"Envelopes de cobrinhas" (Arquivo JRS) |
Zorandir Soares: seja bem-vindo ao blog !
Quando se é criança, a
gente faz coisas inacreditáveis. Imagine, então, para quem foi criado
cercado por matas, rios, costeiras, praias e um mar imenso nos convidando a
qualquer instante para um mergulho ou uma pescaria.
Quando brincávamos num morro cheio de pedras
ao lado de nossa casa, escutávamos a mamãe gritando: “Saiam daí, vão brincar pra
outro lado. Vocês não sabem que aí está
cheio de cobras? Não escutam sempre, na noite, os pios delas?”. Ah! Era como se
não falasse com ninguém! Imagine se na empolgação da brincadeira, pulando
pedras, criando pontes de madeira etc. alguém iria dar atenção às preocupações
da mamãe!?!
É isso mesmo! As cobram piam. Porém, eu nunca li em lugar
algum que elas fazem isso. Elas piam como os passarinhos. Só que é um piado
solitário, ou seja, você escuta um pio, depois de um breve tempo vem outro e assim
por diante. Mamãe explicava que elas piavam para atrair os pássaros da noite,
sobretudo aqueles que eram perseguidores de filhotes. Papai dizia que elas
estavam namorando. “Que nada! É conversa de namoro delas! Logo logo tem ninhada
delas por ali!”. Assim, altas horas da noite, quando o silêncio imperava, eram
comum escutar, não longe da nossa casa, os piados delas. Então, tinha razão a
mãe preocupada ao nos ver se tecendo por aqueles lugares, pelos buracos e tocas
formadas pelas pedras.
Não tinha jeito, de nada adiantavam as advertências da
mamãe. Até que um dia...Estando naquela corrimaça, brincando de
esconde-esconde, avistei umas coisas parecendo sementes murchas de jaca. Juntei
uma mãozada e levei para o quintal, onde mamãe estava estendendo roupas para
quarar. Fui logo perguntando sobre aquilo. “O que é, mamãe? Achei ali, perto da
casa da Maria Caçuroba, atrás da pedra”. Que susto dela. “Largue isso, menino.
Não tá vendo que é ovo de cobra? Pega já a enxada para dar um fim nisso”. E
chamou todos os demais que brincavam por ali. “Agora vocês entendem porque eu
estou sempre preocupada quando estão brincando pelas pedras dali?”.
Coitada da mamãe cobra. Ficou sem os filhotes.
Coitada da mamãe. Nunca nós deixamos de brincar em nenhum
lugar por medo de cobras.
Nem as cobras podiam com a gente. Essa era a verdade.
Nem as cobras podiam com a gente. Essa era a verdade.
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