Grande Laureana! (Arquivo JRS) |
O amigo Roberto Zsoldos, da página suindaras . com. br, postou o seguinte texto endereçado ao meu filho Estevan. Hoje apresento a primeira parte das definições elencadas e refletidas pelo autor. Certamente que servirá a outras reflexões, mas desde já os apontamentos do Roberto estão na minha paisagem. Agradeço pela consideração, pela nossa amizade.
O texto
que escrevi para um projeto que não foi pra frente! Dedico ao pesquisador José
Ronaldo, pai do meu amigo Estevan José.
Falta definição para a palavra caiçara? A dicionarística, com certeza.
Já foi de grande avanço a recusa daquele antigo verbete que não ouso
reproduzir. Atualmente, o Aurélio, bem mais brando, traz como definição “cerca
de bambu” ou até mesmo o vago “caipira do litoral”. Já o Aorélio Domingues, caiçara,
militante, fabriqueiro e fandangueiro da Ilha dos Valadares em Paranaguá é
categórico em sua definição: Caiçara é quem nasce no território. Para alguns da
família Pereira do Ariri em Cananéia, caiçara é quem vive no sítio e para
alguns da família Paru, de Ubatuba, caiçara é quem vive do mar. Ao longo da
costeira de Paraty há quem o defina como o que faz a sua farinha, ou quem
possui sua canoa, e por aí divergem e convergem diversos aspectos e símbolos
que são caracteres auto definidores desse povo.
Ao longo de anos circulando por
diversas comunidades do litoral pude observar de perto diversos aspectos e
tentativas de auto reconhecimento, o que eu acredito que seja muito positivo na
busca por uma definição mais apurada do que é ser caiçara. Também pela primeira
vez esse verbete é reconstruído pelos próprios caiçaras, o que por si só, já
aponta uma conquista enorme frente ao antigo, que foi imposto de fora para
dentro das comunidades.
Por isso, não devemos estranhar que
existam tantas opiniões sobre o assunto. Pois é justamente essa geração que se
reconhece como caiçara, motivados pela luta por seus direitos, que esbarra na
falta de definição da palavra e a repensa.
Diferente de um consenso, a palavra
caiçara ainda parece estar mais ligada à experiências pessoais do que a um
olhar mais amplo sobre o tema. Então, dependendo de onde você está e a quem a
pergunta é dirigida, a resposta de “o que é caiçara?” pode mudar. E aqui não
cabe dizer resposta certa ou errada, talvez a solução esteja em rever a pergunta.
“Quando as respostas são muitas a ponto
de confundir a sua cabeça, você provavelmente não está perguntando direito.”
Foi um dos meus primeiros aprendizados no Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo, e, à luz disso, procurei balizar minhas pesquisas
pelo território caiçara. Temos que entender que as comunidades são dinâmicas
mesmo. Que elas estão inseridas em lógicas econômicas e culturais variadas. E
que essa realidade está atrelada a um tempo específico. Então se faz necessário
entender as historias dessas comunidades e procurar eixos que a transformaram
no que ela é hoje para aí sim perguntar para as pessoas o que elas entendem por
caiçara. Por exemplo, em uma comunidade que foi cortada pela BR 101, devemos
perguntar o que é ser caiçara antes e depois dessa intervenção. Em uma
comunidade pesqueira, devemos perguntar o que é ser caiçara antes e depois dos
avanços de conservação e distribuição do pescado, em uma comunidade urbana
devemos atentar ao antes e depois do avanço das fronteiras da cidade. A partir
desse entendimento, teremos dados mais concretos para tentar entender o que foi
ser caiçara e também o que é hoje ser caiçara.
“O peixe encalhava na praia, não
tinha valor. A gente tinha que enterrá”. A partir desse relato do Sr. Oliveira, da Brava da Fortaleza, pode-se notar uma
mudança de paradigma econômico na região. A partir de uma pergunta mais
cuidadosa, na região sul de Ubatuba, notei que a relação demasiadamente
presente no imaginário popular sobre o caiçara com o mar foi forjada pela
mudança do eixo econômico da região depois da chegada da BR 101 trazendo
consigo a possibilidade de escoar a produção pesqueira de forma mais eficiente
atendendo a demanda de grandes centros urbanos, tirando assim o caiçara das
roças de subsistência e o empregando em massa nas atividades pesqueiras,
sobretudo a partir da década de 50. Também esse fato pode ter relação com o
sentimento de desvalorização das terras observado nos relatos de vendas de
terras do período na região. Afinal, se ele ainda usasse a terra para produzir
e tirar o seu sustento, é de se imaginar que a terra lhe seria de grande valor.
Portanto, nessa região, a resposta do que é ser caiçara, de uma pessoa com
cerca de 70 anos difere significativamente de uma com seus 40. A mais velha identifica
no ser-caiçara características de lavrador e caçador de subsistência enquanto a
mais nova identifica características ligadas a pesca. A resposta também difere
as vezes entre os gêneros, onde as mulheres relacionam o caiçara à produção de
artesanatos para atender a demanda turística.
“O
Maneco Armiro danzava tocando rabeca, ele danzava!!”
Não só os modos de relação de trabalho diferem ao longo do tempo. Uma mudança
nos costumes, sobretudo aqueles advindos da religiosidade e festividades,
também apresentam diferenças significativas na caracterização do caiçara ao
longo do tempo na região. A dona Maria e sua prima Melinha, que me deram esse
relato, relacionam a definição de caiçara ao gosto por festas devotadas à
Santos e danças coletivas (de roda) na região mas que com a chegada “da
religião dos crentes essas coisas foram proibidas”.
“De antes a gente
saia lá do Corcovado e ia no Bonete dançá o xiba. E no caminho vinha passando
nas casas chamando as pessoas. Um dia meu pai tava passando pela estrada e viu
duas moças na frente da casa, uma tava despencando banana e a outra tava com
uma cuia de farinha na mão, ai ele chamou as moça para ir no baile que ele ia
canta um verso pra elas. Ai chegando lá no Bonete fazendo aquela roda de xiba
ele cantou assim:
Essas mocinha do portá
Com qualqué coisa se engana
É uma cuia de farinha
Ou um cacho de banana
Com qualqué coisa se engana
É uma cuia de farinha
Ou um cacho de banana
E caíram na gargalhada… o caiçara gostava de
tirar sarro”
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