sábado, 19 de novembro de 2016

EDUCAR PARA A DIVERSIDADE

Ricardo ordenando as peças (Arquivo JRS)

Uma amarração muito especial (Arquivo JRS)

Umas peças do Mestre Ricardo (Arquivo JRS)

               O meu amigo Ricardo, passando agora por momentos ruins, me ensinou neste semestre coisas maravilhosas a partir do bambu.

               Ricardo, professor de Educação Física, afrodescendente, tem uma história triste. Aos quatro anos foi abandonado na rua pela mãe. Por isso chorei ao ouvi-lo num dos seus muitos momentos difíceis: Só o meu primeiro nome eu sei que é meu. O restante, inclusive data de nascimento, foi o governo quem me deu. Fui criado em orfanato; nunca ninguém me adotou. Nunca soube de parente nenhum nesta vida. Você e outros que me consideram, que demonstram carinho, são os meus parentes”.

               Hoje, na véspera de celebrar o Dia da Consciência Negra, preocupado com a situação atual do meu amigo, faço questão de refletir sobre preconceito, linguagem e ação.

               Ao nascermos já temos uma herança cultural por pertencermos a uma família, a um grupo social. Com a nossa vivência vamos nos afirmando, revendo aspectos, refazendo essa herança. Nisso a linguagem é essencial. Por ela absorvemos e expressamos o mundo. Nossas necessidades essenciais e nossos anseios étnico nos permitem criar e recriar a linguagem.
               Foi o anseio étnico de Sartre, na segunda metade do século XX, que criou o conceito de negritude, fomentando a autoestima e os movimentos sociais negros decorrentes disso. O filósofo Albert Memmi, filósofo tunisiano, questionou, na mesma época o conceito de racismo. “O racismo é a valorização generalizada e definitiva de diferenças biológicas, reais ou imaginadas, em benefício de alguém a fim de justificar seus privilégios e suas agressões”. Para ele, o seu uso só se justificava se houvesse mais de uma raça humana. Ou seja, o mais adequado seria preconceito , discriminação, perseguição étnica etc.
               Algumas pessoas, miseráveis culturais eu diria, acreditam que os direitos devem variar de acordo com as diferenças étnicas. Nessa ideologia se tolera o sofrimento de alguns povos, inclusive a escravidão. Foi o caso do Brasil que se fez com suor dos indígenas, dos degredados e das etnias africanas. Quantos povos foram dizimados nesse processo? Caso semelhante fizeram os católicos da Península Ibérica contra o judaísmo. Os nazistas seguiram o mesmo princípio contra diversos segmentos étnicos, culturais e religiosos. No fundo, tudo converge para garantir a exploração, os privilégios de uma minoria. E a História continua neste rumo!

               De acordo com as pesquisas sérias, os negros, descendentes daqueles africanos trazidos à força para o Brasil durante mais de trezentos anos, continuam sendo os mais explorados; às mulheres se aplicam salários menores; os índios são discriminados porque suas terras são cobiçadas pelos latifundiários etc. Ensinamos que o ponto de partida dessas formas de exploração está na construção dos arquétipos (ideias, imagens, concepções que fazemos das pessoas e de quase tudo que nos rodeiam). Nós aprendemos, repetimos e criamos sem avaliar essas visões. Ou seja, criamos rótulos que muitas vezes, por nascer de pensamentos artificiais, não correspondem à realidade. Ciro Marconde Filho, sociólogo, chama estereótipo de vício de raciocínio. É o que está na base gerando leis, alimentado ideologias que resultam naquela falta de caráter, no problema patológico generalizado como racismo. Em pesquisa de 2003 (Fundação Perseu Abramo), 87% dos brasileiros consideram que o país é racista, mas só 4% se assumem racistas. Apesar de nossa Constituição dizer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, os negros continuam marginalizados, discriminados etc. No artigo 5º, inciso XLII está escrito: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”.

               Nos embates contra qualquer tipo de preconceito, nunca é demais relembrar o Dalai Lama, líder de uma etnia perseguida há tempo pelo governo chinês: “A meta da ética secular é nos libertar do sofrimento momentâneo, e, de longo prazo, é desenvolver a capacidade de apoiar o outro na busca da felicidade”.
               Nesta ocasião celebrativa, de luta dos movimentos sociais negros, que tal refletir a respeito da alteridade, do homem em ralação de interação e interdependência com o outro? Que tal, caros colegas, entender que alteridade implica se colocar no lugar do outro, numa relação de diálogo e de valorização das diferenças? Que tal repensar nossas atitudes nessa problemática enquanto educadores e gestores? Já dizia o Velho Brand:" Um simples gesto de aceitação pode ser decisivo para a felicidade de alguém".


               Agradeço ao meu angustiado amigo pelas lições. Acho que eu aprendi bem, Ricardo! Você é o nosso (eu, Egléia, Christiane, Luciane e Ayla) homenageado nesta celebração! Muita paz, muita saúde, continue na luta e seja feliz.

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