Família - Arte: Maria Eugênia |
Dias
atrás eu contei para adolescentes a alegoria da caverna. Você pode conferir no livro
VII, em A República, de Platão. Trata-se de uma narrativa (escrita há
2400 anos) acerca de duas verdades: uma, do fundo da caverna, onde as sombras
refletidas no fundo do local era a verdade única, a razão do viver das pessoas
dali. De repente, um dos membros se liberta, alcança outra verdade que está sob a
luz incomparável do Sol, fora da caverna. É um diálogo para refletir acerca de
mundo sensível x mundo inteligível, prática x teoria, material x espiritual, aparência
x essência etc.
Esse
sujeito evadido da realidade da caverna, aberto à busca, se encanta com a verdade
revelada pela inigualável luz do Sol. E, continuando na história, por amor ele voltaria a fim de libertar os
demais. Mas o que acontece? Ele é recebido como um louco que não reconhece ou
não mais se adapta à realidade que eles pensam ser verdadeira: a realidade das
sombras. Eles os desprezariam, levariam à morte na primeira oportunidade. Resumindo:
trata-se da questão da busca do conhecimento, de deixar o comodismo decorrente
das aparências, dos costumes; de fazer revisão de vida no sentido mais amplo
possível.
Vários desses adolescentes, sobretudo do sexo masculino, logo apelaram,
tal como os sujeitos do fundo da caverna. Eles se apegam às “verdades” da moda,
ditadas pelas redes sociais. Vem à baila aquele papo besta de armas para todos,
de morte às populações marginalizadas etc. Na verdade, essas pessoas, por não
refletirem, estão fadadas a viverem em função de sombras, em serem superficiais
etc. Nem percebem que são partes das populações estigmatizadas pelos donos das
riquezas, do poder. Serão alienados, não perceberão que estão envolvidos na
narrativa de quem faz o lobby das armas que vem, principalmente, de
fornecedores norte-americanos. Gente
assim não se encontra consigo mesmo, não será feliz. Estará acorrentada, mas
crê que é livre. E vai escolher líderes que preservem essa miserável aparência,
pois é a ignorância que precisa continuar para a servidão da maioria em
privilégio de pouquíssima gente. Não percamos esta certeza: é a busca do real
que nos permite a realização como seres humanos.
Nesta
manhã, na caminhada rotineira, ocorreu um fato: um jovem portando uma surrada mochila me deteve para
perguntar: “Por favor, o senhor sabe onde
é a casa de recuperação?”. Não é a primeira vez que isto acontece; trata-se
de um ser que quer se libertar de um vício que deixou de dar sentido ao seu
viver. A alegoria se atualiza: buscar se libertar é escapar da realidade da
caverna. Encarar a luminosidade de buscar a verdade é um grande desafio. Quem
consegue olhar de frente o SOL DA RAZÃO?
Em
vez de um desses adolescentes perguntar como eu enfrentaria uma pessoa armada
me ameaçando, poderia afirmar o seguinte:
“Estou disposto a escapar desse destino injusto que muitas narrativas querem me
manter encerrado. O que fazer?”. Afirmo que a razão minha e de colegas é
colaborar com essa subida das sombras para a luz exterior. Só a verdade
liberta! Convém relembrar Mestre Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão”.
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