Do alto da serra - Arte em casa - Arquivo JRS |
A cidade estava um caos, coisa imperceptível para quem olha do alto da serra em dias claros. Por todo lado era notório a necessidade de boas intervenções. Famílias estavam desnorteadas, procurando tábuas de salvação tal como náufragos em alto mar correndo a vista em busca de socorro, olhando desesperadamente quando qualquer canoa passasse causando lampejos de esperança. Subitamente eu notei o aparecimento de um animado grupo de pessoas. De onde veio eu não sei. Só posso afirmar que estava com uma condução repleta de coisas, significando fartura.
Essas pessoas foram chegando e se acomodando, estavam bem à vontade. Imediatamente escolheram uma moradia na intenção de se acomodarem, como se estivessem passando férias no meio de tantos problemas, de muita gente angustiada. Logo deram a impressão que desejavam ajudar, auxiliar a multidão daquele lugar que precisava muito. Pouca gente dali percebeu a verdadeira intenção daquele grupo transbordante de iniciativas, pois no fundo estava velado o planejamento de se estabelecer naquela cidade e de poder negociar seus produtos, lucrar em cima da miséria de tanta gente e da farta natureza. Almejavam riqueza. Esta era a razão da alegria que transparecia naquelas pessoas forasteiras/visitantes vindas não sei de onde, mas se sentindo num paraíso naquela localidade onde explorar ao máximo - e sem pudor algum! - era facilitado por gestores há décadas. Tudo planejado para o sucesso de poucos às custas de irregularidades.
É assim mesmo! Tudo planejado sobre a miséria (material e cultural) da maioria da população! Dessa barbárie irracional colhemos já manifestações assustadoras por parte da natureza e, sobretudo, dos seres como nós. Da razão pode brotar monstros. Podemos estar sendo parturientes de coisas horríveis, de fenômenos fatais e irreversíveis. Tudo de pior pode continuar brotando na sociedade, em nosso meio, nessa cidade. Uma certeza minha: os jovens e crianças são os mais afetados.
Nessa barbárie irracional há canoas sem rumo algum, ao sabor dos ventos e das marés. Espias se postam nos costões da minha terra buscando avistar bons sinais, dar boas notícias a todos nós que estamos numa realidade que não oferece nada, só vende. Marés subindo além da conta, desbarrancando praias, matas sendo destruídas, lixo por toda parte, ocupações irregulares (sobretudo de empreendedores vindos não sei de onde) etc. Tudo são coisas que ninguém percebe do alto da serra! Não se trata então de um mundo abandonado pelos sentimentos humanizantes e pela razão? Eu resumo isso tudo como um descompasso entre a humanização, a tecnologia e o progresso.
“Ai que dor do mundo”, diria o Velho Saramago. Aqui termino o texto, mas a cidade parece dormir enquanto os cães uivam.
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