O rabequeiro - Arte: Estevan |
Santiago Bernardo, nesta parte denominada a última canoa, me fez recordar do rabequeiro, da importância dele na comunidade descrita num dos capítulos. Então me lembrei de um desenho do meu filho Estevan. "Cai certinho na recordação!" . Aguarde o que vem por aí sob o título de Canoa Emborcada. Parabéns, Santi!
Sentado na praia o pescador ficou absorto em
dois mares: o que se descortinava a sua frente, velho conhecido de tantas
remadas e o de pensamentos que revoluteavam debaixo do chapéu como águas no
vento de agosto. Um vento começou a entortar a tarde, os homens cobriram as
canoas com lonas amarradas e as redes no rancho, viram ele ali sentado
navegando em outros mundos e o deixaram quieto. Ele fechou os olhos e ficou ali
inerte e imerso em si mesmo, quase despregado do tempo que a tudo permeia. Como
se as pessoas nem o vissem ali ou ele fosse uma estátua de areia que alguma
criança fez no dia e que logo o vento e a chuva desmancharia. E não seria assim
também com todos? Pequenas estátuas de areia sopradas na beira de um mar do
tempo? Enquanto as canoas permaneciam um pouco mais. |
Ele se viu remando outra vez, com o vento golpeando forte no rosto, fincava o remo com força nas águas como se pudesse furar o mar denso e escuro. Parecia noite, mas às vezes o dia no mar vira noite e perde-se a noção do tempo e das direções. A chuva escorria pelo rosto junto com a água borrifada pelo mar e no meio da escuridão não se divisava nenhum rumo, mas ele remava mesmo assim, pois era tudo o que se tinha a fazer. No meio das rajadas de vento e de golpes de água na cara um som se fazia ouvir e se perdia e voltava em fragmentos, o ranger de uma rabeca distante. Em algum lugar o rabequeiro Antonio devia estar fazendo seu trabalho de pelejar com a tempestade, em seu mundo indecifrável. Uma onda levantou a canoa e na arrancada ela deslizou descendo muito rápida até que num solavanco ela bruscamente parou e o pescador foi arremessado para longe, mas quando caiu não foi na água nem em pedra, sentiu o chão macio de areia, a canoa tinha chegado em algum lugar, uma praia. Ele levantou-se e num gesto intuitivo puxou a canoa para cima até a vegetação rasteira. Depois olhou em volta tentando reconhecer. A ilha dos Sumidos! Outra vez dera com ela sem querer. Vagando sem rumo. A canoa de cedro parecia querer sempre voltar para a ilha, caminho decorado em meio a escuridão e mau tempo. Ele se abrigou debaixo de uma árvore para esperar o tempo amainar, então lembrou-se do farol no alto da ilha, levantou-se e penetrou na mata procurando a trilha da subida, o vento fustigava as folhas das plantas e derrubava galhos secos no caminho, mas conforme ele subia sentiu o vento diminuindo até parar e um silêncio dominar tudo. Quando atravessou a mata espessa, quase no final do caminho a vegetação era de arbustos e ele pode ver então um céu noturno limpo e forrado de estrelas. Por cima das nuvens, por cima do mundo o céu era outro.