quinta-feira, 11 de julho de 2019

JARARACA NA BICA

Uma cobrinha nas andanças (Arquivo JRS)


               Cada um tem o frio que precisa”, dizia o Velho Artelino Flor, na minha meninice, quando despreocupado, “sem pensão alguma”, eu vivia correndo pelos morros e costeiras da Fortaleza e entorno (Saco do Zacarias, Ponta da Timbuíba, Pedra do Horácio, Canto do Cambiá, Morro da Anta, Morro do Tatu, Pedra da Igreja, Buraco da Cobra etc.).

               Dias desses, indo buscar água na Fonte da Amizade, conforme escolha de décadas, encontrei o Velho Tarcísio que mora na Figueira, no pé da serra. Ele sempre vai com uma carroça cheia de vasilhames. “Levo quantidade que dá pra um bom tempo”. É, tá certo. Afinal, ele dá uma boa pernada para recolher o tão precioso líquido. “Até tem uma mina perto de onde moro, mas eu confio mais nesta daqui. E não custa nada, né? É só não ter preguiça. Até esquenta a gente nesse frio que tá fazendo”.

               Adoro o frio! Num tempo assim, parece que o azul é mais bonito, que as matas brilham mais e que tudo fica mais sossegado. Olho na rua e vejo algumas pessoas se lagarteando, querendo aproveitar todo e qualquer calorzinho do Sol. Mas voltando à fonte, o Velho Tarcísio citou outras fontes próximas de nós, deu as qualidades delas. O que mais me chamou a atenção foi a seguinte história:

               “Você conhece a Bica do Curió, né? É uma água muito boa, muita gente faz parada ali para matar a sede e encher garrafas. Lembra daquele caso, do menino que morreu ali? Pois é! A família estava vindo de Taubaté e parou ali conforme costume. Todos tomaram água, mas quando o menino colocou a boca na bica, um negócio desceu pela goela dele. O coitado logo se estrebuchou e nem deu tempo de buscar socorro. No hospital, foram examinar a causa, era veneno de cobra: ele tinha engolido uma jararaca. Era pequeninha, mas era venenosa. Picou qualquer órgão dele e a morte veio rápido. Agora, como essa cobra foi parar ali, dentro da bica? Você sabe me dizer, Zé?”.

               É uma boa pergunta, Tarcísio. O que fazia uma jararaca no lugar do curió?


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