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Saida da barra - Arquivo internet |
Dou um passeio pela cidade, estou à deriva olhando os logradouros que quase não presto atenção. Tem coisas interessantes deixadas nas calçadas, plantas diferentes pulando por sobre os muros, cachorros que farejam alguma coisa para comer etc. Assim me aproximo da Ilha dos Pescadores, sinto o cheiro característico daquele local. A maré tá baixa. Passo no armazém do primo, olho os peixes expostos. Cada um mais atraente que outro. Deixo para depois o cuidado de escolher um deles, comprar e levar para o almoço de amanhã. Hoje farei a minha refeição em algum desses simples restaurantes próximos. Atravessei a ponte como um peixe que estava sendo atraído por alguma isca especial, mas eu sabia o motivo: era para ver os barcos sendo enfeitados para a Festa de São Pedro no próximo fim de semana. Dona Isaura estava descascando camarão como de costume, ganhando dinheiro para se sustentar. Os filhos se mudaram, estão casados, moram em bairros em torno da cidade, mas ela, natural do Ubatumirim, continua morando na Ilha, onde trabalha desde a madrugada. “Aqui não tem tempo ruim e nem bom, meu filho. Depende da pescaria, de peixe e camarão que o pessoal traz depois de labutar nesse mar de meu Deus. Estou acabando o serviço por hoje porque o Dominguinho me chamou para ajudar a enfeitar a baleeira dele. Quem que vai deixar de sair em procissão? São Pedro, nosso santo protetor, merece muito mais! Olha lá, na beira da barra. Tá tudo mundo se movimentando. O Ney Martins se tece pra lá e pra cá, corre atrás de um monte de coisa que o pessoal pede. Todas as embarcações precisam estar bem bonitas. Já se fala de, no próximo ano, construir uma capela aqui na ilha em honra de São Pedro”.
Ainda bem que eu fui por ali, segui meu instinto caiçara. Foi uma oportunidade de prestar mais atenção ao movimento que antecede uma festa tão importante ao nosso povo, aos caiçaras de Ubatuba! Fui me detendo em cada embarcação mais próxima, cumprimentando velhos amigos e avistando novos rostos. Em dias assim, até as crianças e mulheres dos pescadores se fazem presentes, mostram seus talentos nas armações de bambus, nos varais de bandeirinhas coloridas e em tantos outros detalhes que farão nossa alegria quando se forem mar afora, acompanhando o santo, recebendo a benção das redes e anzóis, se animando para a vida de pescaria pelo ano todo, por toda a vida. A melhor surpresa foi reencontrar o querido Oscar, poder dar uma mão no empenho empolgado dele enquanto deixava linda a sua embarcação.
Oscar nasceu na Ilha do Prumirim, mas bem novo veio para a cidade. Logo entrou na lida de pescador e nunca mais saiu. Dele eu guardei uma impressionante frase: “Você sabe, Zé, que depois de passar 10, 15 dias no mar, balançando dia e noite, quando a gente chega no porto até parece desequilibrado? Eu mesmo só consigo andar de bicicleta depois de um dia pisando em terra firme. O meu corpo não se afirma sobre a bicicleta. Se tentar eu caio na hora”.
O tempo passou. As embarcações minguaram na procissão marítima, mas o evento continua fazendo parte da religiosidade de muita gente, do meu povo caiçara. Atrai turistas. Muitas pessoas queridas já não estão entre nós. Dona Isaura já é falecida há muitos anos. Seu mano Domingos também se foi. Oscar sofreu um acidente, deixou de ser pescador por esta razão. Ele e Luiza se casaram; tem netos há tempo. São como irmãos para mim. Eu os considero muito mesmo! Oscar é demais! Pensa numa pessoa que cativa as pessoas, é sempre afetuoso e preocupado com os mais próximos. Muito mais que isto é o Oscar. Que prazer poder ter ajudado ele naquele dia, naquela preparação à Festa de São Pedro! Que prazer poder recordar daquele tanto de gente, da empolgação deles sob a batuta do saudoso Ney Martins que veio de outras terras, mas se acaiçarou logo e em nossas memórias permanece. Quanta satisfação!
Peço ao nosso povo: não deixe morrer essas tradições que fortalecem nossa identidade e nos unem por nosso território.
Viva São Pedro! Viva essa gente toda que garante o nosso peixe de cada dia!