sábado, 2 de abril de 2011

O satélite do tio Lindo

                 As rodas de causos ainda existem. Hoje os caiçaras e outros contadores se encontram, principalmente, em frente aos portões, diante de suas casas, pois o jundu, “lugar sacrossanto” no dizer do finado Antonio Maior, “agora está tomado pelas mansões dos tubarões”, pelos quiosques, etc. Embora em algumas praias ainda seja possível tal ritual, o mais comum é, no meu caso, de aproveitar as mínimas oportunidades pelas ruas da cidade, sobretudo em “época de vacas magras”, quando a maioria dos rostos é conhecida. O que eu narro agora me veio à mente depois de uma prosa com o Élcio e o Belinho, em frente da moradia deste.
         O ano era de 1969, quando os americanos chegaram à Lua. Nas praias, em todos os lugares comentava-se a notícia que chegava até nós pelos rádios. Os mais antigos ainda lembram-se muito bem das instalações para que rádio funcionasse: era necessário um fio (antena) estendido acima do telhado, no correr da cumeeira, de onde descia uma ligação com o aparelho (rádio) que, devidamente fixo num ponto alto (para que poucas mãos o alcançassem), depois de abastecido com “potentes pilhas”, eram sintonizados poucos momentos por dia por motivo de economia.           Assim chegavam as notícias, as músicas, o Projeto Minerva, a Voz do Brasil... Pela localização geográfica do nosso município, era lógico que as emissoras cariocas dominassem o espaço. Afinal, estávamos aos pés da Serra do Mar. Mas... deixando de lado tudo isso...de repente quase todo mundo passou a entender de espaço sideral, de satélites, de potência americana e da corrida espacial contra os russos, etc. Era o assunto do momento depois das festas de junho.
         Naquele tempo, apesar de gostar dos encontros, de se visitarem regularmente, muitos caiçaras tinham suas casas bem afastadas. Quando alguém questionava, a resposta sempre era: “Estou cuidando da minha posse”. Porém, nós sabemos que é questão de índole: os caiçaras gostam de se isolar para não serem perturbados, nem molestar ninguém. O meu tio Lindo era um desses casos. Morava na praia do Cedro, próxima da Deserta; depois - bem depois!- da Ponta da Fortaleza, na qual o acesso ainda hoje é por um estreito caminho de servidão que, felizmente, nenhum ricaço ainda cercou. Porém, todo dia de domingo ele estava na praia da Fortaleza. Eu adorava escutar os seus casos.          Também ele entendia de satélite e dos assuntos internacionais do momento. Afirmava:
         - Os satélites estão nos ares e controlam as nossas vidas; alguns até dizem que nos enxergam mesmo dentro de casa. Não tem como escapar dos olhares deles.
         E esse papo ia longe. Discutia-se muito por isso, mas nunca se concluía nada. O tio Lindo adorava uma cervejinha; até dizia que era remédio. Só sei que, de remédio em remédio, ele ficava “sapecado”, tropeçando até em concha de sapinhaoá na areia. Eu me preocupava com ele; achava que poderia se machucar num caminho tão ruim de andar quando estava são, imagine naquelas condições. Assim comentei com o meu tio Tonico:
         - Ele vai sozinho? O senhor não pode servir de companhia para que nada aconteça ao tio Lindo?
         De pronto o meu tio respondeu:
         -Que nada, Zezinho! Você já aprendeu uma coisa: agora tem satélite por todo lado, controlando tudo por aí! O tio também tem o dele! Ele chega bem, você vai ver!
         Assim ele foi pelo lagamá, subiu a Costeira das Pegadas, no canto do Joaquim Silvino. Lá em cima ele estacou, deu um forte assobio e gritou:
         - Satélite! Vem! Vem! Vem, Satélite!
         Correndo, todo feliz, lá se foi o seu cachorro cor de vinagre. Ah!!! Eu ri muito naquele dia por causa do nome que ele deu ao bicho: era muito apropriado e atualizado. Alguém consegue imaginar um caiçara vivendo sem cachorro?

         Deixo como sugestão de leitura A farmácia do Filhinho, de Washington de Oliveira.
                                            Boa leitura!
                                                       José Ronaldo dos Santos

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