quarta-feira, 20 de março de 2019

NA BEIRA DO CAMINHO

Ilha do Tamanduá (Arquivo JRS)


               Eu busco, desde a relativa tranquilidade da madrugada, olhar meu horizonte, questionar, me voltar a detalhes desta paisagem que é a minha vida. A partir dela vislumbro outras paisagens. Assim meu horizonte se amplia e eu avanço.

               Ontem, na caminhada logo cedo, alguém me pilhou [alcançou]. Era o Djalma: “Estou indo para o encontro da caiçarada, na Almada”. Animado como sempre, ainda conversamos um cuí [pouco] de assuntos variados nas coisas nossas, de caiçarada.  Apoitei [parei] no canto da Cocanha; e dali segui outra direção, pois o compromisso do dia me aguardava.
          
     No meu horizonte agora se faz presente o avanço de alguns cobiçosos sobre o jundu da Mococa. Avisto uma fumaça densa que sobe dali. “Em pouco tempo não teremos nada desse jundu”. Passo pelo mangue da Cocanha, aprecio o sol que está suave como a brisa nas boias de mariscos, no norte do ilhote da frente. Mais distante está a ilha do Tamanduá, de onde se espalharam os Quintino. “Meu avô era dono daquela ilha”, dizia o saudoso Aristeu. Boto reparo [presto atenção] na praia: um casal, seguido de dois fotógrafos, fazem poses. Desconfio que eles estão vivendo um momento muito especial. Ele é branco, ela é preta (detalhes da pele que indicam a nossa origem humana nesta Terra). Ao que me parece, ela está grávida. Novo detalhe na minha paisagem: “Cena inimaginável até bem pouco tempo atrás, considerando que até a segunda metade do século XIX os traficantes de escravos usavam este lugar para deixar suas mercadorias humanas, aqueles que restavam da longa travessia atlântica. As ruínas das Galhetas (Tabatinga) estão ali até hoje como testemunhas. Dos poucos sobreviventes ainda se alcançavam consideráveis lucros”.  
        Agora, toda essa gente está no caldo da nossa nação. Neste caldo tem nuances de sabores, tal como os caiçaras. Meu pai nasceu na Caçandoca, minha mãe era da Fortaleza, eu nasci no Sapê: praias e lugares do meu viver. Viva a diversidade cultural! Viva os detalhes que, mesmo na beira do caminho, me enchem os olhos, a mente e o coração!
               Hoje eu avanço em mais um ano de vida. “Quando eu era criança nunca imaginava viver tanto! Achava que se vivesse até os quarenta anos já estava muito bom”. Aqui, presentes no marulhar, no brilho do sol e na brisa leve estão os meus que tanto estimo. São os que mais contemplam  e entendem a minha paisagem e os novos vislumbres conforme vai se dando a caminhada.

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