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Ruínas nas Galhetas (Arquivo JRS) |
De
vez em quando alguém entra em contato comigo para saber a respeito das ruínas
no município de Ubatuba. De algumas delas eu já escrevi, dei a minha
contribuição, mas sempre tem novidades para quem vasculha textos e escuta a
prosa dos mais experientes. Hoje, a partir do documento de Félix Guisard Filho,
está em questão a ruína da Tabatinga, que muita gente sequer imagina que possa
existir. Acredito que este assunto ainda possa interessar a alguém. Espero!
A
antiga Fazenda Tabatinga estava localizada perto da farta queda d’água que
vinha da Serra da Lagoa. Atualmente corresponde ao entroncamento da Estrada das
Galhetas [corvo s marinhos], de onde parte a Estrada da Lagoa. O mato cobriu a
área, as pessoas jogam lixo e as colunas e paredes estão esquecidas. Quem
sentirá a falta desses monumentos caso alguém se resolva por uma ação criminosa,
contra o patrimônio cultural?
Em
1838 houve diligência ao local após denúncia de ser referência no contrabando
de escravos, quando a Inglaterra fazia de tudo para acabar com o tráfico dos
negros africanos. Com adaptação minha, vamos ao documento da época:
Aos treze dias do
mês de março de mil oitocentos e trinta e oito, nesta Secretaria de Polícia,
compareceu Euzébio José Rodrigues de Freitas, negociante, morador na rua
Formosa, da Cidade Nova, nº 22, e em virtude do despacho desta, em sua petição foi-lhe
tomada a denúncia seguinte: que na fazenda denominada Tabatinga, próxima da
Ilha de São Sebastião, cujo proprietário José Bernardino de Sá, morador nesta
Corte, está presentemente sendo um dos mais frequentados pontos de desembarque
de africanos boçais, e que ultimamente ali aportaram, em janeiro, dois barcos
carregados deles. Indignadas algumas pessoas das vizinhanças reuniram-se com
armas para dispersá-los, e fazer, com isto, que tais contrabandistas deixassem
aquele ponto, cuja frequência já se tornou escandalosa. Disse mais: que o dito José Bernardino, para
melhor fortificar-se, ali havia construído uma espécie de forte de madeira,
guarnecido de doze ou treze colonos, e muitas outras pessoas de artilharia para
defender o desembarque de seu contrabando. Outrossim declarou que estava a
chegar ali o brigue escuna-paquete de Luanda, outrora Espadartes, que é
pertencente ao mesmo Sá, com nome suposto, cujo brigue é guarnecido por duas
peças [canhões] e um estandarte que é desmontado e oculto no porão logo que aqui entra.
E dando por concluída a denúncia, assinou o presente termo por achá-lo
conforme. Euzébio Roiz de Freitas. Joaquim M. Maia.
De acordo com
a data, levando-se em conta que o Porto de Santos era suficientemente vigiado
pelos ingleses, é fácil de entender essas empreitadas para o contrabando. A propósito,
o referido José Bernardino tem história nisso. Clóvis Moura, em Dicionário da Escravidão
no Brasil, cita-o:
“José Bernardino de Sá iniciou sua carreira
como empregado de uma loja no Rio de Janeiro, mas, em 1830, quando o tráfico
estava se tornando totalmente ilegal, já estava embarcando escravos para o
Brasil em seu próprio navio, o Amizade Feliz. Três ou quatro anos depois, agora
dado como uma herança que ele investiu no tráfico, Bernardino de Sá estava
instalando postos escravistas na costa africana ao sul do Equador, onde os
portugueses ainda mantinham um tráfico legal e os cruzeiros britânicos
normalmente não intervinham. Fazendo escambo de tecidos na África e utilizando
a bandeira portuguesa para proteger seus navios de captura pelos britânicos, o
jovem negociante logo ficou rico, famoso e com títulos”.
Assim,
que tal conhecer e lutar pela preservação de nosso patrimônio cultural e torná-lo
mais uma fonte de turismo?