Ricardo ordenando as peças (Arquivo JRS) |
Uma amarração muito especial (Arquivo JRS) |
Umas peças do Mestre Ricardo (Arquivo JRS) |
O
meu amigo Ricardo, passando agora por momentos ruins, me ensinou neste semestre
coisas maravilhosas a partir do bambu.
Ricardo,
professor de Educação Física, afrodescendente, tem uma história triste. Aos quatro
anos foi abandonado na rua pela mãe. Por isso chorei ao ouvi-lo num dos seus muitos
momentos difíceis: “Só o meu primeiro nome eu sei que é meu. O restante,
inclusive data de nascimento, foi o governo quem me deu. Fui criado em
orfanato; nunca ninguém me adotou. Nunca soube de parente nenhum nesta vida.
Você e outros que me consideram, que demonstram carinho, são os meus parentes”.
Hoje,
na véspera de celebrar o Dia da Consciência Negra, preocupado com a situação
atual do meu amigo, faço questão de refletir sobre preconceito, linguagem e
ação.
Ao
nascermos já temos uma herança cultural por pertencermos a uma família, a um
grupo social. Com a nossa vivência vamos nos afirmando, revendo aspectos,
refazendo essa herança. Nisso a linguagem é essencial. Por ela absorvemos e
expressamos o mundo. Nossas necessidades essenciais e nossos anseios étnico nos
permitem criar e recriar a linguagem.
Foi
o anseio étnico de Sartre, na segunda metade do século XX, que criou o conceito
de negritude, fomentando a autoestima e os movimentos sociais negros decorrentes
disso. O filósofo Albert Memmi, filósofo tunisiano, questionou, na mesma época
o conceito de racismo. “O racismo é a valorização generalizada e definitiva de diferenças
biológicas, reais ou imaginadas, em benefício de alguém a fim de justificar
seus privilégios e suas agressões”. Para ele, o seu uso só se justificava se
houvesse mais de uma raça humana. Ou seja, o mais adequado seria preconceito ,
discriminação, perseguição étnica etc.
Algumas
pessoas, miseráveis culturais eu diria, acreditam que os direitos devem
variar de acordo com as diferenças étnicas. Nessa ideologia se tolera o sofrimento
de alguns povos, inclusive a escravidão. Foi o caso do Brasil que se fez com
suor dos indígenas, dos degredados e das etnias africanas. Quantos povos foram
dizimados nesse processo? Caso semelhante fizeram os católicos da Península
Ibérica contra o judaísmo. Os nazistas seguiram o mesmo princípio contra diversos
segmentos étnicos, culturais e religiosos. No fundo, tudo converge para
garantir a exploração, os privilégios de uma minoria. E a História continua
neste rumo!
De
acordo com as pesquisas sérias, os negros, descendentes daqueles africanos
trazidos à força para o Brasil durante mais de trezentos anos, continuam sendo
os mais explorados; às mulheres se aplicam salários menores; os índios são
discriminados porque suas terras são cobiçadas pelos latifundiários etc. Ensinamos
que o ponto de partida dessas formas de exploração está na construção dos
arquétipos (ideias, imagens, concepções que fazemos das pessoas e de quase tudo
que nos rodeiam). Nós aprendemos, repetimos e criamos sem avaliar essas visões.
Ou seja, criamos rótulos que muitas vezes, por nascer de pensamentos
artificiais, não correspondem à realidade. Ciro Marconde Filho, sociólogo,
chama estereótipo de vício de raciocínio. É o que está na base gerando leis,
alimentado ideologias que resultam naquela falta de caráter, no problema
patológico generalizado como racismo. Em pesquisa de 2003 (Fundação Perseu
Abramo), 87% dos brasileiros consideram que o país é racista, mas só 4% se
assumem racistas. Apesar de nossa Constituição dizer que “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, os negros continuam
marginalizados, discriminados etc. No artigo 5º, inciso XLII está escrito: “a
prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”.
Nos
embates contra qualquer tipo de preconceito, nunca é demais relembrar o Dalai
Lama, líder de uma etnia perseguida há tempo pelo governo chinês: “A meta da
ética secular é nos libertar do sofrimento momentâneo, e, de longo prazo, é
desenvolver a capacidade de apoiar o outro na busca da felicidade”.
Nesta
ocasião celebrativa, de luta dos movimentos sociais negros, que tal refletir a respeito
da alteridade, do homem em ralação de interação e interdependência com o outro?
Que tal, caros colegas, entender que alteridade implica se colocar no lugar do
outro, numa relação de diálogo e de valorização das diferenças? Que tal
repensar nossas atitudes nessa problemática enquanto educadores e gestores? Já dizia o Velho Brand:" Um
simples gesto de aceitação pode ser decisivo para a felicidade de alguém".
Agradeço
ao meu angustiado amigo pelas lições. Acho que eu aprendi bem, Ricardo! Você é o nosso (eu, Egléia, Christiane, Luciane e Ayla) homenageado nesta celebração! Muita
paz, muita saúde, continue na luta e seja feliz.
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