelar pela vida de tanta gente na Santa Casa da Misericórdia de Ubatuba.
Linda homenagem aos verdadeiros anjos, pessoas dedicadas a cuidar de outras, sem saber quem... simplesmente se dedicam!
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