"Canoa em tratamento"- Foto: Roberto Ferrero |
Sempre tem gente se acaiçarando, aprendendo e repassando lindos aspectos da nossa cultura. Parabéns ao Roberto Ferrero por esta contribuição à nossa gente.
Olhando fotos antigas na depressão pós-feriado eu fiquei pensando: no inverno desse ano minha canoa completa 5 anos! Feita de um ingá que caiu numa beira de estrada de terra em Caraguá. No que ele caiu rachou a madeira longitudinalmente de modo que a porção de cima da proa da minha canoa tem uma fenda de uns 2 cm, por onde vaza um fio grosso de água quando a canoa está muito pesada. Não chega a ser um problema, raramente levo alguém comigo. Gosto de remar sozinho. Sozinho de todo não, porque eu escrevi o nome da minha esposa na popa. Assim levo comigo sempre minha mulher. E tantas outras coisas.
As vezes eu acho que o mundo inteiro caberia no bojo da minha canoa. Pelo menos as coisas importantes. Se eu fosse escolhido para carregar todas elas, eu carregaria. Mas não fui. Por hora vou levando o que acho certo.
No verão me pediram para catar caranguejo na costeira. Esperei maré de lua ficar bem vazia, pedi uma cabeça de betara pro Ico da Enseada, quebrei com cuidado dois gravetos de goiaba (estavam quase todos floridos!) e fui lá pegar os caranguejos. Tem que assobiar para ele sair da toca, eu conheço a linguagem e a técnica. Mas mesmo assim não peguei tantos. Talvez 20 deles, no máximo. Uma manhã inteira com essa tarefa, para somente 20 deles. Foi pouco porque eu só escolho os machos e grandes. Porque eu acho que não é certo matar as fêmeas nem os jovens. Na verdade eu não acho. Eu sei. Um macho pode fertilizar várias fêmeas. Uma fêmea só pode ser fertilizada uma vez só. Conta fácil de se fazer. Eu levo esse tipo de coisa no bojo da minha canoa. Porque eu acho certo.
Na popa eu levo o nome da minha mulher. Pra não ficar sozinho. E assim, remada a remada eu vou construindo a nossa historia. Cinco anos e já demos de cara com o tempo, já fomos arrastados por raias, já vimos cardumes imensos de tainhas iluminados, raias pintadas feitos anjos planando por baixo de nós, toninhas cruzando o boqueirão, já fisgamos tartaruga por acidente, já nos encrencamos nos garramar das ressacas, embocamos, arranhamos nosso fundo em lajes mas na maioria das vezes navegamos em paz, nas águas abrigadas da Baia do Flamengo.
Fico feliz de ver que tem tanta gente boa interessada em preservar essas coisas. Feito o Peter e o José Ronaldo e tantos outros caiçaras que alegram a linha do tempo do meu facebook com caiçarices. Mas me preocupo com o futuro. Queria aprender a fazer essas canoas. Queria uma legislação pesqueira mais justa com os pescadores artesanais. Queria mais fiscalização, mais eficiência.
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